Midria, poeta e slammer: ‘o slam é um grito de vozes historicamente silenciadas’

    Autora de A Menina que Nasceu sem Cor e “Preta Galáctica”, artista da zona leste de SP contou na Academia de Literatura das Ruas, série de lives da Ponte, que encontrou no slam um espaço de acolhimento e identificação

    “Universo. Que é pequeno demais pra imensidão que toda mulher preta carrega em si. Preta revoluciona e passa rápido demais no céu dos leigos, pique estrela cadente. Salve Claudia Silva Ferreira e Marielle: presente!”, declama Midria, convidada do 5º episódio da série de lives da Ponte Academia de Literatura das Ruas, que foi ao ar nesta quarta-feira (17/03) sob o comando da editora de relacionamento da Ponte, Jessica Santos. O trecho do fanzine “Preta Galáctica” descreve a potência de mulheres negras – como a prória autora.

    A poeta e slammer Midria tomou gosto pela literatura desde muito nova. Durante o colégio leu não só os best-sellers juvenis, como também clássicos literários, de Shakespeare e Fiódor Dostoiévski, quando participava de um grupo de leitura após as aulas. “Uma coisa que eu percebo hoje é que tanto essas referências do que escolhi ler, enquanto adolescente, quanto o que aquele projeto trazia, eram referências majoritariamente brancas e masculinas”, ela comenta.

    Leia também: Documentário une emoção, território e identidade para falar sobre história do slam

    Mulher negra, periférica e bissexual, Midria passou a frequentar saraus e entrou para o Coletivo Sarau do Vale, na zona leste de São Paulo. “Quando eu estava com 15, 16 anos e comecei a participar do sarau da minha quebrada, eu começo a ouvir escritoras e escritores, que são pessoas vivas ali falando de vivências muito parecidas com a minha”, afirma. Naquele espaço ouviu artistas falando sobre opressões de gênero, e a partir disso, enxergou na poesia uma válvula de escape das pressões que a sociedade lhe impôs durante a adolescência.

    Inspirada pelo Slam Resistência, ingressou nos slams em 2017, quando começou sua graduação em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP). Começou sendo slammer do Slam USPerifa e participou do Campeonato Paulista de Poesia Falada – SLAM SP, representando o ZAP! Slam (Zona Autônoma da Palavra), primeiro slam brasileiro, idealizado pela artista Roberta Estrela D’Alva.

    Leia também: Em frente a presídio, Slam das Minas protesta contra a prisão de Preta Ferreira

    Midria produziu diversos textos desde então e, integra a coletânea Empoderamento Feminino, da série Slam da editora Autonomia Literária. Após o fanzine “Preta Galáctica”, lançou o A Menina que Nasceu sem Cor, uma coleção com suas poesias. Recentemente, o livro ganhou uma versão voltada para o público infantil.

    O slam muito além da competição

    A ideia do slam, também conhecido como Poetry Slam, nasceu do poeta Marc Kelly Smith, que queria que as pessoas voltassem a consumir poesia. Ele criou uma competição de poesias faladas na cidade de Chicago, nos Estados Unidos, na década de 1980. Esse formato percorreu o mundo e, hoje, o slam se tornou uma das principais manifestações artísticas, principalmente produzida na periferia.

    A batalha tem regras básicas: um slam master organiza a competição, na qual os poetas se inscrevem, e os jurados são escolhidos aleatoriamente na plateia, os mais diversos possíveis, de preferência. Em cada rodada, poesias autorais de até três minutos são recitadas e avaliadas com notas de zero a dez. Midria explica que para a recitar “não pode fazer uso de nenhum instrumento musical, objeto cênico ou figurino, é só você, sua ideia, suas palavras e ideias e o que você consegue criar de performance a partir disso”.

    Leia também: Quilombos virtuais: a resistência coletiva das mulheres negras no Brasil

    “É um formato muito plural e existem hoje vários slams diferenciados, como o Slam das Minas, exclusivo para mulheres, e o Slam do Corpo, que é um slam para pessoas surdas”, destaca. Atuante nesse espaço, Midria foi ganhadora do concurso “Poesia que Pulsa” do Slam das Minas SP. Para ela, o slam tem uma relação com a estética da cultura hip hop, e apesar de ter referência na literatura periférica, as poesias podem tratar de qualquer assunto.

    Palavras de resistência

    A poeta conta que suas poesias são inspiradas em momentos da vida que a marcaram muito. Dentre eles estão o processo de transição capilar, se identificar como uma menina negra e a forma que lidou com os pelos femininos e a questão da depilação. “Eu sempre apresento o Slam em oficinas, ou quando vou em escolas, como um grito de vozes historicamente silenciadas, pois assim dá entender por que as pessoas falam tão alto e sobre esses temas”, explica.

    Sua poesia “A Menina que Nasceu sem Cor” retrata as questões raciais presentes na sua vida enquanto uma mulher negra. Midria conta que a ideia do título está ligada ao fato de que questões como fazem parte até mesmo da sua vida familiar. “Vão ter espaços que vão me ver mais facilmente como negra e outros espaços que vão ficar na dúvida. Nasci em uma família inter-racial, meu pai negro e minha mãe branca. Não se racializa o debate dentro da família, mas na hora de falar de cabelo, são racismos sutis que aparecem”, diz.

    Ajude a Ponte!

    Midria perguntava para a vó qual era sua cor e só foi se reconhecer como uma mulher negra quando estava no ensino médio, com o processo de transição capilar. Hoje, a poeta continua pautando todos esses temas e acompanha escritoras negras como Patrícia Meira, Mel Duarte, Luz Ribeiro e Ryane Leão.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas