Mais de cem famílias vão para a rua após reintegração de posse na zona oeste de SP

    Segundo advogada que acompanha grupo de sem-teto, aviso em caráter de urgência não permitiu que moradores se organizassem para deixar o local

    Casas foram demolidas em menos de duas horas | Foto: Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

    Cerca de 150 famílias foram colocadas para fora de suas casas em uma ocupação localizada no Jardim Humaitá, ao lado do Cebolão, na zona oeste de São Paulo, no início da manhã desta quarta-feira (20/2). Eles ocupavam o espaço há pelo menos quatro anos e souberam da saída na última segunda-feira (18/2). A ação da Prefeitura de São Paulo aconteceu sem data especificada pela Justiça, que considerou válida a retirada pelo local representar risco de vida aos moradores.

    Dois processos judiciais correm para a remoção de pessoas do terreno, dividido em cinco áreas menores: um movido pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), responsável por uma linha de trens que passa em parte do local, e outra ação da EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), dona de um depósito de rejeitos líquidos retirados do Rio Tietê (esgoto), armazenados em uma espécie de pequena barragem. A ação é referente ao pedido da EMAE, que aponta para possibilidade de morte em caso de acidente.

    Foto: Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

    A argumentação usada é de que “além dos gases que significam risco de incêndio, houve um aumento recente das construções na parede que serve de barragem a rejeitos líquidos que foram retirados do rio Tietê. Em razão disso, a qualquer momento essa parede pode vir abaixo, causando mortes a todas pessoas ali presentes”, conforme alegado pelo secretário da Segurança Urbana de São Paulo, José Roberto Rodrigues de Oliveira, em contato telefônico com o juiz José Gomes Jardim Neto, relato posto em decisão de manter a retirada das pessoas.

    Segundo nota enviada pela Prefeitura à Ponte, o local “é considerado de alto risco (R4) em razão da proximidade com o talude de contenção das caixas de rejeitos que foram retirados do Rio Pinheiros, bem como pelo risco de incêndio e explosão, por conta da presença de gás metano, conforme laudo técnico da Defesa Civil e do  IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas)”.

    O magistrado aponta em documento que as providências foram tomadas “independentemente de processo judicial” para a retirada “compulsória das famílias”. Ele havia atacado a decisão pela retirada, mas solicitado apoio às pessoas que viviam ali, o que elas apontam não ter ocorrido. “A decisão não definia data, a Prefeitura podia preparar melhor a retirada. A grande questão é que os moradores foram avisados na segunda que a saída aconteceria na quarta”, explica Kelseny Medeiros, advogada que defende as famílias na ação.

     

    Foto: Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

    Muitas moradias foram demolidas. Há relatos de que algumas das casas derrubadas tinham em seu interior objetos, roupas e móveis das pessoas, que foram impedidas de retirarem seus pertences. Testemunhas relatam abordagem violenta da GCM (Guarda Civil Metropolitna), com integrantes usando fardamento similar ao do Exército, que apontaram arma para o rosto das pessoas, e também por parte da PM na condução da reintegração. Indignado, o grupo de sem-teto chegou a bloquear a Marginal do Rio Pinheiros.

    Ninguém teve muito tempo de se organizar para sair das casas e cerca de uma hora e meia depois do início da reintegração alguns barracos estavam no chão. A maior parte das famílias estava com móveis e pertences na beira da marginal, aguardando algum posicionamento oficial da Prefeitura de São Paulo. Diferentemente do que ocorreu em desocupação recente no centro da cidade, o município não disponibilizou caminhões para a retirada dos pertences para a mudança compulsória das pessoas.

    Foto: Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

    Representantes dos moradores apontam que a Prefeitura antecipou de forma consciente a retirada das pessoas, pois haveria uma audiência na tarde desta quarta-feira (20/2) para tratar da saída das 150 famílias, sendo que nenhuma delas recebeu auxílio aluguel – na decisão, o juiz aponta que o município liberou o benefício para 113 famílias cadastradas. “Diante da notícia verbal dada aos moradores, o juiz mandou notificar a Prefeitura sobre a audiência que ocorreria às 15h, houve a opção da Prefeitura por adiantar a remoção em vez de participar da audiência”, sustenta Kelseny.

    Os moradores tiveram resultado favorável na audiência da tarde desta quarta-feira, que terminou pouco antes da 18h. Por ordem judicial, a Defesa Civil interrompeu a remoção dos moradores, que poderão ficar no local até que a prefeitura finalize o cadastramento e ateste condições de atender todas as famílias. As famílias que estava no terreno da EMAE, contudo, não poderão retornar, porque é o juiz José Gomes Jardim Neto manteve o entendimento de que o local oferece risco à integridade física das pessoas que lá viviam.

    A Ponte solicitou posicionamento da Sehab (Secretaria Municipal de Habitação) e à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social sobre a reintegração ocorrida e ainda questionou a GCM sobre os relatos de ação violenta, no entanto, também não obteve um posicionamento até o momento. A assessoria de imprensa da Prefeitura respondeu dizendo que não houve reclamações formais sobre a ação da GCM e detalhou que 585 famílias estão registradas na área sob posse da EMAE.

    “A operação de remoção dos moradores, nesta manhã, no Jardim Humaitá, foi uma ação conjunta envolvendo a Prefeitura de São Paulo e o Governo do Estado. A Guarda Civil Metropolitana atuou em apoio aos agentes públicos com um efetivo de 125 guardas. Até o momento, não houve qualquer queixa sobre a atuação da Guarda, mas a Corregedoria da GCM está à disposição para formalizar reclamações para que possam ser devidamente apuradas”, explicou a assessoria.

     

    Foto: Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

    “A Secretaria Municipal de Habitação informa que, no total, há 585 famílias cadastradas no terreno da EMAE. Na parte que foi desocupada nesta quarta-feira (20), foram identificadas 128, sendo que 111 tinham direito a receber auxílio aluguel. Destas, 77 assinaram o termo, enquanto as restantes foram chamadas para receber os termos nesta quinta-feira (21) na EMEF Anibal Freire”, detalha a nota enviada à Ponte.

    A mesma nota traz resposta da Assistência e Desenvolvimento Social. “As equipes da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) estão acompanhando o processo de reintegração de posse na comunidade do Jardim Humaitá, localizado na Zona Oeste, para fornecer acolhimento e encaminhamentos das famílias na rede socioassistencial. Até o momento três famílias, totalizando  6 adultos, 12 crianças e 4 animais, aceitaram o acolhimento. A SMADS permanecerá à disposição da população local”, garante a prefeitura, que assegura ter disponibilizado 60 veículos “para o transporte de pessoas e objetos pessoais” com auxílio da Subprefeitura da Lapa.

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