Rogério Ferreira da Silva Júnior, 19 anos, foi morto em 2020, na zona sul da capital paulista, após abordagem feita por dois PMs da Rocam. Nova data coincide com véspera da morte
O julgamento do policial militar Guilherme Tadeu Figueiredo Giacomelli, da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam) de São Paulo, que ocorreria nesta terça-feira (5/3), foi adiado para o dia 8 de agosto de 2024. Ele é acusado pela morte de Rogério Ferreira da Silva Júnior, 19 anos, morto no dia do aniversário, em 2020.
Uma testemunha de acusação não compareceu e o Ministério Público do Estado São Paulo (MP-SP) insistiu na oitiva, o que motivou o adiamento. A advogada da acusação Marina Toth, membro da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, avaliou a decisão como importante.
“Para mim, que sou advogada da acusação, está muito claro a culpabilização dos policiais, mas como é um júri, toda testemunha pode fazer diferença para os jurados”, disse à Ponte.
O caso é acompanhado desde o início pela Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, articulação de movimentos e pessoas que lutam contra a violência de Estado nas periferias.
Mesmo com o adiamento, a mãe de Rogério, a cabeleireira Roseane da Silva Ribeiro, 46 anos, não estremeceu. A nova data do júri é a véspera do aniversário da morte do filho. “Isso mexe muito. Vai ser um dia antes do aniversário dele, um dia antes de tudo que aconteceu. Mas, com certeza, a vitória vai ser um presente de aniversário”, falou.
Rose estava acompanhada por uma mini comitiva formada por amigos e os filhos no Fórum Criminal da Barra da Funda. Rogério era o segundo mais velho de seus quatro filhos. A notícia do adiamento provocou lágrimas nos olhos da família, principalmente dos irmãos. Contudo, logo o clima mudou e houve consenso de que a testemunha ausente seria importante para a responsabilização do PM Guilherme.
Vestindo preto e carregando faixas e blusas com o rosto do jovem, os irmãos mais novos cercaram a mãe com abraços de consolação. Logo que deixaram o Fórum, se juntaram aos amigos e apoiadores para uma foto que registrou aquela data. “Rogério, presente. Rogério, presente. Justiça, já!”, gritaram.
Aguida Maria Bessa, 62 anos, era uma das presentes. Ela é colega da mãe de Rogério no salão de beleza onde ambas trabalham. O rosto de Aguida muda ao lembrar do jovem descrito por ela como educado e hipnotizante. É um sorriso triste que acompanha a lembrança que ela conta sobre o jovem.
Rogério costuma ver a mãe no trabalho. Sempre da porta para fora, lembra Aguida. Ele pedia trocados, prometia que ia pagar depois e sempre conseguia convencer a mãe, mesmo que de primeira ela negasse dar qualquer valor. “Ele te hipnotizou, Rose?”, Aguida falava.
Na véspera do aniversário, Rogério entrou no salão. Pede para a mãe dar um trato nas unhas dele. Rose negou. Disse que tinha muitos clientes agendados, não ia dar. Aguida então interferiu, disse que o jovem ia fazer aniversário, era como dar um presente. “Ele te hipnotizou também?”, perguntou Rose.
Relembre o caso
Rogério Ferreira da Silva Júnior foi morto com um tiro nas costas disparado pelo policial Guilherme Tadeu. O caso ocorreu no Parque Bristol, na zona sul da cidade de São Paulo.
Um vídeo registrou parte da abordagem. Além de Guilherme, também estava presente o PM Renan Conceição Fernandes Branco. Nas imagens, divulgadas à época pela Ponte, é possível ver o jovem caindo no chão após ser atingido.
Na versão dos policiais, a abordagem ocorreu porque Rogério dirigia a motocicleta sem capacete e o veículo também estava sem placa. Em depoimento à Polícia Civil, o PM Guilherme relatou que o jovem colocou a mão na cintura “em menção de que estaria armado”, por isso atirou.
O jovem não foi socorrido por ambulância do Corpo de Bombeiros ou do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas por populares. Ele foi encaminhado a uma unidade de Pronto-Atendimento e lá foi constatada a morte.
A atuação dos policiais chegou a ser elogiada pelo então secretário da Segurança Pública de São Paulo, João Camilo Pires de Campos. Em entrevista coletiva concedida um dia após o crime, ele afirmou que havia indícios de que a moto usada por Rogério era roubada.
“Também é trágico [o episódio]. Temos que considerar a tensão policial numa perseguição de uma motocicleta que tudo indicava que estaria como fruto de um roubo. O episódio teve o desfecho que teve”, declarou o secretário.
A Ponte mostrou que a informação era falsa. O veículo pertencia a um amigo do jovem e estava com os documentos e tributos em dia.
O caso ganhou novos contornos quando se verificou que o PM Renan, em primeiro contato com o Centro de Operações Policiais Militares (Copom), disse que a situação se tratava de um acidente de trânsito. A informação foi retificada depois, em contato posterior em que foi relatada perseguição.
Ainda em 2020, o juiz militar Ronaldo João Roth determinou a prisão preventiva da dupla, mas os liberou dois meses depois. O mesmo magistrado acabou absolvendo em 2022 a dupla de PMs pelos crimes de falsidade ideológica e prevaricação sob a alegação de que restaram dúvidas razoáveis quanto ao crime de falsidade ideológica.
No caso da prevaricação, o fato de os policiais não terem seguido os procedimentos operacionais não constituem “violação à expressa disposição legal”, escreveu na decisão, chancelada pelos demais juízes militares.
O PM Guilherme se tornou réu pelo homicídio em 2020. No pedido, o promotor Neudival Mascarenhas Filho apontou que o agente contraiu regras básicas sobre perseguição e abordagem. Ele escreveu também que os dois PMs esconderam do Copom a informação sobre o disparo.
“Procuraram, assim, inovar artificiosamente o estado de lugar, de coisa ou pessoa, com o intuito de induzir a erro o juiz ou o perito, para produzir efeito em processo penal”, escreveu o promotor. Guilherme responde ao processo em liberdade.