MC resgata raízes africanas em primeiro trabalho no rap

    Das batidas ao nome, Marabu afirma que encontrou sua identidade no rap: ‘é como um manual de instruções das mais diversas quebradas do mundo’

    Rapper Marabu | Foto: Felipe C. Souza/Divulgação

    Matheus Santos, 22 anos, estuda história na USP (Universidade de São Paulo) e dá aulas em um cursinho de consciência negra da sua universidade. Também frequenta saraus e slams desde muito novo. Mas, há um ano e meio, ele começou a construir o seu primeiro trabalho no rap. Artisticamente, ele usa outro nome: Marabu. A escolha do nome é por representar a etnia Fula, localizada no ocidente africano, onde hoje é a região do Mali.

    “Lá, existe a tradição da passagem do conhecimento de geração para geração via oralidade. Apesar de islamizados (religião com forte embasamento na escrita) em sua maioria, os fulas privilegiam a transmissão do conhecimento através da fala em sermões nos quintais e praças comuns. Nesses encontros alguns são responsáveis por contar passagens que tratam da história, da geografia, da cultura e da filosofia fula, e tais indivíduos são chamados Marabu. Marabu são os homens e mulheres que, depois de ouvir muitas histórias, compartilham o conhecimento que as envolve”, explica o MC.

    Nascido e criado no Jardim Ângela e no Capão Redondo, bairros periféricos da zona sul de São Paulo, Marabu enxerga a sua musicalidade como “preta, com tom de diáspora e brasileira”. Em seu primeiro single, ele trabalha com o amigo e produtor musical Levi Keniata.

    “Eu e o Levi não conseguimos encaixar nossa música em um subgênero específico, nossas influências vêm de muitos lugares dentro da arte, nossas experimentações não visam contemplar o lugar comum dentro do rap, nós não realizamos aquelas operações artísticas que são basicamente tentativas de alcançar a música de pessoas de outros lugares. Nossa música visa representar a nossa realidade e a de mais ninguém. Buscamos autenticidade, originalidade e verdade, não só poética, mas musical necessariamente. Olharemos para os nossos ancestrais e falaremos para nossos filhos”, conta Matheus.

    Produtor musical Levi Keniata e rapper Marabu | Foto: Felipe C. Souza/Divulgação

    “Negócios” é o seu primeiro single. Com batidas que ligadas às raízes africanas, a música fala sobre a “correria dos pretos e das pretas”, e traduz o sentimento que só pessoas negras sentem ao transitar pela cidade, das quebradas ao centro, sem deixar de lado o alto astral e o swing. Leia um trecho abaixo e a música na sequência.

    É que me deram ódio
    Fiz ódio virar rima
    Obrigado truta cês é sócio da minha firma

    Matéria-prima
    Todo esse ódio sempre foi a minha matéria-prima
    Não é sobre dar meia volta
    É sobre dar meia dúzia de volta por cima
    Pique Cordeiro de Lima
    Com a diferença que eu vou te contar
    É que memo com todesses atrasa eu vou chegar em primeiro lugar

    “Acredito que o nosso amor alimenta nosso ódio, e devemos canalizar isso, o ódio e a raiva não são dispensáveis, são essenciais, mas devem ser canalizados no sentido certo. Ao contrário, vai matar a nós mesmos. A emancipação das pessoas pretas no Brasil passa necessariamente pelo ódio, pela raiva e pela angústia, e esses sentimentos costumam permanecer após a emancipação”, salienta Marabu.

    A relação de Marabu com o rap tem um significado especial: salvação. Para ele, o rap é um desdobramento da relação entre negritude e a oralidade e serve como espelho do tempo em que está inserido, por isso faz parte da nossa história.

    “O rap foi, e é, minha chave pra destrancar o mundo. Acho incrível as sensações que os MCs passam através da música sobre seu tempo, seu país, sua cidade. O rap, para mim, é como um manual de instruções das mais diversas quebradas do mundo. Ele me leva pra muito longe e, ao mesmo tempo, me ajuda a me compreender e me ajudou a fundar minha identidade. O problema do jovem preto no Brasil passa, necessariamente, pela dificuldade de encontro da sua identidade e pela falta de autoestima, tudo isso eu encontrei no rap. Posso dizer aquela frase clichê que o rap salvou minha vida”, finaliza.

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