Justiça de SP mantém absolvição de PM que matou adolescente rendido em rodovia

    Em 2018, câmeras flagraram Mike Gouveia atirando em Tiago Celso; promotora descartou legítima defesa e pediu anulação de julgamento que inocentou policial

    Tiago Celso Santos foi morto por policiais em 31 de dezembro e câmeras de rodovia flagraram ação | Foto: reprodução Facebook

    Os desembargadores da 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negaram pedido do Ministério Público Estadual para anular o julgamento que inocentou o soldado Mike Fritz Oliveira Gouveia pela morte de Tiago Celso Santos, 17 anos, ocorrida em 31 de dezembro de 2018, na Rodovia Castelo Branco, região de Osasco, na Grande São Paulo.

    O policial foi absolvido das acusações de homicídio qualificado pela dificuldade de defesa da vítima e fraude processual, em setembro do ano passado, por sete jurados que compunham o Tribunal do Júri.

    Os desembargadores entenderam que o julgamento não poderia ser anulado porque “os jurados, a quem a Constituição atribui a soberana competência para o julgamento dos crimes contra a vida, não se convenceram de que o acusado não agiu em legítima defesa, sem que isso possa, por si só, ensejar a conclusão que agiram contrariamente à prova dos autos, como se viu da análise dos depoimentos”. A decisão foi tomada no dia 30 de abril.

    A promotora Helena Bonilha de Toledo Leite, responsável pela denúncia, argumentou que Mike agiu com meios “excessivos” e “não havia nenhuma injusta agressão a ser repelida” para sustentar o argumento de legítima defesa. “Dois disparos atingiram a parte superior de seu abdômen e dois tiros alvejaram seu braço esquerdo, que a vítima [Tiago] alçou instintivamente, para tentar se proteger. Ainda, a partir das filmagens do crime, é possível verificar que os disparos foram desferidos à curta distância, a pouco mais de um metro”, escreveu.

    Na época, imagens da concessionária da rodovia, a CCR ViaOeste, contradisseram as alegações de Mike e do colega, o cabo Fabio Luciano Silva, que sustentaram que pretendiam abordar um grupo de três suspeitos em um bairro da região. Dois deles teriam fugido e um terceiro correu em direção à rodovia, atravessou a pista, pulou o guard rail e chegou ao canteiro central onde teria então atirado contra os policiais, que revidaram. A filmagem, no entanto, mostra Mike dominando Tiago.

    A defesa dos policiais havia levado dois rapazes apontados como vítimas de um roubo que teria ocorrido no dia dos fatos e que teria motivado a ação dos PMs em perseguir Tiago.

    Nessa versão, uma das vítimas do roubo, identificada como Daniel, conta que comprou um celular pelo site de vendas online OLX com um rapaz chamado Juninho e que marcou o ponto de encontro para entrega em Osasco. Daniel conta que chamou um amigo para levá-lo até o local de moto e que, ao chegar ao ponto combinado, notou que era um golpe: duas pessoas, “um branquinho e um moreninho”, anunciaram o assalto e levaram o dinheiro, um aparelho celular e a moto em que estavam.

    Daniel conta que voltou para casa após a esposa do amigo pedir um Uber e que um dia depois voltou ao local para tentar achar documentos, momento em que teria conversado com os PMs Mike e Fabio sobre o ocorrido. Ele ainda teria identificado Tiago por conta do telefone da pessoa com quem teria acertado a compra do celular.

    Em audiência, Daniel declarou que um dia depois do roubo, em 1º de janeiro de 2019, “recebeu um telefonema no aparelho de sua namorada de um policial chamado ‘Palhano’ e este lhe contou que os policiais com quem havia conversado no dia anterior sobre o roubo sofrido mataram o roubador de sua moto e que era para ir ao Batalhão da PM para ‘ajudar’ os policiais que estavam ‘presos injustamente’”.

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    Os policiais afirmaram que conversaram com Daniel e que foram procurar os suspeitos. Em patrulhamento, entraram num local conhecido como “praça da Fumaça” e teriam visto duas pessoas correndo para um lado e um terceiro correndo em direção à rodovia Castello Branco. Mike foi em direção ao terceiro, que seria Tiago, porque ele estaria com uma sacola de papelão, e Fabio tentou ir atrás dos outros dois. Ao conseguir alcançar Tiago, Mike afirma que tentou segurar o jovem, que se jogou no chão e, como “estava sozinho, tentou levantar o rapaz e encostar o indivíduo na grade”.

    Nas imagens, é possível ver Fábio se aproximando, entregando o capacete a Mike e, depois, agredindo Tiago. Em audiência, o cabo alegou que fez isso porque o rapaz estaria “muito arredio”. Na sequência, ainda na versão de Mike, o rapaz se jogou no chão e foi nesse momento que conseguiu ver que ele estaria armado. “A única reação que teve foi se afastar, sacou a arma e efetuou os disparos”, consta em seu depoimento.

    Segundo a vítima do assalto, o boletim de ocorrência foi feito dois dias depois porque, na data do ocorrido, a delegacia estava muito cheia. A informação é refutada pelo delegado Otávio, que negou que essas vítimas tenham se apresentado no 10º DP no dia 31 de dezembro de 2018, quando Tiago foi morto.

    Em maio de 2019, a juíza Élia Kinosita Bulman decidiu absolver o cabo Fabio por entender que ele não participou da morte do adolescente, já que estaria de costas no momento dos disparos efetuados por Mike. O Ministério Público também havia se manifestado pela absolvição de Fabio. Ele retornou ao serviço no mesmo ano.

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    Procurada pela Ponte, a assessoria da PM informou que Mike ainda responde a procedimento da corporação e que, por isso, está realizando apenas atividades administrativas, ou seja, não está trabalhando nas ruas. Mesmo assim, recebe seus vencimentos normalmente.

    A reportagem solicitou entrevista com o policial, mas a InPress, assessoria de imprensa terceirizada da Secretaria de Segurança Pública, informou, em nota, que o soldado não concederá entrevista. Tentamos procurar pelos advogados de Mike Fritz, mas não conseguimos localizá-los.

    Já a assessoria de imprensa do Ministério Público informou que a promotora “atuou para que o réu fosse responsabilizado, dentro do seu alcance” e que agora a decisão de um recurso cabe à Procuradoria de Justiça Criminal. A reportagem não conseguiu localizar os familiares de Tiago.

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