Mesmo proibidas, operações policiais seguem no RJ e passam a focar milícias

    Acompanhamento da Iniciativa Direito à Memoria e Justiça Racial identifica que RJ descumpre decisão do STF; em quatro meses, policiais fizeram 68 operações policiais na Baixada Fluminense

    Proibição ocorreu em junho, mas levantamento aponta para dezenas de “excepcionalidades” | Divulgação/PMERJ

    As polícias do Rio de Janeiro mantém operações policiais em favelas do estado mesmo proibidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Em quatro meses, ao menos 68 operações aconteceram somente na Baixada Fluminense. Hoje, o governo do estado é liderado pelo vice-governador Cláudio Castro (PSC), após afastamento de Wilson Witzel, que responde processo de impeachment.

    Levantamento da IDMJR (Iniciativa Direito à Memoria e Justiça Racial) traz uma série de ações da PM desde junho, quando o Supremo as impediu. A PM deve agir somente em casos de “excepcionalidade”.

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    Em junho, o ministro Edson Fachin aceitou liminar da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 635 e proibiu as operações na pandemia de coronavírus. Dois meses depois, os ministros mantiveram a decisão monocrática.

    Os dados coletados pela iniciativa identificam 8 ações policiais na Baixada ao longo de junho, 26 em julho e 17 tanto no mês de agosto quanto em setembro.

    Dados do levantamento feiro pelo Iniciativa | Foto: Divulgação

    A base do levantamento são notícias oficiais da PM e também informações obtidas por redes sociais, como Twitter e WhatsApp. Uma das formas de a população contribuir é enviar mensagem no Zap Denúncia da Inciativa – o número é 21 99998-0238.

    Segundo Fransérgio Goulart, 48 anos, coordenador-executivo da IDMJR, o levantamento busca mostrar dados que órgão oficiais, como o ISP (Instituto de Segurança Pública) do governo do RJ, não têm.

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    “A partir da incidência [de ações policiais], sentimos a necessidade de fazer o monitoramento, de provocar essa questão”, explica Goulart, sobre o descumprimento das polícias à determinação do STF.

    Ele explica que o estado recuou logo após a decisão do Supremo. No entanto, as polícias se adaptaram. Utilizaram justamente o termo “excepcionalidade”, posto de forma abrangente na decisão, para agir.

    Divisão de ações por cidades da Baixada | Foto: Divulgação

    “[A decisão do STF] ajudou, de fato. Houve uma diminuição. A polícia começa a produzir operações e rapidamente criou uma excepcionalidade”, diz, citando como exemplo a retirada de barricadas postas por grupos criminosos, milicianos ou de facções.

    “O estado sempre vai dizer a última palavra. É disputar o que entendemos ser excepcionalidade. Não deveríamos ter ações”, afirma, criticando o MP por não fazer o controle das justificativas dadas para as operações.

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    A coleta será aprimorada a partir de outubro, com inclusão de operações da Polícia Civil. A iniciativa veio após 17 mortes ocorridas em um período de 24 horas entre os últimos dias 14 e 15.

    Do total, 12 morreram em ação da Civil com a Polícia Rodoviaria Federal em Itaguaí, na Grande RJ. Os outros cinco morreram em suposta troca de tiros em Nova Iguaçu.

    Fransérgio identifica uma mudança crucial nas operações policiais realizadas antes da proibição do STF para as atuais: as regiões em que acontecem.

    Batalhão que mais fez ações é responsável pela área de Queimados, Japeri, Paracambi, Seropédica e Itaguaí | Foto: Divulgação

    Conforme o coordenador-executivo, os alvos anteriores das polícias eram áreas dominadas por facções do tráfico, como o Comando Vermelho. Agora, o foco é em locais dominados por facções de milicianos. “Desculpa quem não gosta de análise de contexto, mas não está dando para brincar. É uma leitura de dimensão dos territórios para se atuar e se mexer. Nesse estado miliciano tudo é possível. Se tínhamos duas facções há 20 anos, isso se pulverizou. Há disputas dentro da cultura das milícias. Existem grupos que se conflitam e precisamos nomear isso”.

    “A grande pergunta que fica, uma problematização nossa que precisa ser investigada, é: isso não quer dizer que o Estado está atacando as milícias. Mostra que resolveu agir por causa das eleições”, afirma.

    Fransérgio considera as operações policiais e as eleições municipais como “totalmente interligadas”. Explica ser histórico na Baixada Fluminense as mortes durante o processo eleitoral. “Acontece que é histórico na Baixada, espaço dominado por grupos de extermínio que sofreram uma metamorfose e viraram as milícias de hoje. Em processo eleitoral é histórico esses assassinatos.”

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    Há um outro levantamento da Iniciativa especificamente em relação às mortes ligadas à política. De 2019 até agora, identificaram 12 assassinatos, sendo que apenas um não envolvia pessoa envolvida com milícias.

    “Percebemos que há uma disputa desses grupos e as mortes acabam resultando disso”, explica. “Nas eleições para deputados, os assassinatos são menores, os conflitos territoriais são mais aguçados quando se tem eleição municipal”, diz.

    Outro lado

    A Ponte questionou as polícias Militar e Civil do Rio deJaneiro sobre as operações durante a pandemia e aguarda posicionamento.

    Por e-mail, o Ministério Público do Rio de Janeiro informou que “o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais (CAO Criminal/MPRJ) esclarece que a decisão do STF não retira das polícias a avaliação exclusiva dos casos em que deva agir, cabendo informar ao Ministério Público posteriormente a notícia da realização de atividades neste período excepcional. Para tanto, foi acordado entre as instituições um período de até 24 horas após o início da operação para tais informações”.

    “As operações estão sendo comunicadas ao MPRJ e eventuais irregularidades cometidas serão objeto de análise pelas Promotorias de Justiças com atribuição para cada caso concreto. Desde 5 de junho até a data de 07/10, foram recebidas 154 comunicações, a maioria enviada diretamente pela Polícia Militar e Polícia Civil do Estado, e algumas reencaminhadas internamente pelo Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP/MPRJ). Cabe esclarecer que todas as comunicações recebidas são imediatamente repassadas aos promotores de Justiça com atribuição, a quem cabe estabelecer contato com a corporação responsável pela operação e solicitar a apresentação da justificativa para a realização da mesma, quando necessário para fiscalização do caso concreto”.

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