Ato intitulado ’30 dias por Marielle Franco: contra a intervenção militar e pelo fim do genocídio. Marielle, Presente!’ marca um mês da execução da vereadora
Pedindo justiça por Marielle Franco e Anderson Gomes e o fim do genocídio negro, uma multidão tomou uma das faixas da avenida Paulista, em São Paulo, por volta das 17h deste sábado (14/3), data em que as execuções da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes completam um mês. A concentração havia começado às 15h30, no vão livre do Masp, com a confecção de camisetas com os dizeres “Marielle presente”, “Pelo fim do genocídio negro” e “Marielle Franco vive”.
Às 16h, o ato foi iniciado com a reprodução do áudio do último discurso de Marielle dentro da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. “Vai ter que aturar mulher preta, lésbica e favelada” e “as vozes da resistência vêm do asfalto” foram frases ditas pela vereadora na ocasião. A fala foi veiculada nos alto-falantes mais duas vezes durante o ato, sendo que uma foi no encerramento.
A vereadora Sâmia Bomfim (Psol-SP), em entrevista à Ponte, conta como tem reagido com a morte da colega de partido: “É um misto de sensações. Um mês depois eu consigo ter mais vontade de ir para luta, com mais convicção. Nos dias que seguiram o assassinato eu senti medo, eu senti muita dor, eu senti muito receio de continuar lutando. Mas esse mês foi o suficiente para me colocar de cabeça erguida, ter mais força para lutar”.
Há um mês, Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram executados e o crime até agora continua sem respostas. A dor do primeiro ato, que reuniu mais de 30 mil pessoas em SP, realizado um dia depois dos assassinatos, deu lugar a luta e a cobrança: quem matou Marielle e Anderson? O sentimento geral que permeou a manifestação era de ‘basta’, ‘não dá mais’. Para os participantes, mortes como a de Marielle não serão mais aceitas.
“É um sentimento de revolta. A população preta morre de diversas formas, quando não matam a gente com um tiro, matam a nossa autoestima. Então a gente tem que estar nas ruas, na internet e em todos os lugares reivindicando para que se tenha uma resposta desse crime. Quem assassinou ela foi o Estado, só basta decretar que foi o Estado”, afirma avrapper e professora Preta Rara.
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Nomes como Claudia da Silva, Luana Barbosa, Dandara dos Santos, Maria Eduarda, Rafael Braga, DG, Amarildo e Verônica Bolina foram lembrados ao longo da manifestação. Para Luka Franca, 32 anos, integrante do Movimento Unificado Negro (MNU), a morte de Marielle deve dar um basta em ações movidas pelo racismo estrutural. “Até agora não tivemos nenhuma revelação efetiva do que que levou a darem 4 tiros na cabeça de Marielle. Temos cada vez mais necessidade de falar o que significa a pauta racial para o debate da democracia brasileira: justiça criminal, genocídio da população negra e encarceramento em massa. Eles querem que a Mari seja mais uma caída no esquecimento. Mas deu pra gente, já perdemos Claudias, Luanas, DGs, Amarildos e Rafaféis Bragas. A gente não quer mais que os nossos caiam no esquecimento. Nós queremos respostas não só pra Marielle, mas para todos”, enfatiza.
Para Robson Borges, 40 anos, integrante do Movimento Popular de Favelas e Movimento de Catadores do Rio de Janeiro, a violência capital carioca aumentou com a intervenção militar. “Eu estou lá no Rio e vejo a truculência do exército e da polícia nas favelas o tempo todo. O nosso povo está morrendo. A população em situação de rua cresce todos os dias e a mídia não mostra. A violência cresce, a polícia tá matando muita gente o tempo todo, estão tentando nos silenciar. A gente tá lá, sabemos o perigo que passamos. Será que a minha morte valeria pra mudar alguma coisa?”, desabafa Borges. “A gente não tá querendo duas casas, a gente quer uma casa. A gente não quer comer lagosta, a gente quer arroz e feijão. A gente quer coisas básicas. A galera não quer dois carros, a galera quer transporte digno e de qualidade. E a gente tá sendo massacrado”, completa.
Gritos de “Marielle vive, Marielle viverá, mulheres negras não param de lutar”, “Foi a UPP que matou a Claudia, a Marielle e o DG”, “por Marielle, eu digo não, eu digo não à intervenção”, “sai polícia, sai da frente, mataram a Marielle e agora a chama ficou quente” e “pelo fim da polícia, pelo fim da UPP” foram repetidos durante as 4 horas do ato.
Itã Cortez, da Anistia Internacional, acredita que só haverá uma resposta se movimentos sociais e organizações não-governamentais mantiverem a pressão nas ruas. “Não há um interesse oficial em ter uma resposta, é tudo muito vago. Quando a gente procura eles falam que as investigações estão correndo no tempo correto, mas a gente fica muito desconfiado disso, pois já temos um histórico de impunidade no Brasil. Tá na hora de dar uma virada, a gente não pode mais simplesmente não ter resposta sobre essa série de crimes bárbaros, não só da Marielle, mas de todos que lutam pelos direitos humanos e todos que se movimentam contra esse sistema opressor”, explica Itã.
Às 20h, quando chegou ao Theatro Municipal, no centro da capital paulista, a manifestação se transformou em uma grande vigília: todas as pessoas carregavam velas acessas para Marielle. Nesse momento era possível notar pombas brancas sobrevoando o local. Dois discursos religiosos tomaram o lugar dos gritos por justiça, com uma fala católica e outra da umbanda.
A Anistia Internacional enviou, nesta segunda-feira (16/4), uma nota para a Ponte, após alegar que desautoriza Itã Cortez, que a ONG define como “ativista voluntário da Anistia Internacional”, a falar em nome da organização:
A Anistia Internacional informou à Ponte que o comentário não está de acordo com a opinião da ONG. Em notas oficiais amplamente divulgadas em redes sociais, a Anistia repudia o assassinato de Marielle e Anderson e pede justiça pelo crime. “As autoridades brasileiras devem priorizar a resolução do assassinato da defensora de direitos humanos Marielle Franco e do motorista, Anderson Gomes, e levar todos os responsáveis à justiça, disse a Anistia Internacional hoje quando completa um mês do assassinato”, diz nota oficial divulgada em 13/04 no site da ONG.
Na mesma nota, Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, defende o posicionamento da ONG. “A sociedade precisa saber quem matou Marielle e por quê. A cada dia que passa e este caso permanece sem respostas, o risco e ameaças em torno dos defensores e defensoras de direitos humanos aumentam. O Estado deve garantir que o caso seja devidamente investigado e que tanto aqueles que efetuaram os disparos quanto aqueles que foram os autores intelectuais deste homicídio sejam identificados. Caso contrário envia uma mensagem de que defensores de direitos humanos podem ser mortos e que esses crimes ficam impunes. A Anistia Internacional exige das autoridades brasileiras que conduzam uma investigação imediata, completa, imparcial e independente que não apenas identifique os atiradores, mas também os autores intelectuais do crime. “O assassinato de uma vereadora, defensora de direitos humanos, ativista dos movimentos LGBTI e das favelas, negra e lésbica, tem, claramente, a intenção de silenciar sua voz e de gerar medo e insegurança. Mas vamos continuar levantando nossas vozes. Desde que Marielle foi morta, as pessoas no Brasil e em todo o mundo, se mobilizaram e não descansarão até que a verdade seja conhecida e a justiça seja feita. Eles tentaram nos calar, mas nós mostramos que não estamos com medo”, diz Jurema.