Jovem negro é morto pela PM na zona oeste de SP

Jorge Rodrigues Filho foi morto em abordagem após sair de casa em novembro de 2022; polícia diz que ele estava em moto roubada e apontou arma de brinquedo, mas família contesta versão: “ele não era ladrão, era trabalhador”, diz mãe

Jorge Eduardo Rodrigues Filho tinha 21 anos | Foto: arquivo pessoal

Há quase um mês e meio a autônoma Agatha Andreza Pires Ferreira, 37, buscas respostas para entender o que aconteceu com seu filho no dia 22 de novembro de 2022. Jorge Eduardo Rodrigues Filho, 21, foi morto no bairro Residencial Sol Nascente, na zona oeste da cidade de São Paulo. “Como uma pessoa que se arrumou toda vai sair para fazer um assalto?”, questiona.

Agatha conta que Jorge trabalhava como ajudante geral numa empresa de caçambas de caminhão do pai, de quem é separada, e que pediu alguns dias de folga para comemorar o aniversário de 15 anos da irmã que aconteceria naquela semana. “Ele tinha vindo para a casa da minha mãe porque no próximo final de semana a gente iria para a praia, então ele veio passar uns dias com a gente também”, afirma. A avó materna, que criou o rapaz, mora na região de Pirituba, também na zona oeste.

“A minha mãe disse que naquele dia ele acordou cedo e passou o dia se embelezando, fazendo máscara facial, porque ele era muito vaidoso, passou creme, tirou a barba e minha mãe falou que ele vestiu uma roupa nova”, prossegue. Agatha, que trabalha fora, aponta que a mãe relatou que por volta das 19h45 Jorge pediu uma máscara, dessas usadas contra a Covid-19, e disse que voltava logo, mas não informou para onde iria. “A gente entendeu que ele iria visitar namorada dele”, diz.

Contudo, ao entrar em contato com ela, Agatha afirma que a namorada relatou que Jorge não confirmou que iria na casa dela, mas pelo contexto ela também acreditou que ele poderia passar pelo local. “Ele não era muito de sair de casa, saía como qualquer outro jovem, para um evento, uma casa de show, um baile, mas não com muita frequência e, no dia a dia, ele acordava muito cedo para trabalhar até tarde”, lembra.

A família recebeu a notícia da morte de Jorge quatro horas depois. “Primeiro, uns amigos dele vieram aqui [em casa] avisar ‘o Jorge foi preso’. Passou uns 20 minutos, meia hora, esses mesmos meninos voltaram e disseram ‘tia, ele não foi preso, ele foi morto’. Os meninos estavam desesperados, choravam muito porque o local onde aconteceu não é muito longe da casa da minha mãe, é [distante] 10 minutos de carro”, conta Agatha. “Ele era meu braço direito para tudo, porque eu sou hipertensa, então se acontecesse alguma coisa, eu sabia que ele teria a responsabilidade de me ajudar com as irmãs dele”, lamenta.

De acordo com o boletim de ocorrência, o cabo Luiz Guilherme Pascoaloto da Silva e o soldado Matheus Luciano de Oliveira Barros, do 49º Batalhão da PM (BPM/M), disseram que por volta das 23h receberam um chamado de um roubo de uma motocicleta Honda CG160 Titan. Como o veículo era rastreado, a partir de informações da vítima, conseguiram localizá-la na Estrada de Ligação, altura do numeral 2300, no bairro Residencial Sol Nascente, embora estivesse com a placa retirada.

A dupla afirma que a moto bateu na via e nela estava “um indivíduo, então desconhecido e que, abordado, sacou o que aparentava ser uma arma de fogo” e que, por isso, os policiais atiraram. Pascoaloto disse que disparou cinco vezes enquanto Barros informou que deu três tiros, totalizando oito disparos contra Jorge.

A equipe de perícia do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil relatou que o corpo de Jorge tinha 11 ferimentos de perfurações, o que não significa necessariamente o número de disparos, já que uma bala quando entra no corpo pode fazer uma, duas ou mais perfurações. E apreendeu junto ao corpo, na sarjeta, um simulacro de pistola de plástico, ou seja, uma arma de brinquedo.

Na mesma estrada, os PMs encontraram outra vítima de um roubo de uma moto modelo Kawasaki Z650 que os acompanhou até o 33º DP (Pirituba). Ela disse que dirigia pelo local quando dois homens em uma moto Honda CG160 Titan o emparelharam e, “fazendo menção de portarem uma arma de fogo”, mandaram-no descer da motocicleta. Um dos assaltantes perguntou se o veículo tinha rastreador e pediram para deixá-la no ”pezinho” e que a dupla também a questionou se “estava armado ou se era policial”, o que foi negado.

Em seguida, um dos ladrões subiu na Kawasaki e o outro permaneceu na Honda CG160 e, segundo a vítima, mandaram ela ir embora de costas sem olhar para trás e “partiram sentido rodovia Anhanguera”. Nesse trecho que encontrou os PMs, que a levaram até onde estava o corpo Jorge e o reconheceu como um dos assaltantes “por meio da roupa que estava e moto”.

Já o proprietário do Honda CG160 foi até a delegacia e reconheceu Jorge por foto, embora não conste no boletim de ocorrência que tipo de foto foi usada nem as características dos assaltantes, já que a vítima relatou que foi roubada por “dois indivíduos a pé” que faziam menção de estarem armados quando transitava na Rodovia Anhanguera, altura do quilômetro 16. Em seguida, acionou a Polícia Militar e a operadora de rastreamento do veículo. Já a moto Kawasaki e outro suspeito não foram localizados.

A equipe do DHPP apontou no boletim de ocorrência que não conseguiu localizar câmeras de segurança no local nem testemunhas presenciais.

De acordo com Agatha, uma madrinha do filho que foi ao local reconhecer se era mesmo Jorge devido à circulação de mensagens em grupos de Facebook do bairro de que um homem havia sido morto na região e que o local estava cercado de viaturas. No boletim de ocorrência, é apontado que familiares reconheceram Jorge e disseram que, além de que trabalhava e morava com a avó, “por volta das 19h15 um indivíduo desconhecido o chamou e ele saiu, sendo que por volta da meia-noite informaram que ele tinha sido preso e morrido em combate com a Polícia”.

O delegado Guilherme de Souza Rabello, do 33º DP, registrou que soube que os policiais envolvidos faziam uso de câmeras nas fardas, mas não teve acesso às imagens porque o comando do batalhão da área recolheu os equipamentos. Rabello também aponta que os PMs não prestaram depoimento formalmente devido à Lei do Pacote Anticrime que prevê que policiais envolvidos em ocorrências com resultado morte só serão ouvidos após constituírem um advogado ou defensor público.

A família ainda não teve acesso ao laudo do corpo de Jorge nem à investigação do caso, mas a mãe contesta a versão dos policiais. “Eu não sei o que aconteceu quando meu filho saiu de casa, o que eu sei é que ele foi alvejado pela PM e ele não era ladrão, era trabalhador, não tinha passagem pela polícia, estudou até o Ensino Médio e só parou de estudar por conta da pandemia e tinha planos de voltar a estudar no ano que vem”, lamenta. “Ele era um menino muito carinhoso, muito educado, os amigos dele continuam em luto pela consideração que tinham com ele”.

“A minha filha ficou muito abalada, na verdade, desestruturou a familia toda porque a gente não esperava uma crueldade dessa”, diz. “Depois do que aconteceu com o meu filho, eu vejo que isso acontece todos os dias. Eu fico inconformada de saber que a PM tem obrigação de nos proteger e eles fazem esse tipo de ação porque se meu filho estivesse fazendo algo errado, prendesse, porque a polícia é treinada para isso, mas quem dá sentença é juiz”.

Ajude a Ponte!

À Ponte, Agatha disse que está sendo acompanhada pela Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que tem um grupo de suporte para familiares vítimas da violência policial, chamado Acolher, e que irá na Ouvidoria das Polícias nesta semana para denunciar o caso.

O que diz o governo

A reportagem questionou a Polícia Militar e a Secretaria da Segurança Pública sobre o andamento das investigações, se o laudo necroscópico já estava pronto e sobre as imagens das câmeras nas fardas dos policiais, além de solicitar entrevista com o delegado responsável. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, não respondeu as perguntas e encaminhou a seguinte nota:

O caso citado é investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Diligências estão em andamento para a completa elucidação dos fatos e detalhes serão preservados para garantir a autonomia do trabalho policial.

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