Jovem de 14 anos sumiu após abordagem policial, segundo a família, em Santo André e o corpo foi achado em um parque a 10 km de sua casa
O enterro do garoto Lucas Eduardo Martins dos Santos, de 14 anos, neste sábado, dia 30 de novembro, foi carregado de forte emoção, indignação e muita revolta por parte de parentes, amigos, advogados, além de pessoas que deixaram seus lares para compartilhar ao lado da família Santos esse momento de dor. Foram duas semanas de angústia desde o desaparecimento até a identificação oficial do cadáver.
O corpo do jovem negro foi encontrado boiando num lago dentro do Parque Natural Municipal do Pedroso, distante 10 quilômetros de onde o menino vivia com a mãe, o irmão e a cunhada.
Familiares e vizinhos culpam policiais militares pelo sumiço e morte de Lucas Eduardo. Enquanto as investigações prosseguem, os PMs Rodrigo Matos Viana e Lucas Lima Bispo dos Santos, seguem afastados do patrulhamento, mas em atividades internas e sem restrição de salário. Eles seriam os responsáveis pela viatura M-41222, da 2ª Companhia do 41º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), que passou por perícia após ser encontrado vestígios de sangue nela. A viatura é do mesmo batalhão dos policiais acusados pelos familiares de Lucas. O laudo final ainda é aguardado.
A viatura é a mesma que teria ido até a casa do menino pouco tempo após ele sumir e seus PMs indagar sobre quem morava no local, instante que a mãe do menino ouviu uma voz dizer “eu moro aqui”.
A cena aconteceu nos primeiros minutos da madrugada do dia 13 de novembro na Favela do Amor, na Vila Luzita, periferia de Santo André, após Lucas comprar um refrigerante Dolly e um pacote de bolachas em uma quitanda dentro da comunidade. Até agora, o governo de São Paulo não resolveu o mistério.
Além da morte de Lucas Eduardo, a família teve que passar por um novo constrangimento durante o sepultamento.
A mãe do jovem, Maria Marques Martins dos Santos, de 38 anos, que havia sido presa no dia 19/11 enquanto prestava depoimento sobre o caso, e que na última quinta-feira 28/11, havia recebido aval da Justiça para acompanhar o enterro do filho, só pode permanecer no interior do Cemitério Nossa Senhora do Carmo, na Vila Curuçá, também em Santo André, por apenas 15 minutos e sem nenhum contato com seus familiares.
Maria foi presa porque havia um mandado de prisão contra ela de 2017 referente a uma acusação de tráfico de drogas. Ela foi presa em 2012, mas logo foi solta. Em 2013 foi absolvida pela Justiça de Santo André. Em 2015 foi condenada em segunda instância por tráfico de drogas.
Durante o enterro, ela também permaneceu o tempo todo algemada e sob vigilância de uma agente feminina. A mulher utilizava chinelos e o uniforme marrom, vestimenta adotada pelo sistema carcerário de São Paulo.
Maria Marques foi retirada da penitenciária em que se encontrava, na zona norte da capital, pela manhã, sendo conduzida num caminhão para carregar presos e escoltada por duas viaturas da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária).
Ao chegar ao cemitério, por conta das exigências de segurança do governo, ela não pode ter contato com sua mãe, suas irmãs, e seus filhos.
Por telefone, seus parentes, que aguardavam para sair da Favela do Amor em três ônibus, foram avisados por quem já estava no cemitério, que não deveriam ir de encontro a mulher, caso contrário, ela seria retirada do local.
Os familiares e amigos respeitaram a exigência, retardando a saída da comunidade. No entanto, Maria Marques só pode permanecer no cemitério entre as 9h15 e as 9h30, escoltada por agentes da SAP munidos de armas de grosso calibre, como fuzis.
Ao deixarem o cemitério, um estampido seco, semelhante ao de um tiro, foi ouvido no local, no mesmo ponto em que as viaturas da SAP manobravam e os agentes caminhavam a pé com fuzis a tiracolo.
“Eu vim para o velório do meu neto muito triste, mas confiante que eu iria ver a minha filha, poder dar um abraço nela, mas não foi possível. O que fizeram com Lucas foi uma atrocidade, uma crueldade. Eu peço Justiça de verdade. Aqui na terra a Justiça é falha, mas eu acredito na Justiça de Deus. Essa foi a primeira perda na família, e espero que seja a última”, disse a avó do jovem, Maria do Carmo Martins dos Santos, de 66 anos.
“A revolta da gente é de eles não terem permitido a avó ficar com a mãe nesse momento difícil. Para gente é difícil, é revoltante”, disse à Ponte a tia de Lucas Eduardo, Isabel Daniela dos Santos, de 34 anos.
O tratamento dispensado à mãe de Lucas também foi motivo de crítica por parte do presidente do Condepe (Conselho de Defesa da Pessoa Humana), Dimitri Sales, que acompanhou o sepultamento. “(O que houve com a mãe) é uma tentativa de manter a narrativa de que se trata de uma família criminosa e por isso se justificaria o assassinato do Lucas. (A algema) está dentro do contexto de humilhação. Ela é a principal testemunha, e é uma tentativa de a desmerecer”.
Quanto ao tempo, Sales disse que não tem algo definido, mas “tem que ter a condição de se despedir, compartilhar o momento de dor junto de seus familiares. O ritual da despedida é sagrado para qualquer religião. A legislação proíbe tumultos em rituais fúnebres. Por que você atira? O que você quer quando atira? É um recado?”.
O velório e sepultamento de Lucas Eduardo foi bancado pela empresa funerária Sibraff, localizada na cidade vizinha São Caetano do Sul. Seus representantes que estavam no cemitério e que preferiram não se identificar disseram que se comoveram com o caso e com a condição financeira da família.
Por volta das 13h, o caixão de Lucas Eduardo, que estava lacrado e coberto por uma camiseta do Corinthians, seu time do coração, passou a percorrer as alamedas do cemitério municipal. Nesse instante, o choro passou a ser não mais contido, com gritos perguntando o porquê da morte e outros dizendo que o menino não merecia, que era só uma criança. Trechos de uma música foram contados pelos presentes, ela dizia “mais um negro que se vai, mais um negro da nossa favela que partiu”.
Pouco antes do caixão descer à cova, o irmão mais velho de Lucas Eduardo, o ajudante de pizzaiolo Igor Teixeira, de 22 anos, entrou em desespero. Visivelmente o mais abalado da família, chorava e se contorcia de dor com o fato, sendo amparado por seus amigos. “Me perdoa meu irmão, me perdoa meu Luquinhas. O que fizeram com meu irmão? Por que levaram meu irmão? Por que levaram a vida do meu irmão? Acabaram com a minha família. Quem deveria proteger fez isso com ele. Covardes de farda, acabaram com minha família”.
“Não há nenhuma dúvida que ele morreu assassinado. Ele foi sequestrado, submetido a tortura e depois assassinado”, finalizou Dimitri Sales.
A ONG Rio de Paz, que participou do sepultamento, afirmou que vai acompanhar os novos atos prometidos pela família para cobrar Justiça.
A Ponte procurou a SAP e a SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo questionando sobre o esquema de segurança na escolta da mãe do Lucas e o estampido de tiro no cemitério. Mas não recebeu respostas.
Atualização às 21h10, do dia 30/11, para incluir informações sobre o caso da prisão da mãe do Lucas.