Mais de 150 crianças podem ir para as ruas por causa de reintegração de posse em ocupação

    Creche abandonada virou lar para mais de 140 famílias desde 2015; moradores afirmam não ter dinheiro para pagar aluguel e cobram solução da Prefeitura de SP

    Comunidade Igrejinha, no Jardim São Savério, existe há 5 anos e as 140 famílias podem ser despejadas | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Mais de 140 famílias podem ficar sem moradia. O motivo é um pedido de reintegração de posse da Prefeitura de São Paulo de um terreno localizado na rua Memorial de Aires, no Jardim São Savério, na zona sul da cidade, onde uma ocupação existe desde 2015.

    A Comunidade Igrejinha foi construída em um terreno que pertence à administração municipal e estava abandonado há 11 anos. Antigamente, no local que hoje abriga as famílias, funcionava uma creche.

    Muitas das moradoras da comunidade são mães solo e pelo menos 152 crianças vivem no local. A média é de 4 a 6 pessoas por família. Ao todo, aproximadamente 600 pessoas moram na ocupação.

    Famílias afirmam que, se a ocupação acabar, não têm para onde ir | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    A dona de casa Pamella Viana da Silva, 25 anos, e a diarista Bruna Monique Alves, 24, porta-vozes da ocupação, contam que as últimas conversas com a Prefeitura aconteceram em outubro e dezembro de 2019 e os moradores pedem a regularização do local ou auxílio-aluguel para uma nova moradia.

    Segundo os moradores, a Prefeitura apresentou a seguinte proposta: que as famílias desocupem o terreno de forma voluntária com ajuda para transportar os móveis para, depois disso, serem aceitas em centros de acolhimento. Como não estão no local há mais de 10 anos e a área onde moram não é de risco, elas não têm direito ao auxílio-aluguel (no valor de R$ 400 mensais).

    A comunidade fica ao lado do ponto final das linhas Vila Mariana e Parque Dom Pedro II | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Bruna Alves conta que foi morar na ocupação quando perdeu o emprego e não conseguiu mais pagar aluguel. Ela foi uma das primeiras moradoras da comunidade. “Eu pagava R$ 500 de aluguel em um espaço que só tinha um quarto e cozinha. Chegou uma hora que eu não consegui mais pagar e pediram a casa de volta”, relembra.

    Quando foi despejada, morou um tempo com a mãe e a filha enquanto o marido dormia de favor na casa de amigos. “Um dia o meu marido me falou que o pessoal ia ocupar a creche e entramos juntos com outras famílias. A situação aqui estava bem precária, bem suja. Tinha muito usuário de droga aqui antes. Limpamos, organizamos tudo e estamos aqui até hoje”, conta.

    A porta-voz conta que os moradores não querem nada de graça, querem apenas a regularização do local. “Se eles não têm alternativa, se não tem um apartamento, um lugar para gente, que pelo menos nos venda o terreno aqui, regularizando, loteando de uma maneira que a gente consiga se organizar, que caiba no nosso bolso”, pede.

    A comerciante Renilda Costa, 40 anos, e a dona de casa Rebeca Campos, 26| Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Segundo os moradores, a briga com a Prefeitura acontece desde o primeiro dia de ocupação, em 17 de junho de 2015. O que os moradores pedem é um auxílio-aluguel ou uma negociação possível para que as famílias consigam pagar pelo terreno.

    Bruna conta que a Prefeitura nunca fez um cadastro de todos os moradores. “Toda essa documentação foi feita por nós, feita à mão. Não veio Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social ou outro órgão fazer nenhum levantamento aqui”, critica.

    “A Secretaria Municipal de Habitação veio na época que tinham só as 17 primeiras famílias, fazendo marcação nas portas, tiraram foto da gente e tal. A promessa era que isso era um cadastro para o bolsa-aluguel. Mas até hoje nada. Isso era só um levantamento. Até hoje estamos aqui na luta, a gente só quer uma alternativa, não queremos ficar abandonadas”, relata Bruna.

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    Atualmente, as casas são construídas com madeiras e muitas não têm sequer pisos. As vielas que ligam a comunidade são estreita e servem de varal para as famílias secarem as suas roupas. As chuvas são um problema para quem mora ali, pois os barracos são tomados pela água quando chove.

    Pamella Viana, outra porta-voz da ocupação, conta que os moradores já solicitaram a regularização fundiária do terreno. “A gente quer o terreno, queremos a nossa moradia. Não queremos ser jogados na rua, com uma mão na frente e outra atrás, com as crianças. Não temos para onde ir. Sabemos que tudo tem um gasto e só queremos uma proposta boa”, explica Viana.

    Pamella ao lado do filho de 7 anos | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    A disputa na Justiça é antiga. Em outubro de 2015, a Prefeitura de São Paulo entrou com uma ação de reintegração de posse contra a ocupação nas dependências do Centro de Educação Infantil Jardim Celeste.

    De lá para cá, as negociações não pararam, mas também não houve um consenso entre os moradores e a Prefeitura. Em janeiro de 2019, os moradores enviaram uma carta diretamente para o prefeito Bruno Covas (PSDB).

    Na carta, as lideranças pedem que o prefeito aceite uma reunião com uma comissão de moradores, com o conselho tutelar e com a assistência social. Mas o pedido nunca foi respondido.

    Carta foi enviada ao prefeito pedindo uma reunião diretamente com ele | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    ‘A gente sobrevive a cada dia’

    As moradoras que conversaram com a Ponte contam que não ter condições de pagar aluguel é só um dos problemas que enfrentam. “Todo cidadão tem direito à moradia e eles estão ignorando isso. Ou eu pago aluguel ou meus filhos comem. Um aluguel aqui na região é R$ 800, fora água e luz”, diz a diarista Mariana Barbosa dos Santos, 33 anos.

    O fato de terem filhos pequenos, afirmam, atrapalha tanto no mercado de trabalho quanto para alugar uma casa. “Aqui todas nós estamos desempregadas, procuramos serviço, mas somos as primeiras a ser excluídas porque temos filho pequeno”.

    “Os serviços que aparecem são de domingo a domingo, deixamos nossos filhos com quem? Não é só aluguel, tem água, luz, babá. A creche não dá conta. A gente sobrevive a cada dia, é uma luta para viver, para morar”, desabafa Mariana.

    Andreza ao lado dos dois filhos mais novos | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    A ajudante geral Andreza Miranda, 25 anos, contou que está aguardando ser chamada no posto de saúde da região. Já passou na entrevista de emprego, mas alega que ainda não foi chamada por ter três filhos pequenos.

    “Eu conversei com uma moça daqui para olhar os meus filhos por meio período e ela cobrou R$ 600. Como eu ia pagar aluguel assim? Eles tratam a gente como usuário de droga, como lixo. Se cair um barraco aqui e morrer alguém a gente pode ir lá pegar o auxílio”, crava Andreza.

    O que diz a Prefeitura

    No processo de reintegração de posse do terreno, a Prefeitura alega que os ocupantes se instalaram nas dependências construídas do Centro de Educação Infantil, que, na ocasião, estava desativado para ser reformado. A ocupação foi constatada entre junho e julho de 2015 por agentes da Subprefeitura do Ipiranga.

    Em 2016, a Prefeitura informou que se tratavam de 17 famílias, sendo aproximadamente 80 pessoas, e que os cadastros para que os ocupantes pudessem dar entrada no bolsa-aluguel, por meio da Secretaria de Habitação, teriam sido iniciados à época. O argumento das famílias era de que só sairiam de lá com uma promessa de moradia.

    Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Durante os últimos anos, o processo foi se estendendo porque, quando há citação do mandado de reintegração, os moradores têm 15 dias para contestar. Nesse período, a Prefeitura afirmou que fez reuniões com as famílias e o próprio juiz determinou várias vezes a saída voluntária, sem ação de PM nem data específica, estabeleceu e restabeleceu prazos.

    Em pelo menos duas citações do oficial de Justiça à ocupação, conta que 20 famílias que, segundo os ocupantes, estavam há 2 anos no local, viraram 32 em 2017, com construção de barracos no entorno. Depois viraram 100. Uma reunião com a PM, para definir a reintegração, só foi ser feita em 2018. Por conta da mudança de proporção populacional, a reintegração de posse foi adiada diversas vezes.

    A reportagem solicitou entrevista com o secretário de habitação, mas obteve como resposta a seguinte nota. A Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal das Subprefeituras, informou “que toda reintegração de posse de posse definida pela Justiça é precedida de reuniões envolvendo todas as partes envolvidas, como moradores, Secretaria de Habitação, órgãos de segurança, entre outros”.

    “No próximo dia 27 de fevereiro, será realizado encontro com os moradores da Rua Memorial de Aires, quando será definida a data da reintegração de posse”, finalizou a pasta.

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