Mãe diz que filho foi agredido ao filmar abordagem violenta dos agentes públicos no Jabaquara, zona sul de São Paulo; pai também foi ferido
Um jovem de 19 anos teve o maxilar quebrado por policiais civis na tarde de terça-feira (29/8), no Jabaquara, na zona sul de São Paulo, dizem familiares. Segudo eles, a agressão teria ocorrido após o homem ter filmado uma abordagem violenta dos agentes públicos a outras duas pessoas. Tentando cessar os golpes, o pai dele, 48, também foi ferido, conforme relato dos familiares e de pessoas que estavam no local.
Moradores da região relataram à Ponte que os policiais civis chegaram em duas viaturas descaracterizadas por volta das 14h. Eles estavam à paisana, ainda de acordo com os residentes. Por medo de represália, todos eles pediram para não serem identificados.
Na altura da rua Wilson Pereira de Almeida, os policiais teriam abordado um homem e o agredido. Ele seria usuário de drogas, conforme os moradores, e ao ser ferido começou a gritar. O pai dele foi chamado por vizinhos ao local e quando chegou também foi alvo de golpes dos agentes públicos.
O jovem de 19 anos estava no restaurante da família, que fica próximo ao local onde a abordagem era feita. Com o celular, ele passou a filmar a ação, momento em que foi percebido pelos policiais e agredido na sequência.
Uma moradora que presenciou a ação contou à Ponte que os policiais pediram que o jovem entregasse o celular e ele teria negado. “Foi uma cena que eu nunca vivi na minha vida”, comenta.
A mãe do jovem, uma mulher de 38 anos, não estava no local no momento das agressões, mas foi informada por vizinhos sobre a violência. “[Eles] deram uma coronhada no maxilar, jogaram ele no chão e pisaram no pescoço dele. Foi a hora que meu marido saiu do estabelecimento e foi para cima dos policiais porque eles iam matar meu filho”, diz.
Ela relata que o marido levou murros na boca que provocaram cortes na parte interna e também no rosto. Vizinhos da família contaram que os policiais começaram a atirar para cima neste momento e na sequência levaram o celular que era usado pela família para atender os clientes do restaurante. A versão foi confirmada por moradores ouvidos pela Ponte.
Segundo a mãe, o filho e o marido não foram socorridos pelos policiais. O jovem foi encaminhado para um hospital público da região e deve passar por cirurgia no maxilar prevista para segunda-feira (3/9). O pai dele não procurou atendimento médico e se recupera em casa.
“Aqui tem muito ponto de tráfico, mas tem muita gente que trabalha. Eu moro aqui minha vida inteira e toda vez é assim. Eu dei graças a Deus que não era noite, se fosse a noite eles tinham matado os dois” desabafa a mãe.
A família foi atendida pela Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio ainda na terça-feira (29). Eles pretendem registrar a agressão sofrida.
Moradora ameaçada
Outra moradora que registrou a ação inicial dos policiais também contou ter sido ameaçada. Ela diz conhecer o jovem abordado da época da escola e que ele trabalhava com entregas na região. “Assim que eu saí, já me deparei com os polícias com o pé na cara do João*. Foi na hora que eu consegui gravar. Eles estavam muito agressivos e eu gritei ‘eu conheço ele, o nome dele é João’”.
Ela conta que quando os policiais perceberam que ela os filmava, correram atrás dela. “Vieram atrás de mim correndo. Eu consegui me esconder na casa da minha avó. Aí eles começaram a gritar: eu quero aquela vagabunda que estava gravando, eu quero o vídeo”, relata.
O vídeo foi compartilhado pela jovem com a Ponte. Nas imagens é possível ver quatro homens que seriam os policiais em pé — todos de blusa cinza, um deles armado e outro com o que parece ser um distintivo. Há também uma pessoa no chão algemada e outra aparece discutindo com o grupo.
Um dos policiais percebe que está sendo filmado e começa a andar em direção à jovem dizendo: “A senhora está filmando? Vou te levar para a delegacia”. A gravação é interrompida na sequência.
Segundo os moradores, o jovem entregador foi levado pelos policiais. Não há confirmação do local onde ele foi levado e se houve prisão.
Outro lado
A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) questionando a motivação da presença dos agentes da Polícia Civil no local, se havia operação na região ou se eles estavam cumprindo algum mandado.
Também foi questionado se as agressões aos quatro homens estão sendo apuradas e se os policiais envolvidos relataram o caso. Foi perguntado ainda se houve de fato prisões após a abordagem e o que as teria motivado.
Por meio de nota, a SSP respondeu parcialmente os questionamentos. “A Polícia Civil informa que um homem foi preso em flagrante por tráfico de drogas, resistência e lesão corporal, na Avenida Hélio Lobo, no Jabaquara. Ele resistiu à ordem de prisão dada pelos policiais. As investigações prosseguem pelo 35º DP. Em relação ao vídeo, não foram identificadas agressões, no entanto, qualquer irregularidade quanto à conduta dos policiais pode ser denunciada na Corregedoria da Polícia Civil”, escreveu a SSP.
*Nome fictício
*Reportagem atualizada às 14h07 do dia 30 de agosto de 2023 para adicionar a nota da SSP.
Correções
- A primeira versão do texto informava que a família do jovem de 19 anos procurou a Defensoria Pública do Estado de São Paulo para auxilio, conforme informado em primeiro momento por familiares. A informação foi corrigida no dia 30 de agosto de 2023 às 14h03min.