Justiça inocenta três jovens acusados de tráfico e aponta que PM usou provas frágeis

    Durante operação na Favela do Moinho, no centro de São Paulo, em abril deste ano, policiais teriam colocado 200 quilos de drogas na conta de três moradores

    Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A Justiça de São Paulo inocentou três jovens acusados pela Polícia Militar de serem donos de quase 200 kg de drogas em uma apreensão na Favela do Moinho, no centro da capital paulista. O caso aconteceu em 4 de abril de 2018 durante uma grande operação na comunidade, baseada em uma denúncia anônima sobre a existência de uma arma em um dos barracos. Moradores denunciaram que policiais entraram nas casas sem mandados judiciais.

    Para a juíza Vanessa Strenger, da 3ª Vara Criminal de São Paulo, os PMs responsáveis pela operação não conseguiram apresentar provas suficientes para ligar os três homens às drogas. Jakson Barros dos Santos, Rafael Barros do Reis e Lucas Gustavo Rodrigues estavam presos em flagrante desde a ação.

    À época, Lucas estava na escada da casa em que morava quando a polícia chegou e encontrou a droga no que seria uma refinaria clandestina. Rafael e Jakson dormiam em um barraco vizinho ao local e foram abordados juntos de Lucas. A PM os levou ao 77º DP (Distrito Policial) como testemunhas, mas acabaram recebendo voz de prisão na delegacia e permaneceram presos.

    Na decisão, a juíza afirmou que provas eram frágeis e suscitavam dúvidas, porque eram baseadas em “presunção”. “A condenação criminal só pode ser decretada com base em prova cabal e estreme de dúvidas. Presunções e indícios, isoladamente considerados, não servem para amparar a procedência da denúncia”, escreveu. Segundo ela, o fato de eles morarem ao lado de onde estava a droga não é capaz de apontá-los como donos e falta a “certeza necessária” para condená-los por tráfico de entorpecentes. “Apenas com apoio de presunção, inadmissível em matéria criminal, é que se poderia considerar os acusados como sendo autores do crime em tela”, explica.

    Em outro trecho, afirma que “não há que desmerecer o depoimento de policiais, desde que os relatos sejam uníssonos e seguros, notadamente em crimes que pelas próprias circunstâncias em que são cometidos, se apresentam cercado de acanhada possibilidade de serem testemunhados, o que não se verificou no caso dos autos”.

    A magistrada ainda considerou que morar ao lado do local onde estava a droga não os fazem donos das substâncias. “O fato de não serem capazes de apontar ou não terem querido identificar o morador do cômodo no qual os petrechos e drogas foram encontrados não podem necessariamente levar à conclusão de que são eles, em realidade, os proprietários”, sustenta. “Os policiais disseram que as drogas, insumos e petrechos estavam em barraco distinto daquele em que estavam os acusados; barraco esse que se encontrava inabitado”, pondera. “No caso presente, os indícios colhidos não se mostram suficientes para servir de base à condenação dos acusados”, decide.

    A operação contou com cerca de 30 viaturas da PM, que entraram na favela para verificar uma denúncia anônima. Sem mandados judiciais, os policiais invadiram barracos, conforme relatado por testemunhas. Familiares confirmaram a versão de que o trio não estava no espaço onde foram encontrados os quilos de cocaína, maconha e material para produção de entorpecentes.

    Quando a Ponte divulgou o caso, moradores e familiares saíram em defesa dos jovens e denunciaram a injusta prisão. “Eles estavam sentados em frente a um barraco, aí os policiais chegaram e levaram os três juntos. Tiraram as drogas na casa da parte de baixo e eles moram na parte de cima, estão lá há mais ou menos um mês”, explicou Isabel Maria de Jesus, 36 anos, ajudante de cozinha e moradora do Moinho há 20 anos.

    Mãe de Jakson e Rafael, a ajudante de cozinha Raquel Barros dos Santos, 44 anos, explica que os dois trabalhavam na rua. “Meus filhos trabalham com carroça, pegam recicláveis. Eles estão sem emprego, então trabalham com isso”, defende.

    Na época, o delegado Francisco Castilho, titular do 77º DP, elogiou o trabalho de apreensão dos aproximados 200 quilos – entre cocaína e maconha, além de lança perfume -, balanças de precisão e três coletes à prova de bala como um “servição”. Nenhuma arma, citada na denúncia anônima, que motivou a ação, foi encontrada no local ou com os três então acusados.

    “Estava cheio de polícia do comando, da Força Tática, Rocam [Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas]… Entraram nas casas, os moradores ficaram sem poder sair. Fecharam a comunidade, não entrava nem saía carro. Entraram em todos os barracos. Quase apanho, queriam me levar preso”, explicou Humberto Rocha, diretor da associação de moradores da Favela do Moinho.

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