‘Não é brincadeira e nem modinha. Para comprovar as propriedades da maconha é só olhar para minha filha’, diz mãe de adolescente com paralisia cerebral, que estava entre milhares de manifestantes no centro de SP lutando pela descriminalização da cannabis
Pela legalização e pela vida. Essas foram as grandes inspirações da edição 2019 da Marcha da Maconha em São Paulo, que reuniu milhares de pessoas nas ruas do centro da capital paulista, neste sábado (1/6). Todo o trajeto da manifestação, que começou no Vão do MASP, na Avenida Paulista, saiu pontualmente 16h20 (por causa da expressão 4 e 20), seguiu pela Consolação e terminou na Praça da República, foi pacífico.
O evento passou a ter autorização para acontecer em 2011 e a cada ano reúne mais pessoas e lutas. A bandeira principal do movimento é a legalização da maconha, mas há outras tantas demandas que se relacionam de alguma forma com o tema como a luta pelo desencarceramento em massa e o uso medicinal da substância, já comprovado. “A marcha é feita por blocos e cada um representa mais ou menos o que a gente espera abranger. Tem a ala do medicinal, do cultivo, do religioso, a ala do medicinal, que hoje em especial a gente conseguiu ter um trenzinho porque muitos pacientes tem dificuldade de mobilidade, a dos psicodélicos. A marcha da maconha é feita em grande parte pelo bloco feminista. São muitas pautas representadas dentro de uma marcha tão diversa”, explica Paula Chiaretti, uma das integrantes do movimento Marcha da Maconha, que estava com outras pessoas na organização da linha de frente.
Na esquina da Consolação com a Eduardo Prado, uma projeção em um prédio chama a atenção dos participantes: “Nossa causa é medicinal”. Uma das alas da marcha reunia justamente as mães que tem filhos que precisam da maconha para terem uma qualidade de vida um pouco melhor.
Eunice de Assunção da Silva empurrava a cadeira de rodas onde estava a filha Estela, 15 anos, que sofre de paralisia cerebral degeneração Walleriana e disse à Ponte que a cannabis permitiu que a adolescente parasse de se auto agredir. “Ela vivia só amarrada. Agora eu posso ver ela pelo menos sentar no sofá comigo sem se bater, sem eu ver ela sangrando. Ela batia tão forte nela mesma que eu tinha que amarrar. Virava e mexia, eu tinha que levar ela no pronto socorro para expurgar a orelha, porque vertia pus de tanto ela bater”, conta Eunice.
Eunice, que hoje se considera uma militante pela causa da legalização e uso medicinal da maconha, conta que, no passado, tinha preconceito. “Eu tive que me desconstruir, porque eu era preconceituosa. O que me ajudou foi o o curso sobre cannabis que fiz em Ermelino Matarazzo, com o Padre Ticão [o religioso promove na paróquia São Francisco de Assis, na zona leste de SP, curso em que explica as propriedades medicinais da cannabis]. Lá eu vi que não era uma modinha. Eu posso comprovar que não é brincadeira, que não é mentira as propriedades da maconha para esse tipo de criança, o que faz no sistema cerebral deles”, afirma, animada.
A maconha está no rol de substâncias proibidas e, portanto, o cultivo também é criminalizado. Quem deseja plantar a cannabis, por exemplo, precisa enfrentar uma espera na justiça pelo habeas corpus preventivo. Eunice está exatamente nesse momento. Enquanto a papelada não sai, ela conta com a boa ação de pessoas que já fazem o cultivo, sintetizam o óleo que ela usa para Estela, sem qualquer custo. “Eu conto com os corações bons da moçada que muita gente aí diz que é do mal, né?”, diz Eunice, em tom crítico. “Os maconheiros, sabe? Eles que estão me ajudando a ter uma qualidade de vida melhor pra ela. E nenhum deles me cobra um centavo”, ressalta.
Durante a marcha, muitos manifestantes aproveitaram para bolar seus cigarros de maconha e fumar livremente pelas ruas, sem temer a ação repressora da polícia militar, que não esteve no protesto. Apenas a CET (Companhia de Engenharia e Tráfego) acompanhou a manifestação realizando pequenos bloqueios no trajeto. Em diversos momentos, o nome do presidente Jair Bolsonaro foi alvo de críticas e alguns cartazes se referiram ao contrassenso existente entre a proibição da maconha e a liberação das armas. “Qual faz mais sentido liberar? Maconha que cura? Armas que matam?”, dizia um deles.
O tema do encarceramento em massa também esteve muito forte e não é por acaso. Especialmente quando falamos no sistema prisional feminino, em que 62% das mulheres estão presas por crimes ligados ao tráfico de drogas, segundo o último Infopen (levantamento do Departamento Penitenciário Nacional). Entre 2000 e 2014, o número de mulheres encarceradas aumentou 503%, impulsionado pela lógica punitivista da guerra às drogas, como mostra levantamento do ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania) intitulado MulheresEmPrisão.
Para uma das integrantes do movimento Marcha da Maconha, o debate da legalização das drogas ainda é pauta não superada por moralismo e também interesses financeiros. “A gente tem evidentemente o recorte que a tal guerra às drogas atinge. O recorte muito específico, ou seja, o jovem, negro, periférico, as mulheres, que muitas vezes são encarceradas com quantidades mínimas por conta de situações diversas, crianças das periferias que acabam nessa situação. Ao mesmo tempo, sabemos que o problema não está aí, que o helicóptero de 400 quilos de cocaína não está na favela. A grande perunta é: a quem interessa [a proibição]? A indústria farmacêutica é uma que ia perder muito do seu lucro caso a maconha passasse a ser usada livremente”, conclui Paula Chiaretti.
[…] ‘Não é brincadeira e nem modinha. Para comprovar as propriedades da maconha é só olhar para minha filha’, diz mãe de adolescente com paralisia cerebral, que estava entre milhares de manifestantes no centro de SP lutando pela descriminalização da cannabis Eu… Read More […]