Durante audiência, juiz atendeu ao pedido da defesa do entregador que estava preso desde fevereiro. “Meu filho é trabalhador e eu provei isso”, desabafa o pai
Foram 117 dias de angústia e em busca de provas, até que a família do entregador negro Felipe Cirilo da Silva, 22, pôde respirar aliviada. O jovem, morador de Heliópolis, começou o mês de junho revendo seus pais, sua esposa e seu filho pequeno após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) lhe conceder liberdade provisória na última terça-feira (31/5).
“Chegamos lá às 8 da manhã [no dia 1/6] e ficamos angustiados, pois o documento da soltura não tinha chegado até o Centro de Detenção Provisória [Vila Independência]. A advogada foi no fórum, levou pessoalmente e aí foi só festa. Muita emoção poder ter meu filho novamente comigo, não tem preço”, celebra o pai de Felipe e promotor de vendas Fabio Cirilo da Silva.
No dia 4 de fevereiro deste ano o entregador foi preso durante uma abordagem policial e acusado de ter cometido um roubo em 5 de novembro de 2021 na região do Sacomã, zona sul da capital paulista. Ele e outros dois amigos, Josuel Vitor Lima da Silva, 22, e Sandro dos Santos Rocha, 22, foram reconhecidos de forma irregular pela vítima do crime por meio de fotos retiradas do Facebook, como contou a Ponte em abril.
Durante a primeira audiência do caso, o juiz Fabrizio Sena Fusari, da 1ª Vara Criminal do Foro Central Criminal Barra Funda, acolheu o pedido da defesa e do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e mandou soltar Felipe e revogou o pedido de prisão contra Josuel e Sandro. O magistrado entendeu que não havia necessidade da manutenção da prisão preventiva. “Por outro lado, recomendável a fixação de medias cautelares, especialmente porque a vítima ainda não prestou depoimento, apesar de expressamente intimada para audiência que se realizou nesta data”, decidiu.
Em juízo, a delegada Fabiana Rossi Valia afirmou que não acompanhou o auto de reconhecimento pessoal quando Felipe foi preso. À Ponte, a advogada de defesa Jussara Ferreira Cabral explica que, em fevereiro, a vítima compareceu à delegacia, mas só foi colocada diante de Felipe, o que contraria as regras do artigo 226 do Código de Processo Penal, que prevê que sejam colocadas mais uma pessoa no ato de reconhecimento.
“A delegada alegou que tem um sistema novo e informal que confronta os dados. Eles pesquisam na base de dados rostos parecidos. Apareceu a foto do Felipe e ela foi nas redes sociais, juntou e falou que a vítima tinha reconhecido ele sem sombra de dúvidas”, conta a advogada. No entanto, a própria vítima forneceu à polícia as imagens da câmera de segurança da rua onde o crime aconteceu e constavam ser do dia anterior à ocorrência. A filmagem não registra o roubo, apenas quatro pessoas caminhando na rua.
Fusari não chegou a considerar as provas sobre o álibi do entregador e marcou uma nova audiência, no próximo dia 12 de julho, para ouvir a vítima.
Família aponta que a polícia não investigou o caso
Nos últimos meses, Fabio refez o caminho em que Felipe percorreu naquele dia 5 de novembro para colher as provas de que seu filho estava a cerca de 5 km de distância do local em que o crime aconteceu. Ao sair do trabalho, o entregador foi até o Terminal Sacomã, onde guardava a bicicleta que usa como meio de transporte, por volta das 17h. Em seguida, ele foi para a casa e depois para a autoescola. Tanto o documento do bicicletário quanto o registro de ponto foram anexados nos autos do processo.
O pai do jovem aponta que houve negligência por parte da polícia por não investigar onde Felipe estaria naquele dia. “O problema disso tudo não foi a vítima e sim a Polícia Civil que pegou as imagens, fez um confronto com um sistema não confiável e procurou as pessoas mais próximas da região. A delegada disse que meu filho já fazia arrastão no Heliópolis e que a Polícia Militar estava na cola dele já. Meu filho é trabalhador e eu provei isso”, desabafa.
O promotor de vendas relata que os últimos meses recebeu apoio da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e que Felipe, dentro do CDP, recebia o apoio de outros presos. “Os internos ajudaram demais, era um por todos e todos por um. Os irmãos internos evangélicos também oravam e foi o que fortaleceu ele”, conta.
Agora Felipe aguarda a sua absolvição e tenta retomar a vida buscando por um novo emprego. “Ele foi dispensado pois já tinha um rapaz na vaga dele [provisoriamente], mas ele vai voltar a trabalhar. O próprio supervisor dele já indicou. Por enquanto ele está ótimo, bem e feliz de estar em casa. Quer esquecer o que passou, retomar a vida e trabalhar pra dar um futuro pra sua esposa e pro filho Antony”, afirma Fabio.
O que diz a polícia
A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública (SSP), do governo Rodrigo Garcia (PSDB), sobre os procedimentos adotados no auto de reconhecimento de Felipe e sobre a falta de investigação do caso, mas não obteve retorno.
Em entrevista à reportagem, a delegada Fabiana Rossi Valia, do 95º DP, explicou que o sistema de reconhecimento facial é somente mais um elemento que orienta a investigação e alegou que a defesa de Felipe não apresentou os documentos sobre o álibi de Felipe na delegacia. “Toda a investigação ocorreu com base nos elementos que a gente foi colhendo, mas sem nenhum tipo de interesse por parte de advogado. Ele ficou cinco dias preso sob custódia da polícia mas ninguém nos procurou. A gente não teve nenhum acesso aos documentos e aquilo foi uma surpresa para nós, até porque eram documentos importantes para a gente cortejar a versão da vítima. E nós só temos a versão da vítima”, afirmou.
Em relação à divergência na data das imagens e na data do crime, a delegada disse que foi informada que havia um “delay” nas filmagens. “O horário batia certinho, mas o dia estava com uma espécie de delay. Então, havia na verdade um erro técnico na grafia do horário das imagens e isso foi colocado nos autos”.
ATUALIZAÇÃO: matéria atualizada no dia 13/06, às 14h25, para colocar o posicionamento da delegada Fabiana Valia.