“Estamos falando em um instrumento que é responsável por 70% das mortes no país, não é uma questão banal”, critica Bruno Langeani, diretor do Instituto Sou da Paz
Apesar da pandemia, governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) realiza novas mudanças e cria novas regras sobre porte e posse de armas de fogo no país. O documento com as alterações foi assinado pelo delegado Milton Rodrigues Neves, da Polícia Federal, parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública, na última quinta-feira (20/8).
Os Institutos Sou da Paz e Igarapé Organizações analisaram o documento e destacam principais mudanças na Instrução Normativa, que operacionaliza o tema de armas na Polícia Federal. Nos últimos meses, foram mais de 20 atos normativos publicados pelo Governo Federal, que alterou a política nacional de controle de armas e munições.
Em abril, a Ponte noticiou que Bolsonaro havia revogado as portarias do Comando Logístico (COLOG) nº 46, 60 e 61, de março de 2020, que tratavam do rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e outros produtos.
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A nova regra flexibiliza o porte de arma para civis (que, pelo Estatuto do Desarmamento, deveria ser uma exceção) e indica uma ampla interpretação para definir quais atividades profissionais trazem risco.
O número de armas por pessoas também aumentou: de duas para quatro, sem que a Polícia Federal precise analisar a necessidade dessa quantidade. Também houve uma flexibilização para pessoas com antecedentes criminais: anteriormente era necessário não só as certidões negativas, como não estar respondendo inquéritos policiais ou processos, e agora passa-se a precisar apenas de uma declaração.
Policiais aposentados serão menos controlados a partir de agora, já que a avaliação psicológica e técnica passa a ser obrigatória a cada 10 anos, não mais 5 anos como era anteriormente. Os guardas municipais de cidades pequenas, de 50 a 500 mil habitantes, agora estão autorizados a portar armas fora de serviço.
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Outra alteração é que os laudos, técnicos e psicológicos, para promotores, juízes, agentes penitenciários, agentes de escolta e outras categorias podem ser feitos em suas respectivas instituições. Isso, para Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, mostra um “afrouxamento” na legislação.
“O que essa instrução traz de novidade é que o promotor ou o juiz que busque a arma para uso pessoal tenha uma facilidade adicional que é conseguir um atestado técnico e psicológico dentro da própria instituição”, explica. “Você coloca a instituição pública, seja o Ministério Público ou Tribunal de Justiça, a serviço de garantir o acesso mais facilidade de armas para essas categorias”.
“Quando você passa os laudos para dentro das instituições”, continua Langeani, “cria-se uma preocupação sobre como essa emissão será feita. Nós sabemos que, em muitos estados, as secretarias não têm uma estrutura para tocar isso. Dá um pouco de medo se isso vai ser feito por um psicólogo com independência para negar pedidos”.
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Langeani também critica o aumento de 5 para 10 anos na reavaliação psicológica dos profissionais. “Estamos falando em um instrumento que é responsável por 70% das mortes no país, não é uma questão banal”.
“O Conselho Federal de Psicologia está justamente discutindo isso para dizer que não existe em lugar algum do mundo um psicólogo que capaz de atestar que, com um exame feito em 30 minutos, a pessoa está apta a usar a arma de fogo por 10 anos, porque nesse período pode acontecer de tudo na vida dessa pessoa. Essa é uma grande preocupação”, aponta.
Outro problema, explica o diretor do Sou da Paz, é a independência desses psicólogos dentro das instituições. “Se você tem um psicólogo que começa a negar laudos dentro de polícia, dentro de MP, dentro de SAP, será que não vão demitir essa pessoa? Será que é um funcionário de carreira?”, questiona.
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