Justiça manda soltar Hugo, acusado por estar em praça onde havia carro roubado

Juiz considerou que jovem tem trabalho e bons antecedentes para responder processo em liberdade; ele e a amiga afirmam que foram abordados pela PM e depois reconhecidos de forma irregular em Diadema (SP)

Hugo Gomes Silva trabalhava como operador de máquina e ajudava nas contas da família | Foto: arquivo pessoal

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo mandou soltar, nesta quarta-feira (22/2), o operador de máquina Hugo Gomes Silva, 24, que estava há quase dois meses preso por uma acusação de roubo que afirma não ter cometido.

Ele e a amiga, Debora Santana dos Santos, 25, estão sendo acusados de roubar os pertences e o carro de uma mulher que estava com o filho de 15 anos em Diadema (ABC Paulista), em 27 de dezembro do ano passado. Os dois foram abordados em uma praça onde havia um outro veículo furtado nas proximidades — dentro desse veículo estava o celular dessa mulher que foi roubada.

Os jovens denunciam que foram submetidos a reconhecimento irregular, onde Hugo foi apontado como um dos ladrões pela vítima por estar usando um boné vermelho. Já Debora foi reconhecida sozinha, sem a presença de outras mulheres que tivessem características semelhantes.

O juiz Kleber Leles de Souza, da 1ª Vara Criminal do Foro de Diadema, considerou que Hugo tem bons antecedentes, trabalho e residência fixa para determinar que ele responda ao processo em liberdade. Com isso, Hugo tem que cumprir algumas regras: não mudar de endereço nem se ausentar da cidade sem autorização, comparecer às audiências, não sair de casa no período noturno nem frequentar bares ou baladas e não se aproximar de vítimas e testemunhas do crime.

Além disso, o magistrado apontou que o advogado Ewerton Carvalho, que defende o rapaz, trouxe elementos que demonstram que os jovens têm um “possível álibi” que contraria a acusação, mas negou o pedido absolvição sumária para que essas provas sejam melhor apresentadas durante a fase de instrução, ou seja, quando os réus, testemunhas e vítimas são ouvidas bem como apresentadas provas que possam corroborar o lado da defesa e da acusação.

Alguns dos pontos levantados pela defesa incluem o fato de que o boletim de ocorrência não tem o horário do roubo nem especifica quando os dois foram abordados pela PM; que foram coletadas imagens de câmeras de segurança que mostram a dupla andando por ruas do bairro e em uma adega da região entre 21h e 00h e troca de mensagens entre eles demonstrando que tinham combinado de beber na praça onde foram presos.

No auto de reconhecimento em que a vítima do roubo realizou, o delegado João Claudio Pereira Paes confirma com todas as letras que Debora foi colocada sozinha “por não haver outras mulheres no local e horário para se fazer a comparação” e que foi reconhecida. Também não há detalhes de que características a vítima descreveu. No boletim de ocorrência, ela diz que a suspeita tinha apenas “cabelos grandes”, característica parecida com uma peruca de cabelo que foi apreendida pela Polícia Civil. Contudo, Debora tem cabelos curtos e crespos.

Em relação a Hugo, o delegado descreve que, no local para o reconhecimento “se encontravam várias pessoas”, mas não especifica quem nem quantas seriam elas e nem as características físicas. No BO, é informado apenas pela vítima que três homens e uma mulher a roubaram, sendo que um dos homens usava boné vermelho. Foi por usar boné vermelho que Hugo acabou apontado como um dos assaltantes.

Peruca de cabelo comprido que estava dentro de Gol prata furtado e boné vermelho que Hugo estava usando que foi apreendido pela Polícia Civil | Fotos: Reprodução/Polícia Civil de SP

Pelo relato de Debora, pelas informações no inquérito e análise de advogadas criminalistas ouvidas pela reportagem, o reconhecimento aconteceu de maneira irregular, ferindo o artigo 226 do Código de Processo Penal, que prevê que a vítima deve descrever as características, depois são selecionadas pessoas que tenham semelhanças com as descrições, que são colocadas juntas, e é feito o reconhecimento. Reconhecer por foto antes de descrever, apresentar apenas um retrato ou uma única pessoa para a vítima são formas que acabam enviesando e contaminando o procedimento, como a Ponte já denunciou em diversos casos e entrevistas com especialistas que pesquisam o assunto.

Por causa desses tipos de indução e falhas no procedimento, o CNJ publicou resolução, em dezembro de 2022, que estabelece diretrizes para os reconhecimentos fotográfico e presencial de pessoas a fim de evitar prisões e condenações de inocentes. A medida entra em vigor em março.

A versão da polícia

No registro, há a indicação de que o caso aconteceu 00h27, mas não há informação se esse horário se trata do crime de roubo ou da abordagem a Hugo e Debora. Contudo, estão indicados os endereços do roubo (Avenida Dona Ruyce Ferraz Alvim, 995) e da abordagem (Rua Sul, 91).

Os policiais militares Gabriel Machado Sanches e Igor Santana de Souza, do 24º BPM/M, disseram que foram acionados por conta de um roubo de um veículo JAC branco e que a vítima tinha informado que “a última localização de seu aparelho de celular roubado era pela Rua Sul, 91”.

Ao se deslocarem para o endereço, no campinho, que é travessa dessa rua, encontraram um veículo Gol prata. Os PMs afirmam que viram Hugo “do lado de fora mexendo em alguns objetos do interior do referido veículo” e que resolveram abordá-lo. Dentro do Gol havia “aparelho de telefone celular, entre outros objetos, como sacolas e bolsas”.

Depois, relatam que viram Debora nas proximidades “a qual encontrava-se aparentemente verificando a movimentação da via” e que, ao checarem a placa do Gol, verificaram que existia uma queixa de furto registrada em novembro de 2022 e, por isso, levaram os dois para a delegacia.

A vítima do roubo disse que estava dirigindo com seu filho pela Avenida Dona Ruyce Ferraz Alvim, próximo à Avenida Dom Pedro, quando foi abordada por quatro pessoas em um Gol preto, sendo três homens e uma mulher. As duas únicas características apontadas é que a mulher tinha “cabelo comprido” e que “um dos indivíduos que usava boné vermelho estava armado e lhe proferiu severas ameaças pedindo celular, pertences e o carro”.

Ela diz que o carro parado atrás dela também estava sendo abordado por assaltantes e que, após a roubarem, fugiram. Ela declarou que foi com a pessoa do carro de trás que conseguiu ajuda para ir ao batalhão de PM próximo para solicitar socorro. O filho dela de 15 anos também confirmou a versão, mas não fez reconhecimento.

Os pertences dentro do Gol (celular, jaqueta e bolsa) eram de fato dela. O carro JAC branco, porém, foi encontrado em outro lugar, na Rua Paulo Magnani.

Apoie a Ponte!

O delegado João Claudio Pereira Paes solicitou perícia nos veículos encontrados a fim de buscar impressões digitais. O laudo ainda não ficou pronto, mas mesmo assim ele decidiu indiciar Hugo pelo roubo. Quanto a Debora, ele aponta que não existem provas suficientes contra ela, apesar do reconhecimento, e que demandaria aprofundamento das investigações.

O promotor Rodrigo Nunes Serapião não pediu mais diligências e denunciou os dois jovens pelo roubo, que foi recebida pelo juiz Kleber Leles de Souza e, com isso, Hugo e Debora são réus pelo crime.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas