Leandro Cintra da Silva foi condenado por homicídio qualificado e corrupção de menores; Jefferson Pureza foi morto em janeiro de 2018, em Edealina, interior goiano
Depois de oito horas e meia de julgamento, Leandro Cintra da Silva, 25 anos, foi condenado a 14 anos de reclusão pelo envolvimento no assassinato do radialista Jefferson Pureza, 39, em 17 de janeiro de 2018. O júri popular ocorreu na cidade de Edealina, interior de Goiás, no dia 27 de setembro.
O julgamento do vereador José Eduardo Alves da Silva, acusado de ser o mandante do crime, e de Marcelo Rodrigues dos Santos, que teria apresentado os menores ao vereador, ainda não foi marcado, mas deverá ocorrer até dezembro. Dos seis acusados, três menores cumprem medidas socioeducativas: um seria o atirador, outro teria pilotado a moto e o terceiro indicado os dois para o serviço. Segundo as investigações, o crime foi negociado por R$5 mil e um revólver.
O radialista foi morto na noite de 17 de janeiro de 2018, com três tiros no rosto, ao ser surpreendido enquanto descansava na varanda de sua casa. O imóvel fica numa rua da periferia da cidade de Edealina, onde ele morava com a companheira, na época com 17 anos, que estava grávida de quatro meses.
O placar do júri popular foi de 4 a 3 e condenou Leandro por homicídio qualificado (12 anos e quatro meses) e corrupção de menores (um ano e oito meses). Ele é o dono do lava-jato onde foi feita a negociação do crime e também seu celular foi usado por um dos menores para combinar o assassinato com os outros adolescentes. O juiz Aluízio Martins Pereira de Souza iniciou o julgamento às 8h30 de sexta-feira. Pela acusação atuaram os promotores Thiago Galindo Placheski e João Marcos Ramos Andere, além do advogado Joel Pires, que atuou como assistente de acusação.
O assassinato do radialista foi o primeiro caso tratado pela equipe do Programa Tim Lopes, desenvolvido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), com apoio da Open Society Foundations, para combater a violência contra jornalistas e a impunidade dos responsáveis.
Em caso de crimes ligados ao exercício da profissão, uma rede de veículos da mídia tradicional e independente é acionada para acompanhar as investigações e publicar reportagens sobre as denúncias em que o jornalista trabalhava até ser morto. Integram a rede hoje: Agência Pública, Correio (BA), O Globo, Poder 360, Ponte Jornalismo, Projeto Colabora, TV Aratu, TV Globo e Veja.
O segundo caso é do radialista Jairo de Sousa, 43 anos, morto na madrugada de 21 de junho de 2018, com dois tiros no tórax quando chegava para trabalhar na rádio Pérola FM, em Bragança, no Pará. O suspeito de ser o mandante da morte de Jairo é o vereador Cesar Monteiro. Ele teria contratado um grupo de dez pessoas para realizar o crime. Segundo os autos do inquérito, o assassinato teria custado R$30 mil.
Em março deste ano, o vereador Cesar Monteiro teve a prisão preventiva revogada após o Tribunal de Justiça do Pará conceder um Habeas Corpus. A liberação do vereador aconteceu a 26 dias de esgotar o prazo de licenciamento da Câmara dos Vereadores de Bragança. Na época havia um grupo articulando o pedido de cassação de mandato do vereador. A defesa do vereador entrou com um recurso para que ele espere, em liberdade, até o julgamento do caso. Ainda não há data marcada para o júri popular.
Ameaças e morte em Edealina
Jefferson Pureza iniciou seu trabalho em Edealina em 2016 e fazia referência e acusações constantes sobre despachos e contratos realizados, no ano anterior, pela administração municipal. O radialista pertencia a um grupo político de oposição ao grupo do ex-prefeito João Batista Gomes Rodrigues, o Batista Boiadeiro (PTB), e do vereador José Eduardo, que foi secretário de Ações Urbanas na gestão de Batista Boiadeiro.
Um ano antes do seu assassinato, no seu programa “A voz do povo” do dia 26 de janeiro de 2017, Jefferson usou o microfone da rádio para revelar a existência de um plano para sua morte. Disse ainda que se algo lhe acontecesse, os responsáveis seriam o vereador e o ex-prefeito. O programa tinha uma hora de duração, a partir das 11h, e era veiculado pela rádio comunitária Beira Rio FM.
Outros incidentes ocorreram ao longo do ano de 2017. Em agosto, um transmissor da rádio foi furtado e houve um pequeno incêndio. No mês seguinte, a casa que o radialista mantinha em Pontalina, cidade vizinha onde moravam a ex-mulher e os filhos, foi atingida por tiros.
Em novembro, em Edealina, aconteceu um novo incêndio que destruiu as instalações da rádio comunitária e o receptor foi furtado. Para driblar a falta de espaço físico para suas transmissões, o radialista chegou a usar o perfil no Facebook para veicular alguns dias o seu programa.
Poucos dias depois do assassinato de Jefferson Pureza, mesmo sem ter sido convocado oficialmente, o vereador José Eduardo foi na delegacia de Edealina para prestar esclarecimentos. No depoimento de quatro páginas e meia, colhido às 16h50 de 30 de janeiro de 2018, ele narra a sua vida na cidade, seu conturbado casamento que terminou após 17 anos e os ataques que recebia do radialista. José Eduardo diz que Jefferson só se referia a ele como “vereador da transferência de votos”, pois o acusava de ter transferido eleitores de outras cidades para garantir sua eleição e ainda o acusava de estar se apropriando da terra da roça comunitária.
Sobre a acusação de ter planejado um atentado contra o radialista, ele disse que em 2017 ele teria combinado com um rapaz chamado Junio de dar uma surra em Jefferson “para ele sumir da cidade” e atear fogo no seu carro. O dinheiro prometido, R$ 3 mil, seria pago pelo pastor Thiago (Marinho, atual secretário de Administração). Segundo o depoimento, pelo fato de sua mulher ter descoberto, o plano não foi adiante. O pastor Thiago negou em depoimento que estivesse envolvido no caso.
O vereador também revelou que em 2013, se separou da mulher, Marley Alves de Jesus Faleiro, porque descobriu um caso dela com um rapaz e, na ocasião, durante uma discussão ele a agarrou pelo pescoço e a ameaçou de morte. A mulher se mudou para Uberlândia, em Minas Gerais. Ele disse ainda que era ciumento e que chegou a contratar um rapaz chamado Daniel para matá-la por R$ 5 mil. No entanto, o seu pai descobriu o plano e o fez desistir, mas ele perdeu o dinheiro da negociação. A separação durou quatro meses e eles reataram o casamento. Em novembro de 2017, os dois se separaram porque a mulher não perdoou a sua traição “com uma tal de Kelly”.
Separados, o vereador passou a desconfiar que a ex-mulher estaria de caso com o radialista e disse que voltou ao plano de mandar dar uma surra em Jefferson Pureza. Ele contou que, em dezembro de 2017, Marcelo Rodrigues dos Santos, o apresentou a dois rapazes em Aragoiânia, cidade vizinha. O encontro aconteceu num lava-jato e o valor combinado para o serviço seria R$ 4 mil. No entanto, segundo ele, pelo fato de Marcelo ter sido preso (por envolvimento em tráfico), o plano não se consumou.
Essa versão ganhou novos detalhes com depoimentos dos envolvidos e em 6 de abril de 2018, o Ministério Público ofereceu denúncia contra o vereador, Marcelo e Leandro Cintra da Silva, dono do lava-jato onde teria acontecido a negociação. A denúncia mostrou que “motivado pelas críticas recebidas e com ciúmes da esposa”, o vereador planejou executar Jefferson Pureza em janeiro de 2017 por R$ 3 mil, mas o plano não foi adiante. Um novo plano aconteceu em dezembro, quando José Eduardo junto com Marcelo encontrou Leandro e o adolescente Gabriel Gonçalves Feliciano a quem fez a proposta de matar o radialista.
Gabriel não aceitou e indicou Thiago Batista Nunes, que rejeitou os R$ 4 mil oferecidos e alegou que só aceitaria o serviço por R$ 5 mil e um revólver. Marcelo teria indicado depois Rodrigo Moura para pilotar a moto. Depois do crime, Thiago procurou Gabriel e o ameaçou, caso ele revelasse os bastidores da negociação. O vereador teria também procurado Gabriel e lhe deu R$ 200,00 por ter indicado os adolescentes para a execução do crime.
Depois, o vereador negou que tenha mandado matar o radialista e contou que foi a Aragoiânia apenas para ajudar Marcelo a buscar uma carteira de trabalho e conversou com ele sobre o problema pelo qual estava passando, a separação da mulher e as desconfianças do envolvimento dela com o radialista. Nesta versão, Marcelo o teria levado ao lava-jato e apresentado as pessoas para executar a morte do radialista. Depois de algumas conversas, ele desistiu do assunto e disse que estava empenhado em “tocar a vida”.
Já Marcelo admite que estava em regime semiaberto e que foi preso porque não compareceu em juízo por estar trabalhando num serviço temporário. Ele confirmou ter ido com o vereador para Aragoiânia em busca de sua carteira de trabalho que estava em um serviço anterior. Nesta versão, o vereador é quem teria falado em dar uma surra em Jefferson. Marcelo nega ter apresentado os menores.
Acusado de ter atirado no radialista, o adolescente Thiago negou o crime, mas confirmou ter sido procurado por Gabriel para fazer um serviço. Ele disse que conheceu o vereador, que estava muito nervoso e lhe ofereceu R$ 5 mil e uma arma, mas que ele não aceitou a oferta. Já Rodrigo, que teria pilotado a moto usado na noite do crime disse que não sabia da negociação.
Por sua vez, Gabriel diz ter recebido a proposta do vereador para matar o radialista, mas não aceitou e indicou Thiago e Rodrigo. Ele contou ainda que, após o crime, foi ameaçado por Thiago para que ele assumisse todo o crime, caso contrário mataria sua família.
As denúncias
Em seus programas de rádio, Jefferson Pureza fazia referência a dois processos de 2015 que envolvem o ex-prefeito João Batista Boiadeiro e que estão no Fórum de Edeia. Um deles diz respeito a obras e suspeita de fraude licitatória. No processo, o Centro de Inteligência do Ministério Público de Goiás apresenta um relatório feito em 16 de dezembro de 2016 onde mostra as ligações entre as empresas e o ex-prefeito.
No relatório, o MP cruza os dados das empresas. O representante de uma delas, Leopoldina Construtora, é José Cassiano da Costa, que também aparece em outro contrato entre a prefeitura e uma empresa chamada Leiliane Alves de Lima, que ganhou contrato de transporte escolar. Neste segundo contrato ele é identificado como motorista que fará o transporte. Cassiano é citado no relatório onde o MP pede novas diligências, além de solicitar que todos os envolvidos sejam ouvidos mais uma vez para explicar essa relação entre os contratos de empresas e o ex-prefeito.
O relatório mostra que, a partir do cruzamento de dados, a empresa Leopoldina mudou a razão social, continuando a ganhar as obras da prefeitura e eventos, já que acrescentou outras atividades na empresa. O processo está parado no Fórum. Cassiano hoje é secretário municipal responsável pelo Departamento de Transportes, Obras e Desenvolvimento Urbano, na da gestão do atual prefeito Winicius Miranda (PSB), do mesmo grupo político do ex-prefeito.
Neste processo, a obra em questão é um estacionamento. A denúncia foi feita por Sírio dos Santos Souza que afirmou ter sido contratado para a obra, recebido do próprio prefeito R$ 25 mil e executado 85% do serviço quando foi dispensado. A prefeitura então contratou outra empresa, Leopoldina Construtora EIRELE-ME para realizar o mesmo serviço, que já estava praticamente concluído e receber R$ 13 mil. A mesma empresa teve outros contratos com a prefeitura em 2015, totalizando R$ 384,8 mil. A empresa Leopoldina mudou sua razão social (Sheknar Construtora) e ampliou suas funções com outro braço da empresa (Sheknar Eventos, que também usa a denominação VHS Eventos Eireli).
No segundo processo, em 19 de dezembro de 2017, a promotora Maria Cecília de Jesus Ferreira ofereceu denúncia contra o ex-prefeito João Batista, e Divino Célio Neves, que também é ex-prefeito da cidade. O caso ocorreu em 2015 e resultou na época na prisão em flagrante do então prefeito João Batista, que estaria usando maquinário da prefeitura para extração ilegal de areia em um rio que passa pela fazenda de Divino Neves. A carga seria levada para a fazendo de João Batista. A denúncia foi feita e os policiais da capital foram ao local e prenderam o então prefeito.
A perícia mostrou que houve o crime ambiental e iniciou então uma batalha de recurso na qual o então prefeito teve uma parcial vitória, já que possuía foro privilegiado. O caso ficou parado até o ano passado, quando foi feito novo recurso e, constatado que João Batista já não teria o benefício do foro privilegiado, podendo ser julgado. O MP então ofereceu denúncia. Até agora não houve progresso no caso.
*Angelina Nunes é mestre em Comunicação pela Uerj (RJ). Ela recebeu prêmios internacionais de jornalismo, como Rey de España, IPYS e SIP, e nacionais, como Esso, Embratel, Vladimir Herzog e CNH. É membro do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) e coordenadora do Programa Tim Lopes.
O Programa Tim Lopes é uma reação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) à violência contra jornalistas. Em caso de crimes ligados ao exercício da profissão, uma rede de veículos da mídia tradicional e independente é acionada para acompanhar as investigações e publicar reportagens sobre as denúncias em que o jornalista trabalhava até ser morto. Integram a rede hoje: Agência Pública, Correio (BA), Globo, Poder 360, Ponte Jornalismo, Projeto Colabora, TV Aratu, O Globo e Veja.
[…] FacebookTwitter […]