Justiça solta PM da Rota que atirou em mulher e mentiu sobre tentativa de roubo

Sargento Marcos Antonio Freire foi acusado de fraude processual e tentativa de homicídio após imagens mostrarem que ele disparou contra grupo de três pessoas, no centro de SP em março; TJ-SP acatou pedido da defesa para que policial responda processo em liberdade

Momento captado por câmera de segurança de um prédio em que o sargento Marcos Antonio Freire atira em grupo de três pessoas e acerta uma mulher | Foto: reprodução

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou a soltura do sargento Marcos Antonio Freire, 47, da Rota, a tropa mais letal da PM paulista, para que ele responda o processo em liberdade. Ele foi preso em flagrante e depois acusado, em 22 de março, por atirar contra um grupo de três pessoas, atingindo uma mulher, após uma discussão no centro da capital paulista. Na ocasião, ele havia mentido sobre uma tentativa de assalto e se apresentou como vítima, conforme revelou reportagem da Ponte.

O juiz Paulo Roberto Santos Pinheiro, da 1ª Vara do Júri, atendeu, no dia 29 de junho, ao pedido de liberdade feito pela defesa do sargento durante as audiências de instrução, momento em que as partes e testemunhas do processo são ouvidas e provas são produzidas. Ele deverá cumprir medidas cautelares, como não se ausentar da cidade sem autorização e permanecer em casa durante a noite. Na edição desta quarta-feira (7/7) do Diário Oficial do Estado consta que Marcos retornou ao serviço ativo na PM. A Ponte questionou a corporação se ele voltou a fazer patrulhamento nas ruas, mas não teve resposta.

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O sargento foi acusado pelo Ministério Público Estadual por tentativa de homicídio e fraude processual. O promotor Daniel Menezes da Rocha Crioulo entendeu que Marcos poderia ter causado um homicídio ao assumir o risco de disparar contra o grupo de pessoas que estava na Rua Doutor Elias Chaves. Além disso, câmeras de segurança no local desmentiram a versão do PM de que ele teria sofrido uma tentativa de roubo ao mostrar a discussão e, em seguida, Marcos fazendo os disparos. Ele também aparece nas imagens recolhendo cartucho da bala que atirou, como a Ponte mostrou, o que indica que ele alterou a cena do crime, conforme apontou o promotor. A denúncia foi aceita pelo juiz Claudio Juliano Filho em abril.

Foram essas imagens que determinaram a prisão em flagrante do PM e o indiciamento por tentativa de homicídio. Na época, a prisão do sargento não agradou os colegas de farda, que cercaram a delegacia em viaturas da Rota, segundo informações de policiais. Em reação, a Polícia Civil enviou ao DP viaturas do Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos). Apesar da pressão, a delegada manteve a prisão em flagrante do PM.

A vítima atingida pelo sargento ainda não foi identificada, já que os outros dois homens que a acompanharam a levaram do local antes da chegada da polícia, que foi chamada por causa dos tiros.

Na delegacia, Marcos Antonio contou uma história bem diferente. Disse que, duas horas antes, havia saído de casa em direção a um estacionamento para pegar o carro e buscar sua esposa, que também é PM, no trabalho. Antes de chegar ao carro, na Rua Guaianases, teria sido cercado por dois homens e uma mulher. Um dos homens teria sacado uma arma e dito “passa o que você tem, senão eu vou te acertar”. O sargento, então, teria atirado no grupo, com uma pistola Glock .40 da corporação, fazendo os “ladrões” fugirem.

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No local, os policiais ouviram duas testemunhas e recolheram imagens de câmeras de segurança. Uma testemunha contou que ouviu uma das vítimas desafiar o PM, dizendo “Você vai atirar? A gente tá perto da favela, você vai atirar?” e “Então atira”. O sargento atirou. Depois disso, testemunhas ouviram gritos de “Você atirou na minha mulher” e “Olha a merda, tio, olha a merda”. Curvada sobre o chão, a mulher baleada chorava: “Moço, você acertou em mim, para com isso, moço”. Os três foram embora andando.

No boletim de ocorrência, a delegada argumentou que “não houve uma formal abordagem policial ou reação natural de um policial que é vítima de roubo a mão armada” e destaca que “o sargento dá as costas àquelas pessoas que afirmou terem tentado lhe render mediante grave ameaça praticada com uma pistola”.

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De acordo com o UOL, essa é a segunda vez que o sargento faz disparos na mesma rua e conta uma versão parecida. Em maio de 2020, ele disse que estava a caminho de casa quando dois homens passaram a segui-lo. Quando atravessou a rua, afirma que um deles sacou uma arma e, “para se defender”, sacou sua arma e atirou duas vezes. Um dos disparos acertou Adilson Tepedino Júnior, de 44 anos, que estaria com um simulacro de arma e acabou condenado a dois anos de prisão. O outro homem seria Fábio Gonçalves de Oliveira, 30, que foi preso por policiais nas imediações e foi absolvido por falta de provas. Ambos seriam moradores de rua.

O que diz a polícia

A Ponte questionou as assessorias da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Militar se Marcos voltou a fazer atividades na rua, se está afastado e se a Corregedoria realizou alguma apuração a respeito, mas não teve resposta.

Também procuramos o advogado Décio Alexandre Taveira, que faz a defesa de Marcos, por e-mail e telefone, mas não houve retorno. Nos autos do processo, consta apenas que a defesa se manifestaria durante as audiências.

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