Resultado de audiência realizada nesta quarta-feira (26/7) garantiu devolução de imóvel para prefeitura de São Bernardo do Campo; movimentos de apoio convocam plenária para resistir ao despejo
Na manhã desta quarta-feira (26/7), a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu autorizar o despejo do Projeto Meninos e Meninas de Rua, que desde 1989 estava localizado em prédio cedido pela prefeitura de São Bernardo do Campo (ABC Paulista). Em 2019, a gestão do prefeito Orlando Morando (PSDB) ingressou com uma ação de despejo pedindo de volta o imóvel. Após decisão favorável à prefeitura, a Defensoria Pública do estado entrou com pedido de anulação do processo, alegando que a prefeitura não tem plano para a destinação do imóvel.
Os desembargadores Rebouças de Carvalho, José da Ponte Neto e Oswaldo Luiz rejeitaram o pedido e mantiveram a sentença que favorece a ação protocolada pela prefeitura. Além do despejo autorizado, a ação também solicitava que a Associação Projeto Meninos e Meninas de Rua fosse condenada a pagar as “despesas necessárias com eventual retirada de benfeitorias, bens e coisas, cujo valor deverá ser apurado na fase de liquidação’” assim como as despesas processuais e os honorários advocatícios.
A ação solicitou também a condenação da ONG ao pagamento de uma indenização”‘pela ocupação irregular do imóvel”. O valor também deveria ser apurado na fase de liquidação.
No entanto, a decisão da Justiça não contemplou os pedidos de indenização realizados pela prefeitura, mantendo apenas a ordem de despejo. A versão final da sentença deve sair nos próximos dias, no Diário da Justiça.
O Projeto Meninos e Meninas de Rua é conhecido na cidade por já ter ajudado mais de 2.500 famílias do ABC Paulista em suas três décadas de atuação. A ordem de despejo da prefeitura mobilizou diversas entidades ligadas ao movimento negro e aos direitos humanos.
Para a audiência, o Instituto de Referência Negra Peregum, a Coalizão Negra por Direitos, a Associação de Amigos e Familiares de Presos/as, e a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio entraram como amicus curiae na audiência que aconteceu nessa quarta. O recurso jurídico é uma forma de mediação que entidades podem tentar fazer sobre o caso, apresentando informações que possam contribuir para a avaliação do juiz.
“Aqui é um centro popular de direitos humanos”, defende Markinhus Souza, coordenador-geral do Meninos e Meninas de Rua, à Ponte. Ele destaca que o pedido de despejo não considera a importância do projeto para a população do município.
Defensor público que atua no processo, Daniel Palotti Secco avalia que o resultado desrespeita a Constituição e o Estatuto da Criança e o Adolescente que, em seus artigos, garantem o direito de crianças vulnerabilizadas de serem atendidas.
“Além do desrespeito de plano, pelo fato de ainda termos crianças e adolescentes em situação de rua e vulnerabilidade, ainda temos o agravante do poder público buscar extinguir um projeto que atua justamente no atendimento dessa população. No mês em que se completam 30 anos da Chacina da Candelária, o poder público continua violando os direitos mais básicos de crianças e adolescentes vulneráveis”, lamenta.
A decisão completa do processo pode ser lida a seguir:
Resposta do Projeto
Em relação aos próximos passos, Daniel prefere ouvir o que os movimentos sociais ligados à luta pelo projeto têm a dizer. Nesta quarta-feira, o Fórum Antirracista, coletivo formado por movimentos sociais do ABC paulista, convoca moradores da região e movimentos sociais para uma plenária às 18h30, na sede do projeto, que está localizada na Rua Jurubatuba, 1610, Centro.
Segundo participantes do Fórum Antirracista, coletivo formado por movimentos sociais do ABC Paulista, a prefeitura deve tentar o despejo do projeto entre as seis da manhã desta quinta-feira (27/7) e o período da manhã da próxima segunda (31/7).
“Estamos convocando a militância, os movimentos sociais, ligados aos direitos humanos, para pensarmos em encaminhamentos a partir da decisão de hoje. Contamos com o apoio e a solidariedade de cada militante, precisamos ampliar, continuar acumulando forças e a luta continua”, comentou Markinhos, em chamado nas redes sociais para a reunião.
O que dizem prefeitura e Justiça
Questionada sobre a decisão, a prefeitura de São Bernardo do Campo respondeu que deve ocupar o espaço para “melhor utilização com outros projetos de relevância social”:
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) rejeitou o recurso apresentado pela Defensoria Pública e acolheu na íntegra a alegação do município de que a entidade não vem cumprindo seu papel de desenvolver atividades ordinárias. Em razão disso, a administração municipal requisitou o espaço para melhor utilização com outros projetos de relevância social.
Pesou na decisão da corte o fato de a entidade ser apontada como inidônea pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), encontrando-se impedida de receber qualquer espécie de repasse de entes públicos no Estado de São Paulo, incluindo a concessão de espaços públicos. O município mantém convênio com dezenas de entidades do terceiro setor, mas não pode continuar cedendo o espaço por conta desta irregularidade.
Ao invés de sanar a irregularidade, o projeto, ao longo de todo o processo, buscou se valer de mobilização externa, que em nada afeta o resultado jurídico e em nada muda a ilegalidade de sua situação. A administração municipal vai aguardar a publicação do acórdão para determinar os próximos passos a serem tomados.
O Tribunal de Justiça respondeu que os magistrados não podem comentar sobre um processo em andamento, de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura (Loman). O artigo 36 da lei traz que é vedado ao magistrado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”. Como a decisão ainda não foi publicada, o processo não se considera encerrado oficialmente.