Conhecido como “Negão da Madeira”, Jefferson Souza foi submetido a novo julgamento após gravação de testemunha ter falhado em 2019. Ele era acusado pelo assassinato de Gabriel Paiva, 16, na zona sul da capital paulista em 2017
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) condenou, nesta terça-feira (23/8), o soldado Jefferson Alves de Souza, conhecido como “Negão da Madeira”, a 18 anos e oito meses de prisão em regime fechado. Ele é um dos policiais militares acusados por matar a pauladas Gabriel Alberto Tadeu Paiva, de 16 anos, em 16 de abril de 2017.
Os jurados reconheceram o homicídio e o agravante de recurso que dificultou a defesa da vítima, mas afastaram o motivo torpe (desprezível), que poderia aumentar ainda mais a pena.
O PM, que estava preso desde 2017, foi submetido a novo julgamento após a defesa ter recorrido da sentença que o condenou, em 2019, a 24 anos e seis meses de prisão em regime fechado por homicídio qualificado. Os advogados Alex Sandro Ochsendorf, Renan de Lima Claro e Mario de Oliveira Filho haviam argumentado que o júri daquele ano ficou comprometido porque a gravação do depoimento de uma das testemunhas protegidas falhou e, perdendo o registro enquanto prova, houve o cerceamento do direito de defesa, o que acabou sendo acatado pela 9ª Câmara de Direito Criminal do TJSP.
Com isso, o julgamento de Jefferson e do seu parceiro, o soldado Thiago Quintino Meche, que tinha sido absolvido na ocasião, foi anulado em 2020. O novo júri de Thiago, inclusive, foi desmembrado e está previsto para 23 de março de 2023.
O júri da dupla era para ter acontecido em junho deste ano, mas foi adiado para agosto após requisição da defesa por conta de duas das sete testemunhas não terem comparecido e pela promotoria ter anexado um vídeo de 2017, em que um policial aparece espancando uma pessoa na rua. Ochsendorf afirmou à Ponte que não teve tempo hábil para que ele e sua equipe fizessem uma análise e perícia no material. A reportagem não conseguiu contato com os advogados sobre a nova condenação até a publicação.
O crime
Jefferson Souza e Thiago Quintino foram acusados pelo Ministério Público Estadual por homicídio qualificado por motivo torpe (desprezível) e por recurso que dificultou a defesa da vítima, além do agravante de o crime ter sido cometido por agente público com abuso de poder.
Segundo testemunhas, Gabriel foi agredido por quatro policiais militares do 22º Batalhão da Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), um deles armado com um pedaço de pau, na noite de 16 de abril de 2017, um domingo, durante uma ação da PM que dispersou um grupo de jovens reunidos diante de um bar e a agressão aconteceu em um beco ao lado da Rua Antonio Benedito Palhares no Jardim Domitila, região de Cidade Ademar, zona sul da cidade de São Paulo.
O adolescente era o caçula de sete filhos da comerciante Zilda Regina de Paiva, 51. O menino passou quatro dias em coma induzido, com um coágulo no cérebro, num vai-e-vem de hospitais: primeiro, Hospital Regional de Pedreira, depois, Regional Sul, de onde foi transferido de novo para o Pedreira, para ser outra vez levado ao Regional Sul. Ali, não resistiu mais e sofreu uma parada cardiorrespiratória e a causa da morte foi por traumatismo craniano.
Um dos irmãos da vítima, Roger Luiz Paiva dos Santos, contou à reportagem e também no julgamento que ele e Gabriel estavam na mercearia da mãe quando decidiram ir a uma tabacaria no bairro. Gabriel e uns amigos foram na frente em uma van, enquanto ele esperava sua prima para ir em seguida. Ao ir em busca do irmão, não o encontrou e ouviu de um conhecido do bairro que “moiou” e, mais para frente, outro o alertou: “Os PMs estão sentando o pau”.
À distância, disse que viu quatro policiais agredindo um jovem caído. Também relatou que viu quando os PMs começaram a caminhar em direção à viatura, abandonando a vítima no chão, mas foram impedidos por uma moradora, que gritou para eles: “o menino tá vivo, vocês não vão socorrer?”. Só então colocaram o garoto ensanguentado numa viatura e o levaram para o Hospital Geral de Pedreira, também na zona sul. Até então, ele não sabia quem era o menino agredido. Somente depois que os policiais partiram, é que as testemunhas lhe disseram: “era o seu irmão”.
Na época, tanto familiares quanto moradores denunciaram à Ponte que Jefferson já teria espancado outros garotos do bairro com o mesmo pedaço de pau, parecido com “um cabo de enxada” ou “um taco de beisebol”. “Esse PM se auto-intitula ‘Negão da Madeira’”, contou Zilda. Nas redes sociais, moradores do bairro espalharam relatos de outras agressões cometidas pelo mesmo policial e postaram a foto de um outro adolescente, com o rosto inchado, coberto de ataduras, também numa cama de hospital, naquele ano.
Jefferson e Thiago foram presos em julho de 2017, três meses após o crime, após denúncias de ameaças a testemunhas. Moradores do bairro apontaram que Jefferson estaria andando no Jardim Domitila à paisana. Segundo a comunidade, outros policiais teriam procurado testemunhas do crime para convencê-las a mudar a versão da morte de Gabriel, os pedidos era para que “pensassem na família do policial”. Há relatos de que PMs à paisana espionaram o enterro do garoto.
No julgamento desta terça-feira (23/8), Jefferson deu a mesma versão do primeiro júri, negando o crime e a fama de agredir pessoas com pauladas. Disse que atendeu uma ocorrência de “baile funk” e seu superior ordenou que ele fizesse o rescaldo pelo bairro para evitar novas aglomerações. Ele fazia apoio a outra viatura e, ao chegar em uma das ruas do bairro, uma senhora teria gritado por socorro. Foi quando ele saiu de seu carro e o PM Ferla, comandante do outro carro, saiu junto. Depois encontraram Gabriel caído no chão. Voltou a ressaltar que tem uma filha com paralisia cerebral que precisa de cuidados.
A defesa sustentou novamente que testemunhas e familiares teriam formado um “complô” contra policiais, de que foi criada uma lenda de “Negão da Madeira”, além de que a vítima não teria sido espancada e sim caído no meio fio porque, se tivesse sido agredida, apresentaria mais lesões.
Um vídeo de 2017 em que um policial militar aparece agredindo com golpes de cassetete seis pessoas diferentes desarmadas, incluindo três mulheres e um homem com uma criança de colo, foi exibido. Na ocasião, moradores disseram à reportagem que é Jefferson quem aparecia nas filmagens, o que ele negou.