Gabriel é absolvido de roubo que aconteceu enquanto trabalhava

Justiça de SP apontou que não existiam provas contra motoboy e vítimas voltaram atrás em reconhecimento irregular; entregador foi abordado na rua de casa, na zona sul da capital paulista, e ficou 15 dias preso

Gabriel Assunção de Freitas, 20, respondeu processo por crime que não cometeu, denuncia família. | Foto: Arquivo pessoal

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) absolveu o motoboy Gabriel Assunção de Freitas, 20 anos, de quatro roubos ocorridos em 4 novembro de 2022, na região do Parque Santo Antônio, na zona sul da capital paulista. Ele havia sido acusado após um reconhecimento irregular feito por duas vítimas.

O juiz Fábio Aguiar Munhoz Soares, da 17ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, argumentou que não havia nenhuma prova que vinculasse o jovem aos crimes e que as duas vítimas haviam se retratado, ainda na fase de investigação pela Polícia Civil, sobre o reconhecimento que fizeram porque não tinham certeza absoluta de que Gabriel seria um dos assaltantes. Na fase de juízo, ou seja, na frente do magistrado e do Ministério Público, as vítimas reiteraram essa questão e também não reconheceram o motoboy.

“Em tal contexto e resta evidente não surgir a prova dos autos como límpida e firme para fins de condenação, surgindo a decisão absolutória como a mais acertada”, escreveu Munhoz Soares.

Gabriel ficou 15 dias preso e estava respondendo ao processo em liberdade desde que sua família e amigos conseguiram localizar imagens de câmeras de segurança de todo o percurso que ele fez quando os roubos aconteceram, inclusive as registradas dentro da pizzaria na qual o jovem trabalhava. Com o resultado da absolvição, a mãe de Gabriel, Zeneide Santos de Assunção, 46, disse à reportagem que o filho não queria mais se expor porque ficou abalado com tudo o que aconteceu. “Ele quer esquecer”, disse.

Na época, o jovem contou à Ponte que foi abordado pela Polícia Militar na rua de casa, também localizada no bairro do Parque Santo Antônio, logo após o expediente. A moto estava do lado de fora e ele ouviu um barulho de isopor quebrando, momento em que saiu da residência e se deparou com os policiais revistando a bolsa que carregava em sua moto. Ele questionou a ação e, em seguida, foi abordado. 

“Eu achei que ia ser uma abordagem normal”, disse na ocasião. “Não perguntaram nada, foram retirando tudo do meu bolso. Eu vi uma policial que já estava me acusando no telefone, falando que era eu e eu sem entender nada. Depois só falaram para me algemar”, recorda. O motoboy foi encaminhado para o 11º DP (Santo Amaro), onde foi preso “em flagrante” acusado de participar dos assaltos.

A prisão do entregador revoltou os vizinhos, que gravaram o momento que ele foi levado, e organizaram um protesto na comunidade exigindo a liberdade dele.

Entenda o caso

Segundo o boletim de ocorrência assinado pelo delegado Rodrigo Mazzeto Hessel, os PMs Lucas Pereira dos Santos e Luiz Henrique Ferreira de Sousa receberam a informação de que a tenente Amanda Rodrigues da Silva havia flagrado um roubo praticado por seis indivíduos que estavam em três motos, um deles portando uma arma, contra quatro vítimas. No documento não consta o horário do crime, apenas que ocorreu na região do Parque Santo Antônio e que foram levados três celulares, documentos pessoais e que uma mochila com uma máquina de cartão foi encontrada no local.

Durante as buscas, os PMs relataram avistar dois suspeitos que fugiram em uma moto e deixaram para trás um revólver. Momentos depois, em outra rua, ambos avistaram uma moto “cujo motor ainda estava quente, assim como um capacete e uma mochila de entrega cor preta” e abordaram Gabriel.

Imagens obtidas pela família mostram que na noite do dia 3 e na madrugada do dia 4 o motoboy estava trabalhando na pizzaria, e trocou mensagens com a esposa pelo WhatsApp por volta das 1h da manhã avisando que se encontraria com ela e a filha do casal. Apesar de nada ter sido encontrado, o jovem foi levado para realizar um reconhecimento pessoal na delegacia que não seguiu os procedimentos previstos no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP).

A lei prevê que, primeiro, a vítima descreva as características da pessoa e que, depois, seja colocada diante de pessoas que possuam semelhanças para que seja feito o reconhecimento. “Me colocaram sozinho na sala de reconhecimento”, conta o jovem. As características dos assaltantes também não são descritas no processo. 

Apenas duas das quatro vítimas reconheceram Gabriel. Mesmo assim, durante audiência de custódia a prisão “em flagrante” do jovem foi homologada pelo juiz Fabio Pando de Matos do TJSP e convertida em preventiva. No dia 10 de novembro, a promotora do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Simone de Divitis Perez, ofereceu a denúncia que foi aceita pela Justiça.

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Por causa desses tipos de falhas no procedimento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou resolução, em dezembro de 2022, que estabelece diretrizes para os reconhecimentos fotográfico e presencial de pessoas a fim de evitar prisões e condenações de inocentes. A medida está em vigor desde março deste ano.

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