Ruan Rocha, que recentemente completou 18 anos, já está na fase final do tratamento contra a dependência química e também para remover tatuagem
Nove meses após ter a testa tatuada com a frase “Eu sou ladrão e vacilão”, o jovem Ruan Rocha, 18 anos, deixou a inquietação de lado e já mostra um sorriso no rosto e planos para o futuro. Neste tempo, ele concordou em passar por um tratamento contra a dependência química e, agora, já pensa em terminar os ensinos Fundamental e Médio e, depois, se matricular em um curso técnico ou universitário na área da saúde. A violência aconteceu em 31 de maio de 2017, quando Ruan era tido por duas pessoas como suspeito de furtar uma bicicleta.
Segundo os especialistas que o tratam na clínica, mesmo atingindo a maioridade recentemente, o jovem possui uma idade mental entre 12 e 13 anos. Um dos motivos é a baixa condição de recursos durante sua infância, o que exigiu trabalho dobrado dos profissionais nos primeiros meses de internação em Mairiporã, cidade na região metropolitana de São Paulo, a 52 quilômetros da capital.
Passada a fase inicial, o tratamento de Ruan tem conseguido tamanha eficácia que, além de já dar seus primeiros passos na rua, como visitar um shopping e assistir a um filme no cinema, o jovem passou a integrar a equipe de profissionais da clínica Grand House, local em que passa pela reabilitação. O jovem tem recebido remuneração semanal pelo trabalho, ganho que pode ser gasto conforme sua vontade.
“Aquele Ruan lá atrás não era eu, era totalmente uma pessoa desorientada, sem norte, sem futuro. Hoje eu vejo que o Ruan de verdade é esse, que quer uma vida nova, quer ajudar as pessoas, ajudar a família, e quer ser grato todos os dias”, disse à reportagem da Ponte.
Ruan já passou pela sétima sessão de remoção da tatuagem, a qual já não é mais possível sua visualização de longe. Outras duas sessões já estão agendadas e a previsão é de a que os dizerem desapareçam da testa do jovem até o meio deste ano. “Eu vejo lá atrás, eu fiz uma coisa que eu não deveria fazer e eu estou sentido a dor até hoje. É uma dor que lá na frente vai me dar uma lição de vida. Porque eu faço todo mês a sessão, é muito doloroso, dói bastante, mas vale a pena, eu não posso ficar com isso na testa, eu tenho que tirar”, pondera.
“Eu geralmente andava de cabeça baixa, porque eu era um nada para a sociedade, eu era um noia, um usuário. Hoje, sou compulsivo por ler um livro, por vender as coisas na cantina, no meu trabalho. Na vida sempre precisa ter uma segunda chance”
O jovem fez questão de contar, entusiasmado, sobre sua recente promoção dentro da hierarquia da clínica: passou de agente de apoio para monitor de pacientes, além de auxiliar na parte administrativa. Agora, sua intenção é realizar cursos para que possa atuar como terapeuta. A recuperação de Ruan em um menor tempo do que o esperado é motivo de comemoração do dirigente da clínica, Sergio Castillo, e da psicóloga Marcela Abrahão da Silveira.
“Ele começou a ter contato com o mundo agora e essa coisa tem que ser paulatina, de forma progressiva, para que não se perca. O tratamento de dependência química nunca se encerra. O Ruan parou de falar gíria, já não anda gingando, a postura dele mudou, ele está com uma consciência crítica, ele não tinha nenhuma crítica. [Hoje] Ele tem um fluxo de pensamento contínuo, tem planos de futuro. Isso é um espetáculo. Para nós, é um caso extremamente de sucesso”, diz Castillo.
Acompanhando os passos de Ruan desde sua chegada na unidade, Marcela também analisa que, além de uma nova personalidade que passou a aflorar, o jovem tem mudado fisicamente. “O Ruan chegou desprovido de qualquer recurso, perda grave de peso, 39 quilos [atualmente está com 65 quilos], muito fragilizado… Não só pela questão da tatuagem. Hoje ele vem se devolvendo ao longo do tratamento, uma constante evolução”, conta.
A especialista aponta que a infância com sérias dificuldades financeiras também auxiliou em sua baixa condição cognitiva. “O Ruan teve uma infância muito sofrida, desprovida de recursos primários, até parte de saúde, de educação, uma situação precária de vida. Para uma criança se desenvolver ela precisa dos recursos primários de afeto, de cuidado, de higiene, de alimentação adequada e tudo isso faltou. Então, a gente não pode dizer que ele se desenvolveu como uma criança comum, uma criança normal, o que de certa forma afetou sua parte cognitiva. Se a idade dele hoje é de 18 anos, é como se o mental fosse de uma criança de 12 ou 13 anos, então, consequentemente, ele desenvolveu um hipotético diagnostico de desvio de conduta”, completa Marcela.
“Eu não tinha auto-estima, andava emburrado, feio, magro, a sociedade não gostava, minha família tinha dó de mim, mas dó com amor, é triste a pessoa ser escrava [da droga]. Eu passei por isso e sei o que é isso”
Além de se dar bem com o corpo diretivo, Ruan também interage nas atividades com os outros pacientes, a maioria com condições diferentes das suas, já que a clínica é voltada para a parte mais abonada da sociedade. Se sua estadia tivesse sido cobrada, o valor já estaria próximo de R$ 100 mil.
Questionado sobre como recebeu a notícia da condenação de seus torturadores, Maycon Wesley Carvalho dos Reis e Ronildo Moreira de Araújo, a penas que somadas ultrapassam sete anos, Ruan se mostrou indiferente. “Na realidade, eu não me preocupo com essas pessoas, porque essas pessoas são mais doentes do que eu. Para mim é mais do que justo, mas do que certo, mas claro que também estava errado de ter feito aquelas coisas, mas o ser humano não pode fazer justiça com as próprias mãos. Eu não tenho raiva, não tenho vingança, eu não tenho ódio, só tenho dó, porque estão doentes. A doença pega qualquer um, não escolhe sexo, cor, idade, pega qualquer um a doença”, finalizou.
[…] ter a testa tatuada à força com os dizeres “sou ladrão e vacilão”, Ruan Rocha da Silva, 21, ainda não conseguiu encontrar os caminhos para uma vida que não envolva problemas […]