Mulher negra morreu após ser espancada por policiais em abril de 2016; segundo eles, ela se agrediu e acusação se deve “ao poder dos direitos humanos”
A Justiça de São Paulo definiu que os três PMs acusados de espancar e causar a morte de Luana Barbosa dos Reis responderão pelo crime em júri popular. A mulher negra e lésbica morreu em 13 de abril de 2016, quatro dias depois de ser agredida em abordagem policial em Ribeirão Preto, interior de São Paulo.
Para a juíza Marta Rodrigues Maffeis, da 1ª Vara do Júri e das Execuções Criminais do município, distante 315 quilômetros da capital São Paulo, as provas do processo seriam suficientes para que os PMs André Donizete Camilo, Douglas Luiz de Paula e Fábio Donizete Pultz respondessem por homicídio triplamente qualificado.
A decisão da magistrada elencou que a ação deles ocorreu por motivo torpe, com meio cruel e impossibilitando a defesa da vítima. Em sua argumentação, ela sustentou que a tese da defesa, de que eles deveriam ser absolvidos de forma sumária, não encontrou “respaldo” nas provas colhidas na investigação.
“Igualmente, não há que se falar em impronúncia [liberá-los de julgamento], pois está demonstrado nos autos, como delineado acima, a materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria por parte dos acusados”, explicou Marta Rodrigues Maffeis.
Apesar de definido, o julgamento ainda não tem uma data específica para ocorrer. Os policiais Camilo, De Paula e Pultz podem pegar penas de 12 a 30 anos de reclusão.
Em agosto de 2019, os três apresentaram suas versões à Justiça e culparam Luana Barbosa por sua morte, negando que a espancaram. Segundo os PMs, ela “bateu em si mesma” e acusaram o “poder dos direitos humanos” por responderem ao crime.
Fábio explicou à Justiça que abordou Luana e seu filho e que o garupa “saltou e fugiu” e Luana arremessou o capacete no PM Douglas. Ao tentar acalmá-la, levou “um soco na boca” que o provocou “tontura”. Ao colarem Luana na viatura, ela “começou a se debater e a chutar os vidros”, de acordo com a versão dos PMs.
Em resposta, André teria algemado Luana e moradores “começaram a arremessar objetos contra a viatura” e o PM atirou apra cima para dispersá-los, segundo sua versão. Ele assegura que Luana deu um chute em seu tornozelo. Segundo André, a região é um “ponto de tráfico de drogas” e, na abordagem, Fábio deu tiros de bala de borracha.
Já Douglas confirma as supostas agressões da mulher, com soco em Fábio e chute em André. Destaca que os tiros de bala de borracha foram “para o alto”. O policial ressaltou que viu Luana “conversando normalmente com familiares” depois do registro da ocorrência.
Relebre o caso
Luana Barbosa dos Reis levava em sua moto o filho a um curso de informática no dia 8 de abril de 2016 quando foi abordada pela PM. Como só havia policiais homens, a mulher solicitou uma PM para revistá-la e recebeu um soco e um chute, que a derrubaram no chão, conforme testemunhas contaram à família da mulher.
Em seguida, Luana revidou a agressão com um soco no rosto de um dos PMs e um chute em outro deles, que teriam então a espancado com golpes de cassetete e com o capacete que a mulher usava.
Todos foram à delegacia da cidade para registrar a ocorrência e, por conta de vômitos e dores no corpo, Luana foi ao Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto para receber atendimento. Ela morreria na unidade cinco dias mais tarde.
A morte de Luana ganhou repercussão internacional com a solicitação da ONU Mulheres e do ACNUDH (Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos) para que o poder público brasileiro investigasse de forma “imparcial e com perspectiva de gênero e raça na elucidação das violências cometidas contra Luana”. Além disso, definiam como “um caso emblemático da prevalência e gravidade da violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil”.
Atualização às 13h12 do dia 22 de fevereiro de 2020 para detalhar a versão dos réus sobre a abordagem feita a Luana.