Juíza reconheceu que não havia provas para manter Felipe Oliveira da Silva Gois preso; jovem foi acusado de roubar uma moto, mas família conseguiu imagens que mostravam ele andando de bicicleta perto do horário do crime
O auxiliar de produção Felipe Oliveira da Silva Gois, 19 anos, acordou em sua casa neste sábado de Carnaval (13/2), depois de passar 111 dias preso por um crime que ele não cometeu. Felipe foi preso em 24 de outubro de 2020, acusado de roubar uma moto na rua Europa, 408, em São Bernardo do Campo, município vizinho do local onde ele mora, Diadema, ambas cidades na Grande SP.
Desde então, sua família lutava para provar sua inocência. Nesta sexta-feira (12/2), finalmente, a juíza Lizandra Maria Lapenna Peçanha, da 4ª Vara Criminal da Comarca de São Bernardo do Campo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, reconheceu que não havia provas para manter a prisão de Felipe.
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“Muito embora sua prisão em flagrante, num primeiro momento, tenha sido convertida em preventiva, posto que presentes os requisitos para tanto, verifico que após o início do processo, foram juntados aos autos documentos que, em sede de cognição sumária, tornaram a prova inicial feita na delegacia de polícia tênue”, afirmou a magistrada.
A juíza também destacou que Felipe é réu primário e não teve passagem pela Vara da Infância de Juventude, concedendo a liberdade provisória para o jovem. Felipe estava preso no Centro de Detenção Provisória de Diadema, mas foi para casa no mesmo dia.
A decisão foi tomada depois que a Defensoria Pública assumiu a defesa de Felipe e solicitou revogação da prisão, usando como argumento a falta de indícios de autoria e as imagens que apontam que Felipe estava em outro local. A defensora pública Adriana Testi Tirelli também anexou a matéria da TV Record no processo.
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Para a psicóloga Marisa Feffermann, articuladora da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, que acompanha o caso, a entrada da Defensoria Pública foi fundamental.
“Nós, da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, soubemos do caso há 15 há poucos dias e a partir daí iniciamos uma batalha para conquistar junto com a família a liberdade deste jovem. Vencemos a primeira batalha! Com o apoio do jornalismo comprometido, da Defensoria Pública, hoje Felipe está em casa”.
Relembre o caso
Felipe Oliveira da Silva Gois decidiu passar o sábado de folga, em 24 de outubro de 2020, andando de bicicleta com o primo, o ajudante de pedreiro Vitor da Silva Pereira de Oliveira, 20 anos, e com o irmão mais novo.
Era por volta das 13h21 daquele dia quando uma câmera de segurança da avenida Brasília, em Diadema (Grande SP,) região onde o jovem mora, registrou as três bicicletas passando a caminho da Praça Kaleman.
À Ponte, Vitor contou que o passeio durou mais ou menos 40 minutos. Daí eles decidiram voltar para casa. Quando estavam na Rua Paramarim, 40, porém, foram abordados a 750 m do local do roubo pelos policiais militares Anderson Santiago de Carvalho, 34, e Thiago da Silva Ré, 34. Felipe foi preso acusado de roubar uma moto na rua Europa, 408, em São Bernardo do Campo, município vizinho.
A versão narrada pelos PMs no 3º DP de Diadema, no boletim de ocorrência assinado pelo delegado Maurício César Calado Homem, aponta para uma narrativa completamente diferente, que foi considera verdadeira pelo sistema de justiça. Os PMs afirmam que faziam patrulhamento às 14h09 e viram três homens empurrando uma moto, que correram ao avistarem a viatura.
Os PMs afirmam que foram atrás e conseguiram prender duas dessas pessoas: Felipe e um adolescente de 14 anos. Nada foi encontrado com Felipe, mas o capacete da vítima estaria com o adolescente. A vítima, um entregador de aplicativos, afirmou que sua moto Honda/XRE, seu celular, capacete e R$ 10 em espécie foram levados pelos suspeitos.
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Segundo a folha de reconhecimento do processo criminal, a vítima reconheceu com 100% de certeza Felipe como sendo um dos autores do roubo. O registro também aponta que o procedimento de reconhecimento foi feito “em local onde se encontravam várias pessoas”.
Apesar disso, o promotor Rogério Augusto de Almeida Leite, do Ministério Público, ofereceu denúncia contra Felipe, que foi convertida em prisão preventiva pela juíza de plantão Patrícia Helena Hehl Forjaz de Toledo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e confirmada posteriormente pela juíza Cecilia Nair Siqueira Prado Euzebio em 27 de outubro de 2020.
A família afirmava que a versão não corresponde à realidade dos fatos. O eletricista Luciano Silva Gois, 40 anos, pai de Felipe, por conta própria, foi atrás de câmeras de segurança para provar a inocência do jovem. Encontrou a câmera da avenida Brasília, que mostra Felipe andando de bicicleta, com uma bermuda jeans azul e uma camiseta listrada, branca e vermelha.
O pai encontrou as imagens do assalto, que mostram o momento que o entregador é abordado por dois homens, vestidos de calça preta e blusa de frio preta, descem de um sedan preto para roubá-lo. Um dos homens leva a moto e o outro o carro.
A Polícia Civil, na conclusão do inquérito policial, informou os depoimentos que traziam uma nova narrativa apresentada pelos PMs, além dos vídeos e da versão da defesa, que argumentava que Felipe estava andando de bicicleta com o primo e que a roupa do suspeito não bate com a roupa de Felipe no momento da prisão.
Além de Vitor, a Polícia Civil ouviu uma vizinha, que testemunhou a abordagem. Ela afirmou que, por volta das 13h43, estava caminhando pela avenida Tietê quando notou os PMs abordando três pessoas, Felipe, Vitor e o irmão mais novo de Felipe, que viu os PMs colocando os jovens no chão. Mas, apesar dos novos indícios, o promotor Édivon Teixeira Júnior seguiu oferecendo denúncia em 3 de novembro de 2020.
A advogada Andréia Dias Oliveira Martins, que cuidava da defesa de Felipe à época, fez um pedido de habeas corpus em 5 de novembro de 2020, trazendo todas as informações citadas pela Polícia Civil, e reforçando que vítima reconheceu Felipe, mas não soube individualizar as condutas, afirmando reconhecer o capacete encontrado com o adolescente.
O pedido foi analisado pelo desembargador Marcelo Gordo, 13ª Câmara de Direito Criminal, que questionou a “pretensão aqui deduzida, eventual primariedade do paciente ou existência de residência fixa”, afirmando que “mais sensato se mostra a manutenção da prisão”.
Depois das tentativas da defesa, o promotor Édivon Teixeira Junior argumentou no processo que havia materialidade contra Felipe: prisão em flagrante, testemunho dos PMs e da vítima, auto de exibição e apreensão de objeto e reconhecimento. E, em 18 de dezembro, o juiz Antonio Balthazar de Matos apontou que “não houve qualquer alteração da situação fática” e manteve a prisão do jovem.