Mães de Maio denunciam letalidade policial de SP em audiência da CIDH

    Movimento de mulheres que perderam os filhos vítimas do braço armado do Estado pede a reabertura das investigações dos crimes de maio de 2006

    Débora Silva, ao centro, fundadora do Movimento Mães de Maio | Foto: Caio Palazzo

    Em audiência sobre letalidade policial no Brasil na CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), na última quinta-feira (1/3), o Movimento Mães de Maio, o Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares) e a Conectas denunciaram o alto índice de mortes causadas pela polícia militar paulista.

    A fundadora do Movimento Mães de Maio, Débora Silva, esteve em Bogotá, na Colômbia, onde, em nome de outras tantas mulheres que perderam os filhos nos “Crimes de Maio” de 2006, cobrou a reabertura das investigações em âmbito federal. O episódio vai completar 12 anos e aconteceu depois que o PCC (Primeiro Comando da Capital) atacou agentes da segurança pública por discordar da transferência de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, considerado líder da facção, para um presídio de segurança máxima. A polícia promoveu uma retaliação e entre os dias 12 e 26 de maio, 564 pessoas morreram, sendo 505 civis e 59 agentes do Estado. A maioria das vítimas eram homens de até 35 anos, sem antecedentes criminais e moradores de áreas pobres e periféricas.

    De acordo com a ONG Conectas, Débora contou na audiência a história do filho, Edson Rogério Silva dos Santos. “Meu filho era um gari, que estava trabalhando de atestado médico no dia em que ele foi executado com quinze pontos na boca”, disse Débora Silva. “O Estado brasileiro tem o dever de dar uma resposta às mães das vítimas dos crimes de maio”.

    Um pedido de federalização dos crimes de maio feito pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, e enviado ao Superior Tribunal de Justiça aconteceu só 10 anos depois do massacre.  Ainda assim, os únicos assassinatos contemplados são os da chacina do Parque Bristol. Desde então, o processo permanece parado na corte.

    A Conectas Direitos Humanos, que acompanhou o período de audiência, entre 22/2 e 2/3, fez um vídeo com Débora Silva:

    O número de pessoas mortas em maio de 2006 é cerca de quatro vezes maior do que o esperado para aquele período, se comparado com o ano anterior. O alto índice de morte provocada pela polícia brasileira, em especial a paulista, foi alvo de preocupação até mesmo da ONU. Em relatório produzido pelo então Relator Especial sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, Philip Alston, após inspeção no país, o perito chegou à conclusão de que execuções são praticadas pela polícia não somente em serviço, mas também fora dele, com grupos de extermínio.

    Em novembro de 2016, a Ponte, em parceria com o Movimento Mães de Maio, lançou um livro que traz 15 perfis de mulheres que perderam filhos e filhas vítimas do braço armado do Estado. Embora a publicação, intitulada “Mães em luta – dez anos dos crimes de maio de 2006”, faça referência direta ao ocorrido, não apenas histórias como a de Débora Silva são contadas. Outras mulheres que tiveram a mesma perda nos anos seguintes, também falam da dor, da saudade e da revolta pela impunidade.

    A denúncia formalizada à OEA (Organização dos Estados Americanos) também traz dados nacionais. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública a polícia brasileira matou uma pessoa a cada duas horas em 2016. Entre 2009 e 2016, quase 22 mil pessoas foram mortas pelas forças de segurança no Brasil, número superior ao total vitimado nos últimos 30 anos pela polícia dos EUA.

    Outro lado**

    A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo para comentar a denúncia referente aos crimes de maio levada a um órgão internacional. A pasta enviou a seguinte nota: “A Secretaria da Segurança Pública esclarece que a Polícia Civil investigou todas os casos ocorridos em maio de 2006 em inquéritos policiais acompanhados pelo Ministério Público. A Polícia Militar também apurou todas as ocorrências de morte, à época, com rigor, assim como as denúncias de eventuais homicídios que poderiam ter policiais como autores. Quanto a letalidade policial, é importante deixar claro que toda ocorrência é acompanhada, monitorada e analisada para constatar se a ação policial foi realmente legítima. A maior parte acontece nos casos em que policiais atuam para impedir os roubos, por exemplo. Nos últimos cinco anos, cerca de 60% dos confrontos entre policiais militares e criminosos ocorreram nesta situação, na qual os criminosos estão armados, subjugando e colocando a vida de pessoas em risco. No ano passado, o índice de criminosos que morreram após confrontarem a polícia foi de 18%. Para dar maior qualidade às investigações que envolvem agentes de segurança foi implantada a Resolução SSP 40/2015, que exige o comparecimento da Corregedoria, do comando local e de uma equipe de perícia específica, além do acionamento do Ministério Público. Todos os casos de mortes decorrentes de oposição à intervenção policial (MDOIP) são investigados por meio de inquérito e só são arquivados após minuciosa investigação, seguida da ratificação do Ministério Público e do Judiciário”.

    *Com informações da Conectas

    **Atualizado no domingo (4/3), às 15h41

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