Para Letícia Oliveira, que monitora a extrema-direita no Brasil, episódio deste domingo demonstra que Jair Bolsonaro (PL) desistiu da campanha presidencial
A última semana da campanha eleitoral mais tensa desde a redemocratização tornou-se uma incógnita do ponto de vista da ruptura democrática. As duas granadas arremessadas e os 20 tiros de fuzil dados pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson, ex-presidente do PTB e aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), contra policiais federais que cumpriam uma ordem de prisão contra o ex-parlamentar da extrema-direita na manhã deste domingo (23/10) colocam em xeque o andamento das eleições deste ano.
A insurreição de Jefferson despertou a sanha da parte mais extremista dos apoiadores do presidente, que contrariando o discurso de defesa da classe policial, apoiou o ataque feito contra os agentes de segurança neste domingo pelo ex-deputado. Colocados como inimigos da República, o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, agora, a Polícia Federal (PF) são os principais alvos dos bolsonaristas.
Apesar disso, Bolsonaro foi a público para chamar Jefferson, que se entregou no fim da tarde deste domingo, de “criminoso”. “O tratamento dispensado em quem atira em policial é o de bandido”, disse o candidato à reeleição em um curto vídeo publicado nas redes sociais. Apesar do posicionamento presidencial, a onda de violênci apolítica continuou domingo adentro. Um apoiador de Jefferson agrediu um jornalista da TV Globo que acompnahanva os desdobramentos na porta da casa do parlamentar, enquanto uma carreta em apoio à Lula (PT) com a presença da governadora reeleita Fátima Bezerra (PT) em MAcaíba, no rio Grande do Norte, foi interrompido por tiros.
Para Letícia Oliveira, editora do El Coyote, e especialista na atuação da extrema direita no Brasil, o episódio deste domingo é fundamental para entender como serão os próximos passos de Bolsonaro e seus asseclas. Segundo ela, o que se viu foi o abandono do presidente da campanha eleitoral para uma guinada à ruptura democrática.
Ponte — Como você vê esse episódio do Roberto Jefferson que mostra que a extrema direita atira em quem ela diz defender, no caso os policiais?
Letícia Oliveira — Existe uma narrativa dentro do bolsonarismo de que a Polícia Federal seria a Gestapo [Geheime Staatspolizei, polícia secreta da Alemanha nazista] do STF. Isso foi dito pela Cristiane Brasil, filha do Roberto Jefferson no Twitter, e logo depois a sua conta foi suspensa. Com isso a PF não é mais considerada uma polícia bolsonarista. Existe esse comportamento de seita do fascismo que, se você não está com eles, você está totalmente contra eles. Há muito tempo eles já vêm atacando a PF. A tentativa de controle da PF pelo Bolsonaro não deu certo totalmente. A gente sabe então o que acontece? Não vai ter bolsonarista defendendo a PF.
Ponte — A extrema direita já vinha falando abertamente em episódios como o de hoje. Eduardo Bolsonaro já tinha falado que se fossem mais organizados os invasores do Capitólio poderiam ter matado todos os polícias nos EUA. O que vimos neste domingo é a concretização do discurso bolsonarista?
Letícia Oliveira — Sim. Tem um chamado à radicalização das bases, que foi esse esse ato. Apesar da posição do presidente, o bolsonarismo está defendendo Jefferson abertamente. Alguns deputados da extrema direita estão com um discurso menos radical para se descolar do Roberto Jefferson. Mas isso é só na superfície. Roberto Jefferson é a voz do Bolsonaro. Ele fala o que o presidente não pode falar, faz o que Bolsonaro não pode fazer.
A gente viu isso acontecer nos debates com o Padre Kelmon [ex-candidato à presidência pelo PTB] também. O que me parece mais preocupante é que se concretizem outras ameaças do bolsonarismo a partir disso, porque eles desistiram da campanha. Isso aí é um atestado de desistência da campanha, porque eles sabem que eles não vão ganhar e partiram para a barbárie generalizada.
Ponte — O que a gente pode esperar desta semana que antecede as eleições do segundo turno?
Letícia Oliveira — Na minha visão vai ter uma escalada de violência. Uma tentativa de criar uma versão do caso da invasão do Capitólio aqui no Brasil. As únicas instituições que resistiram a política de aparelhamento do bolsonarismo foram a PF, apesar de ter muitos bolsonaristas, o STF, e o TSE. Acho que será mais fácil para essas instituições, que ainda estão combatendo de frente o bolsonarismo, agirem depois da eleição.
Esse tensionamento todo aconteceu porque o TSE não pode agir abertamente. Não pode, por exemplo, impugnar a candidatura do Bolsonaro. Se fizesse isso antes iria acontecer o que está acontecendo agora. Eles estão tensionando justamente pra isso e não estão conseguindo. Por isso que eu acho que o presidente age como se estivesse pisando em ovos.
Ponte — Esse excesso de cautela do TSE e do STF também não seria um dos motivos para se chegar ao que vimos o Roberto Jefferson fazer hoje?
Letícia Oliveira — A tática do bolsonarismo é tensionar as instituições até o ponto de ruptura. O que o TSE vem tentando fazer é justamente evitar essa ruptura. Hoje foi um evento chave de radicalização e de tensão das instituições brasileiras. E a gente precisa ver qual vai ser a atuação do TSE e do STF em relação a isso. Eles estão tentando não entrar em confronto. O Roberto Jefferson é uma pessoa que já estava em prisão domiciliar. O ideal é levar o Roberto Jefferson para a prisão, mas eu acho que tem que tomar muito cuidado porque ele pode simular um atentado dentro da cadeia. Ele vai tentar de tudo para se martirizar.
A intenção do Roberto Jefferson era que com esses ataques houvesse reação. A Polícia Federal agiu muito bem. Eles não reagiram. O que precisa ser feito é botar ele na cadeia, deixar isolado e tomar cuidado pra ele não inventar um atentado ou uma tentativa de suicídio. Parte da imprensa aparentemente está propagando o discurso bolsonarista que a culpa disso seria um excesso por parte do STF. Não é culpa do STF. Os únicos culpados disso são os bolsonaristas.
Ponte — Qual deve ser a posição do campo democrático e da campanha do Lula em relação a todos esses eventos?
Letícia Oliveira — Eu acho que o Lula deve manter a campanha. Apesar da gente saber que tem que tomar muito cuidado, o campo democrático tem que se unir e tem que entender que a gente vai precisar enfrentar. O bolsonarismo não vai ser combatido só nas urnas. A gente vai ter que se preparar para outros tipos de confronto, infelizmente. Vai ter que se mobilizar muito pra não deixar o bolsonarismo tomar conta das ruas. Não só nas redes, mas também nas ruas. Essa mobilização tem que ser constante para combater a constante mobilização do fascismo.