Desembargadores acolheram pedido do MP e sargento Adriano Fernandes de Campos, que foi absolvido, irá a novo júri pela morte de Guilherme Guedes, ocorrida em 2020; um ex-PM também acusado pelo crime ainda não foi julgado
Joice Silva Santos, 34, ficou surpresa ao ser contatada pela Ponte na tarde desta quinta-feira (15/12). Poucas horas antes, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) acolheu um pedido do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e decidiu anular o júri em que o sargento Adriano Fernandes de Campos, um dos acusados de matar seu filho, Guilherme Guedes, 15, foi absolvido. “Tô até passando mal, melhor notícia que eu poderia receber nesse final de ano”, declarou, emocionada. “Eu orei tanto para Deus para que isso acontecesse.”
Guilherme foi sequestrado na porta de sua casa, na Vila Clara, zona sul da cidade de São Paulo, no dia 14 de junho de 2020, e encontrado morto horas depois em um terreno no bairro Eldorado, na divisa entre a capital e Diadema. A morte do menino revoltou moradores da região, que fizeram protestos. Adriano foi preso três dias depois e só foi solto em outubro do ano passado, quando absolvido pelo Tribunal do Júri. Os jurados entenderam que ele não não foi o autor dos disparos que matou o adolescente, nem que os tiros causaram a morte.
Inconformado com a sentença, o promotor Neudival Mascarenhas Filho entrou com um recurso de apelação pedindo que o julgamento fosse anulado porque, segundo ele, os jurados decidiram de forma contrária às provas dos autos. Na ocasião, o julgamento de Adriano foi desmembrado, já que o ex-PM Gilberto Eric Rodrigues, também acusado de matar o menino e que está atualmente preso, estava foragido na época.
“Foram os únicos vistos no local no momento em que a vítima foi abordada e subjugada. Foram apontados pelos garotos que avisaram os familiares. Foram os únicos flagrados pela câmera de segurança da casa vizinha e o veículo que eles usavam foi flagrado pelo sistema Detecta no caminho para o local da execução”, sustentou o membro do MPSP.
Os desembargadores da 8ª Câmara de Direito Criminal do TJSP acataram a argumentação do promotor e determinaram que o sargento seja submetido a um novo júri popular, ainda sem data definida já que cabe recurso à essa decisão. A íntegra do acórdão (decisão do colegiado de desembargadores) ainda não foi disponibilizada com os fundamentos que os fizeram seguir o entendimento do Ministério Público.
Imagens de câmera de segurança do dia do crime gravaram atuação dos suspeitos. A investigação da Polícia Civil apontou que um dos homens, que aparece nas imagens com as mãos para trás, é Adriano. O sargento chegou a confirmar que ele aparecia na filmagem, mas negou ter matado o menino. O ex-soldado Gilberto Eric Rodrigues também teria participado do crime. Ele foi preso no dia 13 de maio de 2021, após ser encontrado escondido em uma chácara na área rural de Peruíbe, no litoral sul de São Paulo.
Os dois foram acusados pelo Ministério Público por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, com emprego de meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima) pela morte de Guilherme com tiros na cabeça. Gilberto também será levado a júri popular, mas em um processo separado. O júri de Gilberto foi marcado para 18 de abril de 2023.
O ex-soldado estava foragido desde 2015 quando escapou do Presídio Militar Romão Gomes. Na época, a PM mentiu sobre a fuga, dizendo em documento enviado à Ponte que, dois meses depois do desaparecimento, Rodrigues ainda estava preso no local. Ele tem um extenso currículo de mortes desde 2013.
De acordo com o Ministério Público, Campos e Rodrigues atuavam juntos como seguranças na região onde aconteceu o crime. A dupla teria confundido o adolescente com uma pessoa que possivelmente havia roubado um canteiro de obras da Globalsan, empresa terceirizada da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), em que Campos era responsável pela vigilância.
O sargento é dono, juntamente com seu pai, o PM aposentado Sebastião Alberto de Campos, da Campos Forte Portarias Ltda., que era registrada como empresa para prestar serviços de zeladoria. No entanto, reportagem da Ponte publicada logo depois do crime revelou que, na verdade, prestava serviços terceirizados de segurança privada na região.
A atividade desenvolvida pela empresa do sargento era proibida. Conforme o artigo 13 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo, em seu item 27, proíbe que o militar da ativa tenha sociedades com fins lucrativos.
A empresa de Campos também não constava nos registros da Polícia Federal como empresa ativa para prestar o serviço de segurança, já que é exigida a autorização do órgão para funcionamento. A Campos Forte Portarias Ltda. deu baixa no CNPJ no dia 4 de março de 2021.
O que diz a defesa do PM
À Ponte, Mauro Ribas, um dos advogados de Adriano, disse que vai recorrer da decisão. Ele afirma que os desembargadores não analisaram as provas compiladas pela defesa. “Eles não analisaram, por exemplo, que no carro do Adriano não tinha nenhum vestígio de DNA da vítima, não tinha nenhuma impressão papilar, nenhuma digital da vítima”, declarou. “Eles não analisaram que é impossível o Adriano estar na Avenida Cupecê às 2h09 e às 2h12 estar cometendo crime na Avenida Alba, em Diadema”.
Ele sustenta que o sargento é inocente e que isso se comprovou no primeiro julgamento, já que os jurados entenderam que ele não foi o autor dos disparos e o absolveram.
Reportagem atualizada às 10h37, de 19/12/2022, para incluir a informação de que o júri do ex-PM Gilberto Eric Rodrigues foi marcado.