Luiz Henrique Brito e Tauã Ribeiro estavam presos desde 15 de janeiro acusados de roubo; caso foi revelado pela Ponte em fevereiro deste ano. ‘Da parte da polícia está faltando mais respeito’, criticam
O mês de abril começou com um alívio para as famílias de Luiz Henrique Policarpo de Brito e Tauã Ribeiro dos Santos, jovens negros de 20 anos e donos de lava-rápidos na periferia de São Paulo. Após dois meses e meio, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concedeu liberdade provisória aos dois amigos que estavam presos acusados de participarem de um roubo que aconteceu no dia 15 de janeiro na zona oeste da capital paulista. Ambos foram alvos de uma falsa prisão em flagrante e de um reconhecimento irregular, como contou a Ponte em fevereiro.
A decisão da juíza Sirley Claus Prado Tonello, da 27ª Vara Criminal da Barra Funda, foi dada durante a primeira audiência do caso, em 28 de março. No dia seguinte, Luiz e Tauã foram recebidos pelos familiares e amigos com muita celebração na porta do CDP I (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros. “Fiquei muito feliz em ver a minha família, meus amigos mais próximos e eu já voltei a ter a minha rotina, a trabalhar pra ter as minhas coisas. E estou lutando pelo que é meu, sem pegar nada de ninguém”, desabafa Tauã.
A magistrada atendeu ao pedido da defesa, determinando que a Polícia Militar apresente as imagens das câmeras das fardas dos policiais militares Alessandro Floriano da Costa Scamilha e Thiago Vicente Bonfim dos Santos, e entendeu que houve contradições no reconhecimento feito pela vítima. “É certo que na instrução hoje colhida o depoimento da vítima com relação ao reconhecimento não foi tão categórico quanto aquele prestado na fase policial, principal razão pela qual foi decretada a segregação cautelar dos acusados”, afirma.
Os jovens agora aguardam em liberdade a segunda audiência do caso que está marcada para o dia 29 de setembro, que deve ouvir as testemunhas de defesa, e cumprem medidas cautelares como comparecer mensalmente em juízo. “Nós fazíamos muitas orações, ficávamos em jejum também, e sempre acreditando que ia dar certo. O tempo que passei lá foi um momento ruim, nunca tinha passado por isso, porque é muita opressão da parte da polícia”, relata Luiz.
Ele conta que, no dia da ocorrência, saiu do trabalho e por volta das 22h se encontrou com Tauã no lava-rápido dele, onde pediram esfirras. Em seguida, ambos foram até o lugar conhecido como Retão, na Rua Professor Onesimo Silveira, no Jardim Pirituba, com o cozinheiro Matheus Estenio Alves, 22, para treinar a direção. Foi nesse momento que a abordagem aconteceu. “Ele [o policial] chegou perto de mim e falou assim: ‘Cadê a chave do Onix? Cadê a arma que vocês renderam a vítima? Cadê o celular que vocês fizeram o pix?’ E a todo momento a gente falava: ‘senhor, a gente não fez nada, a gente é tudo trabalhador’”.
“Quando chegou lá de frente com a vítima, ficou uma rodinha de polícia e nós dentro da viatura. Os policiais só pediram pra gente fechar o olho. A gente fechou o olho e, não sei a vítima ou os policiais, começou a apontar”, recorda. Na delegacia, Matheus, único branco entre os suspeitos, foi liberado, enquanto Luiz e Tauã foram autuados pelo roubo do carro.
“Da parte da polícia, que era para estar ali defendendo todos nós moradores, está faltando mais respeito, mais consciência. E acho até que foi racismo porque mesmo a vítima só reconhecia a gente através de uma camiseta azul e um short preto e verde que eu estava e o Tauã pelo cabelo”, aponta Luiz. Tanto o recibo do pedido de esfirras quanto as imagens de câmeras de segurança que mostraram por onde os dois jovens passaram momentos antes da abordagem foram juntadas no processo pela defesa.
Nesse período, Tauã diz que tanto ele quanto o amigo ficaram emocionalmente abalados com a situação: “só imaginava no que minha família ia pensar e que eu e meu amigo não tínhamos cometido nada”. Enquanto aguardavam uma decisão da Justiça, as famílias dos jovens realizaram um protesto em fevereiro com o apoio da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio para pedir a libertação da dupla.
Thayliane dos Santos Neiva, irmão de Tauã, conta que a liberdade dos dois foi celebrada por toda comunidade onde moram e acredita que eles serão absolvidos do caso. “É muito humilhante passar por isso e eu não quero que minha mãe e nem a mãe do Luiz passem por isso nunca mais. Mas a gente estava com muita esperança que ia dar tudo certo, até porque a gente tinha certeza absoluta que eles não fizeram nada. [Quando soubemos,] foi muita gente gritando em plena segunda-feira. Foi um grito só aqui na favela inteira, porque todo mundo realmente conhece os meninos, viu crescer, foi uma felicidade muito grande”.
Outro lado
A Ponte questionou a polícia e a Secretaria da Segurança Pública (SSP) sobre o reconhecimento feito na delegacia, principal prova da prisão de Luiz e Tauã, não ter seguido os procedimentos previstos no Código de Processo Penal. A pasta encaminhou a seguinte nota como resposta:
“A Polícia Civil informa que os dois foram presos em flagrante por roubo com emprego de arma de fogo, no dia 15 de janeiro, e levados ao 72º Distrito Policial (Vila Penteado). Na unidade policial, a vítima reconheceu pessoalmente a dupla, durante o procedimento de reconhecimento. O caso seguiu para o Poder Judiciário e, após análise do Ministério Público, as prisões foram convertidas em preventivas. Demais questionamentos devem ser checados com a Justiça.”