Criado pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, objetivo do jogo é propor uma reflexão sobre como o gênero impacta o acesso a políticas públicas
As histórias de cinco de mulheres diferentes em raça, gênero e classe inspiraram o ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania) a criar um jogo para sensibilizar as pessoas sobre o encarceramento de mulheres e o acesso a políticas públicas. O lançamento acontece nesta quarta-feira (19/8).
Intitulado “Política de drogas é uma questão de mulheres“, o jogo foi criado após rodas de conversas com trabalhadores e trabalhadoras da sociedade civil de três estados: Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. A experiência do ITTC com o Projeto Gênero e Drogas, um dos braços da ONG, também serviu para chegar até as histórias.
Em cada roda de conversa, cerca de 20 representações de pessoas, coletivos e órgãos estiveram presentes. No Rio, as pesquisadoras visitaram o Complexo da Maré e, em Salvador, uma comunidade terapêutica.
Cátia Kim, advogada e pesquisadora do ITTC, que participou da elaboração do jogo, disse, em entrevista à Ponte, como foi a construção do novo projeto. “O enfoque nas questões de gênero veio do entendimento de que as mulheres são extremamente invisibilizadas nas políticas públicas já existentes, porque muitas não conseguem acessá-las”, explicou.
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As motivações para isso, segundo a advogada, são muitas. “Os estigmas, questões religiosas, o machismo, várias questões relacionadas com a maternidade”.
A ideia era ser um jogo de tabuleiro em que os participantes navegam nas histórias das mulheres. Para isso, a ONG vai disponibilizar o manual completo e as cartas para serem jogadas. Aqui você pode acessar duas histórias: Vitória e Teresa.
Conhecendo o jogo
Vitória tem 21 anos e é estudante de moda. Seu sonho é ser estilista. Seus pais sempre lhe proporcionaram uma vida confortável, mas a situação muda drasticamente quando ela se assume como uma mulher trans e inicia o processo de transição. Sem apoio familiar, Vitória precisa encontrar novas fontes de apoio emocional e financeiro.
Já Teresa tem três filhos e trabalha como cuidadora de crianças na favela onde mora. Foi uma alternativa para se sustentar quando teve a capacidade física diminuída após o surgimento de uma trombose nas pernas. Sua rotina muda bruscamente quando ela presencia a morte do filho Pedro, de 14 anos, em meio a uma invasão policial na comunidade.
“A primeira carta do jogo é a ‘Minha História’ e depois vem a ‘Conflito’ que é geradora de escolhas dali para frente. Em seguida começam a aparecer opções, você vai escolhendo e distribuindo no tabuleiro. E tem a carta ‘Surpresa’, que aparece ao longo da vida daquela pessoa, daquela história”, explica.
O ideal, explica Kim, é que o jogo seja executado por grupos para que as pessoas debatam os temas que forem aparecendo. “Elas vão escolher coletivamente o caminho, elas vão contar um pouco das duas vivências, sejam individuais ou coletivas”.
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A segunda etapa do jogo é levar a dinâmica para outras cidades diferentes, inclusive cidades de fronteiras, para jogá-lo dentro de equipamentos de políticas públicas. “Além disso, queremos aprofundar o quanto a política de drogas pode ser e é perversa, e como isso se relaciona com as questões de gênero”.
“Quisemos trazer histórias de cinco mulheres que têm vivências muito diferentes, origens diferentes, porque isso se relaciona com questões de raça, de gênero, de classe social, mas, que, de alguma forma, as mulheres são afetadas e invisibilizadas mesmo assim”, aponta a advogada.
“Mesmo que as mulheres sejam afetadas diretamente pela política de drogas em vários sentidos, não só no âmbito da justiça criminal e do encarceramento, elas continuam invisibilizadas e não conseguem acessar as políticas públicas”, completa.
A advogada critica a superlotação dos presídios e aponta que isso está diretamente ligado à guerra às drogas. “A política de drogas foi criada para encarcerar determinadas pessoas, que são as populações negras e periféricas em sua maioria”, destaca.
“As prisões foram, historicamente, construídas para isso, para se tornar depósitos de gente, assim como os hospitais psiquiátricos. A política de drogas vem como controle social que prioriza a segurança pública em detrimento da saúde pública. É mais fácil o Estado encarcerar do que investir em pesquisas e políticas públicas”, conclui.