Diego Andrade da Silva ficou preso por um ano e dois meses por roubo que diz não ter cometido; STJ entendeu que reconhecimento, único elemento que baseou a sentença, foi irregular
Diego Andrade da Silva, 34 anos, mais conhecido como MC Di, foi absolvido na terça-feira (20/6) de uma condenação de seis anos por roubo baseada em reconhecimento irregular. A vítima do assalto reconheceu o artista por uma foto publicada no Facebook de outro suspeito e apontou à polícia. Conforme o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o procedimento e os demais em que Diego foi apontado como um dos assaltantes não seguiu o que é previsto no Código de Processo Penal, o que o tornou inválido.
MC Di ficou um ano e dois meses preso e atualmente cumpria a pena na Penitenciária Nelson Marcondes do Amaral, em Avaré, no interior de São Paulo. O alvará de soltura foi expedido na quarta-feira (21/6), mesma data em que o artista foi liberado e recebido com festa na comunidade Jardim São Savério, na zona sul da capital paulista.
Um vídeo compartilhado por amigos do MC mostram a festa com fogos de artifício e rojões no momento em que Diego retornou à comunidade. “Foi legal, parecia um sonho. Parece que eu estou sonhando ainda”, conta.
Ele diz que tirou um peso das cosa com a absolvição, já que antes de ser preso respondia ao processo pelo roubo. “Eu estava com a mente muito atordoada. Não sabia o que ia acontecer e foi o pior, eu fui preso”, lamenta.
Já em liberdade, Diego comenta que conseguiu de volta o emprego que tinha quando foi preso e pretende também retomar a carreira musical, em pausa desde que foi acusado de roubo. “Vou continuar da mesma forma que eu tava, mas vou poder viver mais tranquilo, né?”
A cena de felicidade contrasta com a tristeza em que a família e os moradores do bairro onde ele vivia protestaram em maio do ano passado pela liberdade do artista.
A Ponte acompanhou a manifestação e conversou com os pais de Diego. Muito abalada, a pedagoga Sônia Aparecida de Andrade Rosa Silva, 62 anos, defendeu a inocência do filho ao qual descreveu como trabalhador e honesto. Na época da prisão, ele trabalhava há oito anos em uma dedetizadora.
A prisão do MC também foi contada em reportagem da Ponte. Diego foi preso quando estava a caminho de um jogo do Quem Tá É Nois, time de várzea do Jardim São Savério em que jatuava como goleiro.
Após ser reconhecido inicialmente por uma foto publicada no Facebook, ele permaneceu em liberdade — por recomendação da procuradora Lúcia Nunes Bromerchenkel, acatada pela Justiça — até a confirmação da condenação em 2018 por decisão da juíza Érica Aparecida Ribeiro Lopes e Navarro Rodrigues.
A magistrada o considerou culpado mesmo com a comprovação de emprego fixo (o que colocava em dúvida a motivação para o roubo) e com o álibi apresentado pela defesa com testemunhas que comprovaram que Diego estava em casa com o filho no dia em que o crime ocorreu.
Para o ministro do STJ Joel Ilan Paciornik, relator da decisão que absolveu Diego, o procedimento de reconhecimento, única prova que condenou o artista, foi inválido.
Reconhecimento não seguiu CPP, diz ministro
Em sua decisão, o ministro Paciornik justificou que não constam nos autos de reconhecimento fotográfico e pessoal, provas de que teriam sido seguidos os procedimentos previstos no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP).
Esse artigo prevê que o reconhecimento deve seguir algumas regras como que o suspeito seja colocado ao lado de outras pessoas com características semelhantes para assim ser analisada pela vítima.
“Embora os investigadores e o delegado de polícia tenham prestado depoimento em juízo, afirmando que os atos de reconhecimento seguiram o procedimento legal, sobretudo com a apresentação do paciente junto a outras pessoas e exibição de outras fotografias, tais circunstâncias não constam dos Autos de Reconhecimento fotográfico e pessoal de fls. 131 e 135. Em ambos, falta a descrição das características físicas do paciente, o qual aparece sozinho, em desconformidade com os incisos I e II do art. 226 do CPP”, escreveu o ministro da decisão.
Ele também descreveu que Diego se tornou suspeito por investigação que não partiu da Polícia Civil. O crime ocorreu em janeiro de 2017, no bairro República, quando dois homens em uma motocicleta roubaram uma bolsa e dinheiro da vítima, que havia acabado de sair de uma casa de câmbio. Um dos suspeitos apontou uma arma no momento da abordagem.
Durante as investigações, a pedido do delegado Rogério Barbosa Thomaz, que apurou o caso pela 1ª Delegacia do Patrimônio do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), foram enviadas fotos que estavam em poder do 11º DP (Santo Amaro), para que a vítima pudesse reconhecer algum dos suspeitos. Um homem foi apontado como o condutor da motocicleta.
A partir do nome, segundo a decisão do STJ à qual a Ponte teve acesso, achou o perfil do suspeito nas redes sociais e, analisando as fotos públicas, apontou Diego como o segundo responsável pelo roubo. O aparelho ortodôntico, que o artista usava há mais de uma década por estética, serviu como base para esse reconhecimento.
Foi a vítima, segundo o STJ, quem apontou Diego como suspeito e fez reconhecimento irregular na fase de inquérito e, posteriormente, em juízo. Para o ministro Paciornik, o procedimento fora do CPP não poderia ter embasado a condenação do MC.
O advogado Ewerton Carvalho, que defendeu Diego, diz que o próximo passo é conseguir uma indenização do Estado pela prisão.
“A gente conseguiu a absolvição dele através da anulação do processo e agora estamos estudando ingressar com uma ação no judicial contra o Estado pedindo uma indenização para o Diego por todo esse tempo em que ele ficou preso”, disse o advogado.
Outro lado
A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo questionando porque o delegado Rogério Barbosa Thomaz não seguiu ou não apresentou nos autos comprovação de que seguiu o CPP durante o reconhecimento de Diego. Não houve retorno até a publicação do texto.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) também foi questionado sobre o motivo da juíza Érica Aparecida Ribeiro Lopes e Navarro Rodrigues não ter se atentado à ausência nos autos de comprovação de que o reconhecimento foi regular. Por meio da assessoria, o TJ disse que não se manifesta sobre questões jurisdicionais.
“Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente.”
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) também foi questionado pelo mesmo motivo em relação à promotora Lucia Nunes Bromerchenkel. Não houve retorno do órgão.