Guardas espancam e arrastam homem baleado no centro de SP

    Em vez de socorrer ferido, GCMs o arrastam no chão e só param de bater nele quando testemunha grita ‘Chega!’

    Imagens de celular mostram o momento em que GCMs (Guardas Civis Metropolitanos) de São Paulo atiram em um grupo de pessoas na chamada Cracolândia, na Luz, região central da cidade de São Paulo, após um guarda cair no chão e ter sua arma roubada. O vídeo obtido pela Ponte mostra quando os guardas arrastam no chão um homem baleado e só param quando uma testemunha grita “chega!”.

    A ação da Guarda, que contou com participação da PM como é possível conferir pela gravação, começou por volta de meio-dia. Quando tenta sair de uma área cheia de pessoas, o GCM acelerou e a moto empinou, o que o fez cair e ter sua arma roubada. É quando aparecem outros dois guardas atirando na direção do homem, vestido de moletom branco, que pegou a arma do agente de segurança caído. É possível contar nove tiros de arma letal disparados pelos GCMs.

    Dois guardas imobilizam a pessoa baleada e um deles dá pelo menos quatro golpes de cassetete. A quantidade pode ter sido maior, mas a gravação mostra um guarda correndo atrás de frequentadores do fluxo. Na sequência, os dois GCMs arrastam o homem ferido, o chutam e dão novos golpes de cassetete.

    O homem é arrastado por aproximadamente 20 metros e duas pessoas se direcionaram aos guardas para que parassem o espancamento. “Mataram o cara”, diz uma das pessoas que grava o vídeo. “Era [de arma de] borracha os tiros?”, questiona outro, recebendo resposta negativa do primeiro. É possível ouvir o barulho de uma bomba que explodiu distante do local onde o homem foi baleado.

    Para Ariel de Castro Alves, advogado conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), os guardas cometeram uma série de erros. “Ação desastrosa, já que eram poucos guardas inicialmente envolvidos na ação e um deles é deixado para trás pelos colegas, foi derrubado da moto e sofreu agressões dos usuários de drogas”, analisa o advogado, que cobra investigação por tortura.

    “O revólver do guarda poderia ter sido levado pelos usuários de drogas e poderia ocorrer uma tragédia. Na sequência, como retaliação, os guardas torturam um dos moradores de rua, que já estava rendido”, diz, explicando que a tortura ocorre quando alguém é submetido, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental. “A lei 9.455 de 1997 prevê penas de 2 a 8 anos aos acusados”, detalha.

    Julio César Fernandes Neves, ex-ouvidor da Polícia de São Paulo, critica o fato de a GCM agir com letalidade. “A competência da GCM é para cuidar de prédios públicos, não agir dessa maneira, cometer atos com letalidade como esse. Estão agindo de maneira que não poderiam, de forma ilimitada e eles têm limite. Exageraram na ação, isso não pode ocorrer”, define o advogado.

    “A ação dessa sexta-feira foi justificada, como centenas de outras, como de combate ao tráfico de drogas. Uma desculpa confortável para mascarar a guerra a pobreza feita pela prefeitura e o governo de São Paulo no centro da cidade. Enquanto não houver atendimento aos direitos básicos à população em situação vulnerável, com acesso a saúde, moradia e renda, não haverá melhora do quadro na Cracolândia”, posicionou-se a ONG Craco Resiste, que presta serviço junto aos usuários, sobre a ação desta sexta-feira.

    Um profissional que atuam no atendimento dos usuários e povo de rua da Cracolândia explica à Ponte que a repressão de agentes de segurança ao fluxo – termo usado para designar a concentração de usuários de drogas no local, onde há venda e uso de crack – tem aumentado nos últimos dias. “De duas a três semanas para cá, a GCM não conversa com usuários, moradores, eles gritam, xingam. Não existe mais diálogo. Não são todos, temos que ser honestos”, explica a pessoa, que tem medo de se identificar.

    O homem foi socorrido à Santa Casa, na área central de São Paulo, onde permanece internado pelo tiro que o acertou na região abdominal, segundo a Prefeitura. “Não sabemos como o homem está. Agora, sabemos bem que a violência da GCM e da PM está aumentando a cada dia. Tem tropa acompanhando a limpeza, agentes têm entrado na Atende, na Rua Helvetia, com muita agressividade. Retiraram pessoas e as revistaram. Elas não tinham nada”, complementa o profissional.

    A Ponte questionou a Prefeitura de São Paulo, responsável pela GCM, para questionar se alguma operação foi feita na região nesta sexta-feira, qual estado de saúde do homem ferido e se os guardas estão autorizados a disparas com armamento letal em direção à multidões. Em nota, a Prefeitura explica que houve um “tumulto” no fim da tarde desta sexta-feira (8/11) e “enviou efetivo para controlar a situação, quando dois guardas em motocicletas foram atacados. Um dos agressores conseguiu tomar a arma de um dos guardas e efetuou vários disparos, atingindo um dos GCMs  na região lombar.”

    “Durante o tumulto, a GCM revidou, atingindo o agressor na região abdominal. O tumulto foi contido e os feridos foram encaminhados para atendimento médico para a Santa Casa de Misericórdia. A situação ocorreu após uma ação de combate ao tráfico de drogas na região no período da manhã da sexta-feira, realizada pela PM, com apoio da GCM,  que resultou em cinco prisões de pessoas com porte de entorpecentes, que foram enviados ao Denarc”, aponta a versão oficial, dizendo que um GCM foi, mas “já recebeu alta médica e o agressor permanece internado”.

    Questionada, a PM de São Paulo, comandada pelo coronel Marcelo Vieira Salles neste governo de João DOria (PSDB), explicou que um homem foi preso “após subtrair a arma de um GCM e atirar em direção a ele” e, baleado, socorrido para a Santa Casa de Misericórdia, na Santa Cecília, também no centro da capital paulista. O 77º DP (Santa Cecília) é responsável pela investigação do caso.

    “A Polícia Militar esclarece que o policiamento na região da Nova Luz foi reforçado. Diariamente, a PM realiza patrulhamento na área, inclusive com viaturas posicionadas em locais estratégicos. A Polícia Civil investiga a venda de drogas, furtos e roubos na área em viaturas caracterizadas e descaracterizadas”, diz a corporação, apontando que prendeu 2.975 suspeitos e 1.084 quilos de drogas na região desde 21 de maio de 2017 até setembro de 2019. “As polícias também prestam apoio a equipes municipais de saúde e assistência social”, finaliza a nota.

    Atualização às 17h02 de sábado (9/11) – Correção da descrição sobre a saída do GCM do local, em que aponta a empinada da moto como consequência sem intenção.

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