Justiça arquiva investigação de policiais que mataram jovem negro a caminho do trabalho

Maria Cláudia Bedotti acatou pedido do promotor Guilherme Carvalho da Silva, que entendeu que policiais civis agiram em legítima defesa; Gilberto Amâncio de Lima foi morto com quatro tiros em 2021 na zona sul de São Paulo

Gibinha morreu após ser atingido por quatro tiros enquanto ia trabalhar | Foto: Arquivo pessoal

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) arquivou o inquérito que investigou a morte de Gilberto Amâncio de Lima, 30 anos, por policiais civis, em maio de 2021. A decisão da juíza Maria Cláudia Bedotti acatou o pedido do promotor Guilherme Carvalho da Silva, que concluiu legítima defesa na ação dos agentes. Gibinha, como era conhecido, foi ferido com quatro tiros quando ia fazer um trabalho de tatuagem na Favela da Felicidade, que fica no Jardim São Luís, zona sul da cidade de São Paulo.

Os policiais civis César Augusto de Oliveira, Emiliano Aparecido Podadera Bechelani e José Ney Lopes alegaram em depoimento que atiraram porque Gibinha teria sacado uma arma e a apontado para eles. O objeto, no entanto, se tratava de simulacro (brinquedo). A família contestou a versão policial dizendo que o jovem não andava armado e nunca teve envolvimento com o crime.

No pedido de arquivamento, o promotor Guilherme Carvalho da Silva escreveu que existe “hipótese crível de legítima defesa” por parte dos policiais civis, com base nas provas periciais e no fato de Gibinha ter sido morto num local, segundo ele, de “altos índices de criminalidade”.

“Cabe ressaltar que o contexto fático, constituído por local de altos índices de criminalidade conjugado com a posse de simulacro de arma de fogo, representa hipótese crível de legítima defesa, ainda que putativa”, escreveu o promotor. 

Sem questionar qualquer ponto do pedido, a juíza Maria Cláudia Bedotti decidiu pelo arquivamento em sentença expedida na terça-feira (13/6). A ação foi criticada por Edijane Alves, articuladora da Rede de Proteção e Resistência, movimento social que auxiliou a família do jovem durante o inquérito. 

“A minha opinião é a mesma, e parece que estamos sempre dizendo o óbvio. Judiciário não se importa em provar a inocência de pessoas como Gilberto (homem preto e favelado), estão ocupados em nos acusar baseados na nossa cor e classe social porque esse judiciário é classista e racista! Gilberto morre sendo culpado de que? Nós não temos essa resposta e não teremos”, afirma. 

O foco das investigações foram análises feitas em fotos que colocam em dúvida a presença da arma de brinquedo próxima ao corpo de Gibinha. A Rede de Resistência e Proteção contra o Genocídio e a família de Gibinha duvidaram da versão policial e apresentaram fotos em que o objeto não aparecia, dando a entender que o simulacro foi “plantado” na cena. 

Contudo, a perícia técnica apontou que a ausência da arma em um das fotos teria acontecido porque ela foi tirada de ângulo diferente da outra imagem. Esse entendimento também é citado pelo promotor para embasar o pedido de arquivamento.

Gibinha queria abrir estúdio de tatuagem 

Tatuador da Favela da Felicidade, Gibinha tinha o sonho de montar um estúdio dentro da comunidade em que nasceu e cresceu. A habilidade de desenhar apareceu na infância e foi aprimorada ao longo da adolescência e vida adulta. 

Em entrevista à Ponte na época da morte, a família contou que Gibinha buscava inspiração em imagens que via na internet e tinha voltado a atuar na profissão com um maquininha que ganhou da ex-esposa. 

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“Ele começou desde pequeno, sempre desenhou muito bem, ele que fazia meus trabalhos de arte da escola”, contou a irmã de Gibinha, Pâmela Aparecida Amancio. No dia em que foi morto, ele estava a caminho de um vizinho que seria tatuado, segundo a família.  

Outro lado

A Ponte procurou a juíza Maria Cláudia Bedotti e o promotor Guilherme Carvalho da Silva para comentar sobre o caso. Por meio da assessoria, o TJSP informou que os magistrados “não podem se manifestar sobre processos em andamento, pois são impedidos pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman)”. Já o MP-SP não retornou até a publicação do texto.

A reportagem não localizou a defesa dos policiais envolvidos.

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