Para o juiz Marcelo Ventura, investigação de crimes de fraude processual, prevaricação e usurpação de função pública supostamente cometidos pelo capitão L.G.T. devem ser analisados pela Justiça Militar
A Justiça paulista acatou o pedido do capitão da Polícia Militar L.G.T., 33 anos, que dizia sofrer “constrangimento ilegal” por parte de um delegado e trancou um inquérito aberto pela Polícia Civil que pretendia investigar possíveis crimes de fraude processual, prevaricação e usurpação de função pública supostamente cometidos por T., após ele tomar para si a investigação da morte de um homem em Jaguariúna, interior de São Paulo.
Em sua decisão, o juiz Marcelo Forli Ventura entendeu pela “ausência de atribuição por parte da autoridade policial judiciária da Comarca de Jaguariúna para apuração dos delitos em face do impetrante”, sustentando que tal apuração deve ser parte de um IPM (Inquérito Policial Militar) a ser remetido para a Justiça Militar.
Tal confusão, entre tantas outras já ocorridas envolvendo policiais civis e militares paulistas nos últimos meses, teve início na noite de 31 de março. Naquela data, Leandro Rodrigues, 27, foi morto após esfaquear uma pessoa e não obedecer a ordem de parada dada por dois PMs que participaram da ocorrência. Segundo a versão dos PMs, Rodrigues foi baleado após avançar contra os soldados Rogério Rodrigues Rosa e Jorge Humberto Paulino. O crime ocorreu na Rua Renato Abrucez, no Jardim Primavera, na mesma Jaguariúna. Após a morte, T. pediu exame necroscópico diretamente ao IML (Instituto Médico Legal) sem registrar boletim de ocorrência na delegacia, contrariando o Código de Processo Penal. As armas utilizadas também não foram apresentadas, sendo apreendidas no batalhão.
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Diante da situação fora do padrão, o delegado Erivan Vera Cruz decidiu inserir, no mesmo boletim de ocorrência que trata sobre o assassinato de Rodrigues, os possíveis crimes de fraude processual, usurpação de função pública e prevaricação, em sua tese cometidos por T. ao não comunicar para a Polícia Civil o homicídio e lesão corporal contra a vítima esfaqueada.
Por esse motivo, o capitão ingressou na Justiça paulista com um pedido de habeas corpus preventivo contra o boletim de ocorrência em que figura como “investigado”. Em seu apoio, o comandante do policiamento na região de Campinas (SP), coronel Renato Nery Machado, peticionou um documento semelhante, demonstrando entender que seu subordinado agiu de maneira correta.
Em seu pedido à Justiça de Jaguariúna, o capitão T. informou que no dia do fato exercia a função de Plantonista de Polícia Judiciária Militar e Disciplina na área do 26° Batalhão de Polícia Militar do Interior e, que ao vislumbrar que a morte se tratava de um “crime militar”, determinou a seus subordinados que não alterassem a cena do crime. Ele ainda alegou que PMs avisaram o fato à Polícia Civil tanto por telefone como pessoalmente, além de terem entrado em contato com a Polícia Técnico-Científica, que esteve no local. Diante dos avisos, T. afirmou que “todas as medidas legais que o caso requeria foram adotadas” e “que cumpriu expressamente determinação legal”.
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Questionado pela Justiça, o delegado Erivan Vera Cruz deu uma versão diferente sobre os fatos. Através de um ofício, ele explicou que o boletim de ocorrência foi elaborado por “uma questão humanitária e de sentimento em relação aos mortos e seus familiares”, já que o carro da funerária estava com o corpo aguardando ser recebido pelo IML, “gerando possível desrespeito à família do falecido”.
O delegado também pontuou que o inquérito não aponta culpados, mas visa num primeiro momento apurar os fatos e encontrar possíveis crimes cometidos durante a ocorrência. Vera Cruz também ressalta que “o fato de ser militar da ativa, não impede de ser parte de inquérito policial, onde se apura crimes não militares”.
No entanto, o juiz Marcelo Forli Ventura resolveu não levar em conta o pedido do promotor Sergio Luis Caldas Spina, que havia solicitado o indeferimento da ação, e entendeu que a Polícia Civil é incompetente para apurar os possíveis crimes atribuídos a T.
Em sua decisão, Ventura se respaldou em uma modificação em 2017 na lei 13.491 do Código Penal Militar, que acabou por abrir diversas exceções para que um policial seja julgado pela Justiça Militar. Em um trecho de sua sentença Ventura pontuou: “isso porque, com a reforma legislativa, os crimes em questão (usurpação de função, prevaricação e fraude processual) que estão sendo investigados, previstos na legislação penal, são de competência da Justiça Militar, pois se eventualmente praticados, o que há parcos indícios, foram no exercício da função”, explicou Ventura em sua decisão datada de 22 de abril.
A sentença do juiz pontua que a investigação sobre a morte de Leandro Rodrigues deve continuar sendo tocada pela Polícia Civil, não sofrendo qualquer interferência pela decisão favorável ao capitão T.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), por meio da assessoria terceirizada InPress, solicitando entrevista com o capitão e o delegado, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. Procurada, a Ouvidoria das Polícias de São Paulo também não se manifestou a tempo.
Atualização em 21/8/22 – A Ponte Jornalismo omitiu o nome do capitão da Polícia Militar mencionada na reportagem, trocando-o por iniciais, em obediência a determinação judicial feita em sentença do juiz David de Oliveira Luppi, da Vara do Juizado Especial Cível do Foro de Mogi Guaçu, no processo 1001314-76.2022.8.26.0362. Em 11 de agosto deste ano, o juiz ordenou: “Para cessar a abusividade, entendo que determinar que os réus retirem das notícias a imagem da funcional do autor e substituam seu nome completo por suas iniciais, já surtirá o efeito desejado pelo autor”.
[…] A reportagem entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), por meio da assessoria terceirizada InPress, solicitando entrevista com o capitão e o delegado, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. Procurada, a Ouvidoria das Polícias de São Paulo também não se manifestou a tempo. Com informações da PonteJornalismo […]