Erasmo Alves Teófilo atua com 54 famílias em Anapu (PA); “armamento dobrou com Bolsonaro e a violência só aumentou”, diz integrante da Comissão Pastoral da Terra
Duas coisas movem Erasmo Alves Teófilo, 32 anos: dar condições para 54 famílias de agricultores viverem de forma sustentável em Anapu, cidade no Pará a 374 quilômetros da capital Belém, e assegurar a sua própria vida. O líder do movimento de trabalhadores rurais convive com ameaças de morte de forma recorrente.
São 11 anos de atuação no local. Desde 2009, trabalha para possibilitar que as terras federais sejam ocupada por essas pessoas. “Não as colocamos aqui. Atuamos com elas já dentro e, se estão aqui, devem ter o direito de viver”, conta o homem, que combate a grilagem para criação de gado de corte. A atuação rendeu inimigos.
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À Ponte, Erasmo revela um dia a dia de medo. Afinal, já foram três ações para invadir a sua casa. Uma delas aconteceu neste ano, mas seu pai, um senhor de 54 anos, conseguiu desarmar o invasor. A polícia foi acionada e o prendeu.
Os modos de intimidá-lo variam. Além da invasão ocorrida este ano, já teve casos de carros que fazem campana em frente a sua casa com pessoas armadas. Ali, o ativista mora com a companheira, três filhos e seus pais. Todas as ações, assegura, são a mando de grileiros da região.
Os movimentos que colocaram em risco sua vida e a de sua família fizeram com que ele fosse incluído no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do governo paraense. No entanto, Erasmo afirma que não pode contar com o devido suporte garantido por lei, como ele já detalhou em depoimento à Amazônia Real, parceira da Ponte, no vídeo acima.
Segundo o ativista, ficou acertado que policiais rondariam a vizinhança de sua casa duas vezes por semana, além de ter escolta na entrada e saída do lote 96 (área do assentamento) até sua casa. Idas e voltas teriam o acompanhamento da polícia, mas isso, segundo ele, não acontece.
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“As ameaças vêm de tempos. Tanto que eu entrei para o programa de proteção e ficou acertado que eu teria ronda e visitas periódicas. Nada disso tem sido feito”, conta. Além do programa, ele fez três boletins de ocorrência de casos específicos de ameaças ou tentativas de invasão de sua casa.
O ativista denuncia que os policiais ligados à proteção dele têm vínculos próximos aos garimpeiros e madeireiros da região, que têm interesses nas terras assentadas. Por isso, conta, fazem “corpo mole” mesmo com a determinação de defendê-lo.
Sua atuação envolve a subsistência das famílias, educação das crianças e a luta para que tenham o direito de viver nas terras ocupadas, em vez de o local ser usado para a criação de gado. Movimentos sociais da região lutam para conseguir proteção ao ativista.
A CPT (Comissão Pastoral da Terra) enviou à Anistia Internacional um pedido para acompanhamento da situação de Erasmo. Também acionaram tanto o Ministério Público estadual quanto o Federal para tomarem atitudes. No documento, alertam para as ameaças recorrentes e detalham algumas das investidas.
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“A câmera colocada na casa de Erasmo e família mostra a tentativa de homens armados em invadir a casa da família. As portas são seguras e os invasores desistiram depois de um bom tempo e, felizmente, o pior não aconteceu”, detalha a Comissão.
“O dia do assassinato aparece de repente”, diz liderança da CPT
Ameaças a líderes de movimentos sociais não são novidade em Anapu. Um dos assassinatos mais emblemáticos aconteceu em 12 de fevereiro de 2005, quando a missionária americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, 73 anos, foi assassinada com seis tiros à queima roupa, um deles na cabeça.
Dorothy atuava no movimento de direito à terra aos pequenos agricultores. Integrava a CPT, contribuía para a agricultura familiar e também na educação dos assentados. Passados 15 anos, três dos cinco condenados pelo homicídio cumprem prisão em regime aberto.
A Irmã Jane Dwyer, brasileira nascida nos Estados Unidos que integra a CPT, atuou com Dorothy e permanece na região até hoje. Aos 80 anos, conta viver dias mais perigosos atualmente do que os vividos na época do assassinato de sua companheira de luta. Questionada sobre os riscos agora e no passado, ela é enfática.
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“Qual a dúvida? Todos que trabalham aqui são ameaçados porque a impunidade reina para os fazendeiros e madeireiros. Hoje é pior do que no tempo da Dorothy porque o povo [grileiros e madeireiros] se organizou e tomou conta junto com Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) da situação. Muita gente envolvida”, afirma.
A religiosa lista o assassinato de 19 trabalhadores desde 2005. Além das perdas permanentes, há famílias foragidas por conta das ameaças. As mudanças são nítidas desde 2019, quando Jair Bolsonaro (sem partido) assumiu a presidência.
“O governo Bolsonaro está sistematicamente destruindo e desmontando toda a estrutura governamental que mantém fiscalização do meio ambiente, das leis em favor do pobres, do uso e abuso da não distribuição da terra”, critica Irmã Jane. “O armamento dobrou neste ano e meio, a violência aumenta cada dia e a impunidade também. O Incra sumiu das bases e deixou a agricultura familiar a enfrentar os grileiros sozinha”, diz.
A missionária teme diariamente pela vida de todos os integrantes de assentamentos. “Aqui, trabalhador vai para a cadeia porque o grileiro manda na polícia. Grileiro apronta, queima acampamentos, manda matar trabalhador, mata animais, alicia as crianças, queima igrejas e escolas do povo e nada acontece. A impunidade reina”, descreve.
Irmã Jane considera real o risco de Erasmo ser atacado a qualquer momento. “O dia do assassinato aparece de repente. Muitas vezes, em lugar surpreendente”, explica. A integrante do CPT revela um novo formato nos homicídios de ativistas para enganar as investigações. “Aqui não se mata mais trabalhador no interior e, sim, na cidade para descaracterizar conflito de terra. É um modelo adotado desde 2015”.
A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará sobre a denúncia de a polícia não cumprir com os deveres de proteger Erasmo e aguarda um posicionamento.
A reportagem também solicitou ao MPE e o MPF informações do que foi feito pelos órgãos para proteger a vida do ativista e espera resposta.