Justiça do DF arquiva investigação de jovem suspeito de aplicar golpe

    Walisson dos Reis Pereira da Silva realizou ‘vaquinhas’ online contando história de superação cheia de contradições; Ponte e outros veículos de imprensa divulgaram o caso

    Justiça do DF decidiu arquivar inquérito que pedia indiciamento de Walisson dos Reis Pereira da Silva | Foto: divulgação

    A Justiça do Distrito Federal mandou arquivar o inquérito sobre a suposta prática de estelionato de Walisson dos Reis Pereira da Silva por considerar as provas frágeis para uma denúncia, segundo nota enviada à Ponte confirmando decisão proferida no dia 17 de outubro de 2019. O juiz Marcio Evangelista Ferreira da Silva teve o mesmo entendimento do Ministério Público do DF.

    Walisson é um rapaz de 33 anos, que apareceu na mídia contando uma história de superação: afirmou que foi abandonado pela mãe, apanhava do pai e, sem opção, foi morar nas ruas de Brasília. Acabou tendo por anos a rodoviária do Plano Piloto como lar. Com muito esforço estudou por conta própria e conseguiu entrar em Direito. Mas, para se formar, precisava de dinheiro e, com esse enredo, fez arrecadação online, as chamadas “vaquinhas virtuais” em três oportunidades e levantou ao menos R$ 13.830. A Ponte divulgou a história em março de 2018, mas não apenas: UOL, Globo e SBT realizaram reportagens sobre a superação do rapaz em diferentes momentos entre 2016 e 2019.

    Mas, em fevereiro deste ano, um grupo negro chamado Quilombache, desconfiado de algumas incongruências na história do jovem, começou uma investigação por conta e reuniu provas dessas inconsistências em um grupo no Facebook batizado como “Walisson o golpista de Brasília”. Um dos participantes, Christian Santos, contou em reportagem publicada pela Ponte em março deste ano fazendo o desmentido da história, que chamou a atenção o fato de um suposto morador de rua ter um carro. “Descobrimos que talvez ele estivesse mentindo pelo fato de ele ter oferecido uma carona e então significa que tem um carro. Fomos procurar mais sobre ele e ao ser indagado, ele mentiu e foi excluindo e bloqueando quem ia no perfil pessoal dele. Depois disso, o mesmo produziu um vídeo tentando justificar e acabou dando mais informações mentirosas e de fácil checagem”, explicou.

    Depois que a história veio a tona, Walisson começou a enviar mensagens para algumas pessoas da página no Facebook, que, por essa razão, acabou sendo extinta.

    Por causa das denúncias divulgadas em reportagem da Ponte, no dia 21 de março o Ministério Público do Distrito Federal pediu que a 32ª Delegacia de Samambaia, cidade no entorno de Brasília, abrisse um inquérito para apurar os golpes financeiros. A delegada Laryssa Soares Neves concluiu o inquérito pedindo o indiciamento de Walisson pelo crime de estelionato. A promotora Maria Dalva Borges Holanda promoveu o arquivamento no dia 8 de outubro, que foi ratificado na Justiça do DF.

    À época, a reportagem entrou em contato com familiares de Walisson que confirmaram que o jovem praticava pequenos golpes desde muito cedo e que “sempre gostou de dinheiro fácil”, como disse uma parente próxima.

    Mas o depoimento mais contundente, que rebate a versão dele de que teria sido expulso de casa por maus tratos, é de seu próprio pai. O aposentado Pedrinho Gilmarto Pereira da Silva afirma que nunca agrediu o filho, que Walisson sempre deu muita dor de cabeça para ele e que, na verdade, ele fugiu de casa. “Ele começou a roubar aqui em casa. A gente mandava ele na padaria, por exemplo, comprar alguma coisa, ele chegava com algo além do que a gente tinha pedido. A minha esposa fazia ele voltar e devolver, porque o dinheiro não dava. Ele mentia que o dono da padaria tinha doado para ele. Aí a Marinalva ia checar e o dono falava que não tinha doado. Quando ele completou 18 anos, não queria estudar e sumiu. Nunca gostou e trabalhar na vida, não tem um mês de carteira assinada”, disse o aposentado, que se orgulha em dizer que trabalhou a vida inteira.

    É verdade que a mãe de Walisson, ex-mulher de Pedrinho, não quis os dois filhos – Walisson e a irmã mais velha – quando o casamento acabou e acabou ficando para ele a incumbência de cria-los. Walisson foi para Minas Gerais morar com a avó paterna por um tempo, mas aos 14 anos, depois de dar muito problema por lá, foi devolvido para Pedrinho.

    Natural do interior de Minas Gerais e de origem muito humilde, em umas das conversas com a reportagem, o aposentado se emocionou. “É difícil para um pai falar isso, mas tenho vergonha do meu filho”, disse. Pedrinho nutria muita esperança de que, com a reportagem desmascarando o golpe financeiro que o filho teria aplicado usando da boa fé das pessoas, ele pudesse ver alguma justiça sendo feita. “Alguém tem que parar ele. Passou a vida inteira fazendo coisa errada, espero que agora veja que as coisas têm consequências, espero que seja punido”, afirmou. Com o arquivamento do caso, Pedrinho perdeu a esperança.

    Em entrevista à Ponte, André Lozano Andrade, advogado, mestre em Direito Penal pela PUC-SP e Coordenador do Laboratório de Ciências Criminais do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), explica que a decisão de arquivamento não é uma decretação de inocência. “O arquivamento pode se dar por diversos motivos, desde a constatação de que o fato não ocorreu, até por não ter provas suficientes para instaurar uma ação penal, para iniciar um processo. Uma coisa é você iniciar um inquérito e começar a levantar provas. E o inquérito não pode ficar aberto indefinidamente até que se consiga uma prova”, explica.

    Lozano examinou a decisão do juiz a pedido da Ponte. “O que ele diz é que talvez o que o rapaz tenha feito não seja crime ou talvez seja mas é muito frágil para uma ação penal. Mas ele [Walisson] não foi inocentado. O processo foi arquivado porque não há elementos probatórios suficientes para iniciar e justificar uma ação penal”, conclui.

    Outro lado

    A reportagem procurou Walisson dos Reis Pereira da Silva por e-mail nesta quinta-feira (31/10) perguntando sobre o arquivamento e as declarações de seu pai. Walisson não respondeu às perguntas até a publicação desta reportagem. Pelo whatsapp, afirmou que “não responde a depoimentos dados ao jornal pelo meu pai” e que “se manifestará nos autos”.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas