Comandante repudia fala de réu por Massacre de Paraisópolis que disse celebrar mortes com cerveja

“Comemoramos mortes com charutos e cerveja”, afirmou sargento Gabriel Luís de Oliveira a Gen Kimura. Coronel Douglas Ferreira chefiava batalhão na época da morte de 9 jovens e testemunhou em audiência do caso nesta sexta (28)

Familiares de vítimas estenderam cartaz em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda pedindo justiça | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Testemunha ouvida durante a quarta audiência sobre o Massacre de Paraisópolis nesta sexta-feira (28/6), o coronel Douglas José Ferreira de Oliveira considerou “inconcebível” a declaração do sargento Gabriel Luís de Oliveira, um dos PMs acusados pelas mortes de nove jovens em 2019, de que ele celebra mortes com charuto e cerveja.

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O sargento foi filmado fazendo essa declaração por um youtuber estadunidense que participou e registrou uma perseguição policial, conforme revelou o jornal Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (27/6).

Hoje aposentado, o coronel chefiava o 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), do qual pertenciam, além de Gabriel, os outros 11 policiais que são réus por homicídio por dolo eventual, por assumirem o risco de matar os jovens ao encurralá-los em um beco durante a dispersão de um baile funk que acontecia na comunidade de Paraisópolis na madrugada de 1º de dezembro de 2019. A área dessa batalhão apresenta o maior índice de letalidade policial na cidade de São Paulo, segundo levantamento Centro de Antropologia e Arqueologia Forense, da Universidade Federal de São Paulo (Caaf/Unifesp).

O ex-comandante disse que, ao se reunir com os policiais envolvidos no dia seguinte às mortes, notou que eles estavam com o “semblante abatido” e percebeu, a partir dali, que algo “muito grave” havia acontecido. Ele disse que não tinha a percepção de que os PMs agiram com “maldade” ou má intenção ao ser perguntado sobre o assunto pelo advogado Fernando Fabiani Capano, que representa oito réus.

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Por outro lado, repudiou a declaração do sargento ao ser questionado pela promotora Luciana Jordão Dias sobre o vídeo, gravado em junho deste ano, mostrando a conduta do sargento Gabriel. O coronel afirmou que, se essa situação tivesse ocorrido sob seu comando, teria aberto uma apuração e o afastado.

A menção do vídeo, que repercutiu nesta semana, gerou uma discussão entre as promotoras, responsáveis pela acusação, e os advogados dos PMs. Capano e João Campanini, outro defensor de parte dos réus, se irritaram. “Qual a relação com esse caso? O vídeo não está nos autos”, disse um. “A testemunha não tem conhecimento do vídeo”, rebateu o outro.

A promotora disse que exibiria a filmagem se fosse necessário e que a anexaria no processo. “Celebrar mortes com charuto e cerveja é incompatível com a função de policial”, disse Luciana Jordão à Ponte.

A reportagem buscou os advogados do sargento sobre o vídeo, mas Fernando Capano disse que a advogada responsável por defender Gabriel não estava presente e ele não poderia comentar por não ser seu cliente. A Ponte foi diretamente até Gabriel, que estava no plenário, mas ele negou dar qualquer declaração após ver os advogados balançando a cabeça negativamente.

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Das 24 testemunhas previstas para serem ouvidas nesta sexta-feira (28), apenas cinco prestaram depoimento. Além do coronel Ferreira, foram ouvidos o ex-corregedor geral da PM, coronel Marcelino Fernandes, o ex-comandante geral da PM, hoje vereador da capital pelo PSD, coronel Marcelo Vieira Salles, outro ex-comandante geral da corporação, que havia assumido em março de 2020 após a saída de Salles, coronel Fernando Alencar de Medeiros, e o delegado Emiliano da Silva Chaves Neto, que estava a frente do plantão do 89º DP (Portal do Morumbi) quando o massacre aconteceu.

Além do coronel Ferreira, a reportagem conseguiu acompanhar os depoimentos do coronel Salles e do delegado Emiliano Chaves Neto.

Salles declarou que buscou preservar a “lisura” da investigação ao ter determinado que o caso fosse apurado pela Corregedoria Geral e não pelo próprio 16º BPM/M e ter solicitado que a Procuradoria Geral de Justiça designasse um promotor para acompanhar o caso. Também disse que pediu a revisão dos manuais de procedimentos operacionais da PM, mas não informou nem foi perguntado se o episódio em Paraisópolis motivou alterações.

“Sob o nosso comando, nós reduzimos 30% da letalidade policial, a implantação das câmeras [nas fardas] também foi trabalho nosso”, disse, embora o programa tenha decolado na gestão no ex-comandante Fernando Alencar.

Tanto Salles quanto o coronel Ferreira afirmaram que não acreditam que houve um recrudescimento da violência policial em Paraisópolis após o assassinato de um PM um mês antes do massacre.

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Isso porque na época da tragédia, duas ações policiais aconteciam. Uma delas, chamada Operação Saturação, começou um mês antes, quando, no dia 1º de novembro de 2019, o sargento da PM Ronald Ruas Silva, 52, morreu baleado em ação na favela de Paraisópolis. A morte dele culminou com uma série de ações diárias da PM na comunidade naquele mês, com uso de batalhões de Choque “sem previsão de término“, segundo Salles na ocasião.

A outra é a Operação Pancadão, feita exclusivamente para coibir a realização de bailes funk nas ruas, e é empregada até hoje. Salles declarou que operações contra perturbação de sossego aconteciam no estado todo sem distinção, tanto em bairros mais ricos como Perdizes quanto em áreas de comunidades.

Já o delegado Emiliano Chaves Neto, que não foi responsável pelo andamento das investigações na Polícia Civil, afirmou que no momento da ocorrência não tinha elementos que pudessem apontar responsabilidade dos PMs nem de isentá-los pelas mortes.

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As famílias das vítimas fizeram um ato em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda e acompanharam toda a audiência, que iniciou às 11h e se encerrou às 20h10. A próxima data para que as demais testemunhas sejam ouvidas, além dos réus, está agendada para 2 de agosto, às 10h.

Essa fase, chamada de instrução, busca ouvir acusados e testemunhas, além de reunir provas, para que a juíza Isadora Botti Beraldo Moro decida se os PMs serão levados a júri popular.

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