Jornalista trans e negra é agredida por PM na zona leste de SP

    Jovem de 20 anos estava voltando para casa na terça-feira de carnaval quando recebeu um golpe de cassetete na cabeça em rua na Vila Alzira

    Exame médico mostra inchaço na cabeça de jornalista trans por PMs | Foto: arquivo pessoal

    Uma jornalista trans de 20 anos foi agredida quando voltava para casa do bloco de rua da cantora Pabllo Vittar, um dos maiores nomes da música LGBT+ da atualidade, na terça-feira de Carnaval (25/2).

    S., que tem medo de represália caso seja identificada, estava na avenida Faustino Xavier de Novais, na Vila Alzira, distrito de Sapopemba, na zona leste da cidade de São Paulo, por volta das 20h30, quando foi atingida por uma cacetada na cabeça. Até agora ela não sabe o que pode ter motivado a agressão. Ela pretende registrar ocorrência na segunda (2/3).

    Com a pancada, a jovem ficou por cerca de 20 minutos sem conseguir escutar nada. Sua visão ficou embaçada, mas ela conseguiu chegar em casa, que fica próxima do local da agressão. Só quando o zumbido no ouvido parou, ela conseguiu contar ao pai e a irmã o que tinha acabado de acontecer.

    Neste sábado (29/2), quando conversou com a Ponte, S. ainda estava com muitas dores na região da escápula, osso localizado entre o pescoço e o meio das costas. A jovem conta que, antes de ir para casa parou em uma padaria da região para comprar refrigerante. Foi quando viu a viatura da Polícia Militar, modelo antigo, com adesivo vermelho, cinza e preto. Ela afirma que os PMs a encararam nesse momento.

    Mesmo assim, a jovem continuou o caminho até sua casa, sem perceber a aproximação da viatura, que, segundo ela, deu a volta para alcançá-la sem que ela percebesse. O carro chegou em silêncio e estava com as luzes e sirenes desligadas. A rua, conta S., estava vazia e escura. Depois da agressão, ela viu a placa da viatura e notou que era o mesmo veículo que viu poucos minutos antes.

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    “Eu ouvi um ‘ixi’ e a viatura acelerou. Nessa hora, um dos policiais bateu o cassetete na minha cabeça. O impulso foi tão forte que o meu nariz começou a sangrar na hora. Só não cai no chão porque segurei em um carro estacionado em cima da calçada”, relata a jornalista.

    Depois que chegou em casa e contou aos familiares o ocorrido, o medo começou a tomar conta de S., que não conseguiu dormir naquela noite. Na hora que cruzou com os policiais pela primeira vez, conta que sentiu receio. “Quando a polícia encara demais, a gente sabe como é, que os caras tão na caça”.

    Até aquele momento, S. nunca tinha sofrido nenhuma agressão, física ou verbal. Ela afirma, sem ter dúvidas, de que a agressão foi motivada por transfobia. “Não tinha motivação nenhuma, eles não me enquadraram. Eles viram que era um corpo vulnerável e em um momento propício para eles exporem o preconceito deles”, crava a jovem.

    “É um crime racial, porque eu também sou uma pessoa preta, mas, naquele momento, a brisa deles era por conta do meu corpo e o que esse corpo representava na hora. Eu sou uma pessoa trans em um país que as mulheres trans são as que mais morrem na rua”, continua a jornalista.

    No último mês, seus familiares sofreram com a ações da polícia na região onde mora. “O meu pai foi preso dentro de um banco sem motivo nenhum, sendo que ele foi pagar uma conta. Entraram para assaltar e meu pai foi preso junto com os caras. Meu pai era o único homem negro que estava lá na hora”.

    “A minha irmã sofreu um enquadro com o meu sobrinho, uma criança de 8 meses, quando estava indo para o trabalho. Então isso foi o estopim, foi um aviso que temos que tomar muito cuidado”, conta.

    O que aconteceu dessa vez, afirma, não foi uma violência gratuita, foi um modus operandi da PM na periferia. Agora, a jovem só tem saído de casa para ir ao médico, está afastada do trabalho e pensa em mudar a sua rotina para não se sentir mais vulnerável.

    “Eu tô com medo. As viaturas fazem a ronda por aqui, eles são aqui da região. Meu medo gira em torno disso, foi no meu território, foi no lugar onde eu circulo todos os dias, eu faço esse caminho todos os dias para ir pro trampo”, finaliza a jornalista.

    Outro lado

    A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública, por meio da assessoria terceirizada InPress, e a PM questionando quem seriam os PMs que fizeram ronda na região no dia e horário citado pela jornalista.

    Em nota, a Polícia Militar informa que analisa a denúncia feita pela reportagem para identificar a possível abordagem feita pelos policiais militares. “A Corregedoria da Polícia Militar está à disposição da vítima para formalização de denúncia, assim como a Polícia Civil, para registro do boletim de ocorrência”, concluiu.

    Reportagem atualizada no dia 1/3 às 14h10 para inclusão da nota da PM

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