Justiça derruba medidas de segurança para a atuação policial na Maré (RJ)

    Decisão suspende a Ação Civil Pública da Maré, que estabelece procedimentos a serem seguidos pelas polícias para redução de danos à comunidade; número de pessoas baleadas caiu 82% e homicídios diminuíram 43% na região desde a implementação das medidas

    Militares portam fuzis durante operação no Complexo da Maré | Foto: Douglas Lopes/Redes da Maré

    A juíza Regina Lucia Chuquer de Almeida Costa Castro, da 6ª Vara de Fazenda Pública da Capital do Rio de Janeiro, suspendeu a Ação Civil Pública da Maré. O documento estabelece uma série de medidas a serem seguidos pelo Estado em ações policiais a fim de assegurar os direitos do complexo de comunidades, localizado na zona norte da capital fluminense.

    Esta decisão ocorre uma semana depois de uma intensa operação policial que durou três dias, sob diversos relatos de abuso policial. Segundo depoimentos de moradores publicados pela Ponte, os policiais praticaram abusos que vão desde o cárcere privado, desaparecimento de pessoas e invasão de suas casas, além de deixar uma mulher morta e ao menos três pessoas feridos. Com a decisão judicial, a população vê seus direitos ameaçados.

    Solicitada em 2016 pela Defensoria Pública do Rio após operação que vitimou um morador e deixou outros seis feridos, a ACP (Ação Civil Pública) é um documento que propõe um plano de redução de danos. Para tal, estabelece mudanças na atuação do Estado no território. Dentre as petições feitas pela Defensoria, a Justiça acolheu pedidos como o uso de câmeras e GPS em viaturas e a presença de ambulância em período de operação. Também proibiu o cumprimento de mandados no período da noite.

    Dados disponibilizados pela ONG Redes da Maré mostram que as medidas previstas na ACP, implementadas entre os anos de 2017 e 2018, resultaram na diminuição em 61% do número de operações policiais no território. Há no mesmo período queda de 82% do número de feridos por armas de fogo.

    Para Lidiane Malanquini, uma das coordenadoras do eixo de segurança pública na organização, a suspensão da ACP atingirá mais de 130 mil habitantes da região que abriga 16 favelas. “A ACP era um avanço e a decisão da juíza é um grande retrocesso, que, na verdade, exprime o contexto político que vivemos hoje e mostra a política que o atual governador vem implementando no cotidiano das favelas”, aponta.

    Malanquini se refere às políticas públicas de Wilson Witzel (PSC), apoiador do presidente Jair Bolsonaro, e favorável do recrudescimento da violência estatal como forma de combater a crise na segurança pública. Sob o comando de Witzel, as polícias do RJ aumentaram a letalidade e são responsáveis por 1 a cada 3 homicídios registrados no estado. O governador ainda demonstrou apoio às operações violentas ao sobrevoar comunidades com um helicóptero que atiram em quem considera “suspeito”.

    Estatísticas da Redes da Maré mostra diminuição nas violações cometidas desde a aplicação da ACP da Maré | Foto: Reprodução

    De acordo com a advogada criminalista Laíze Benevides, juridicamente, a decisão demonstra a isenção do judiciário no controle externo da atividade policial na Maré, o que, segundo ela, é inconstitucional. “Para a população do local, [a decisão] pode significar um aprofundamento das incursões cada vez mais fora dos parâmetros legais, porque o próprio judiciário está dando aval”, sinaliza. “Diante de uma decisão dessa, como cobrar transparência da atuação da polícia? Como cobrar controle externo da atuação? É um processo gravíssimo”, alerta Lidiane.

    Para Kananda Ferreira, ativista e moradora da favela Nova Holanda, que integra o Complexo da Maré, a derrubada da liminar resultará em regressão nos feitos conquistados pelo moradores. A comunicadora receia que o nível de letalidade em operações policiais torne a aumentar.

    “Essa medida acaba legitimando o direito de matar na favela em nome de uma justificativa de guerra às drogas. Se com a Ação Civil Pública isso já acontece, sem a ACP o número de mortes, até mesmo de policiais, tende aumentar ainda mais”, prevê Kananda.

    A jovem espera que moradores do Complexo da Maré se unam a favor da Ação Civil Pública, já que, para ela, a ACP serve como estímulo para pessoas de outras favelas reconhecerem seus direitos e responsabilizem o Estado por condutas violentas. “A esperança é que a segunda instância reveja essa decisão, porque ela é absurda”, finaliza Benevides.

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