Marcelo Valle Silveira Mello tinha sido preso em maio e é apontado como um dos idealizadores do Dogolachan, grupo denunciado pela Ponte que propagava anonimamente conteúdo de pedofilia, homofobia e até incitação ao estupro
A Justiça Federal condenou Marcelo Valle Silveira Mello a 41 anos, seis meses e 20 dias de prisão em regime fechado por associação criminosa, divulgação de imagens de pedofilia, racismo, coação, incitação ao cometimento de crimes – como estupro e feminicídio – e terrorismo cometidos na internet. Marcelo é apontado como um dos principais operadores de fóruns na internet onde usuários, justamente pela certeza da impunidade por causa do anonimato, compartilhavam esses conteúdos.
Na decisão que condenou Marcelo nesta quarta-feira (19/12), o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, destacou a periculosidade do condenado e a necessidade de mantê-lo preso, não sendo permitido que ele recorra em liberdade. “O acusado representa verdadeira ameaça à ordem social, se solto, não só na condição de autor de delitos como divulgação de imagens de pedofilia, racismo e líder de associação criminosa virtual, mas também como grande incentivador de cometimento de crimes ainda mais graves por parte de terceiros, como homicídios, feminicídios e terrorismo”, afirmou o juiz.
“Vitória e grande alívio! Marcelo Valle Silveira Mello, líder de quadrilha neonazista e misógina q me atacou durante 7 anos, foi condenado a 41 anos de prisão! Estou muito feliz!”, escreveu a militante feminista, bloqueira e professora universitária Lola Aronovich, uma das vítimas de Marcelo, nas redes sociais. Lola leciona na UFC (Universidade Federal do Ceará) e, além de ameaças, o grupo liderado por Marcelo frequentemente tentava criar fake news envolvendo o nome dela ou mesmo imputar a ativista a responsabilidade por alguns crimes.
Um desses fóruns onde os extremistas que se autodenominavam “Homens Sanctus”, o Dogolachan, foi denunciado pela Ponte em uma série de reportagens publicadas entre novembro do ano passado e fevereiro deste ano. Uma delas levou ao bloqueio do site Rio de Nojeira, uma trollagem – zoeira, na linguagem virtual – feita pelo grupo de Marcelo para atacar um desafeto. Para isso, eles usavam de algum conhecimento técnico, maquiavam IP (identificação do computador) e usavam hospedagem do exterior, na esperança que o conteúdo não estivesse submetido à legislação brasileira.
Por causa da denúncia da Ponte, o Ministério Público Federal do RJ, que já estava no caso, considerou que os crimes não se limitavam ao estado do Rio e que precisavam ser federalizados. “A questão da competência federal é taxativa, porque está toda na nossa Constituição. Tem que ter transnacionalidade. Só o racismo não enquadraria, mas essa transnacionalidade fica por conta da hospedagem ser de fora”, afirmou à época o promotor Daniel de Alcântara Prazeres.
Na ocasião, o promotor chegou a ser exposto nas redes e houve a divulgação do suposto número de telefone e endereço de Prazeres, mas os dados não eram verdadeiros. O mesmo aconteceu com jornalistas da Ponte envolvidos na produção da série de denúncias. Alguns deles tiveram perfis falsos criados, exposição de familiares, divulgação de informações nos fóruns e até ameaça de retaliação via mensagens privadas no Facebook.
A Ponte também foi a responsável por revelar que o suposto plano de ataque com bombas à Universidade de São Paulo ligado ao grupo Estado Islâmico era mais uma trollagem do bando contra um estudante apontado como desafeto de um deles.
Em maio, Marcelo foi preso na Operação Bravata da Polícia Federal que tinha como objetivo combater crimes cibernéticos. De lá para cá, a defesa dele impetrou diversos pedidos de habeas corpus, todos negados e com justificativas semelhantes: de que a materialidade dos crimes e a autoria eram evidentes e de que as práticas aconteciam desde 2011 e, embora muitas vezes acionado até judicialmente, Marcelo não parou.
O juiz Marcos Josegrei da Silva também determinou pagamento de danos no valor de R$ 1 milhão, além de 678 dias-multa – no valor de um décimo do salário mínimo vigente em dezembro de 2016. Esse dinheiro deve ser destinado a programas de combate aos crimes cibernéticos e programas educativos da área.
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