Para eles, a mobilização é necessária para o caso não cair no esquecimento: “ele deu a vida para gritarmos basta”; morador relata caso de agressão e racismo da PM
“Também poderia ter sido um dos jovens que eu dou aula”. O desabafo da arte-educadora Larissa Aparecida Teixeira de Avelar, 22 anos, sai como resposta ao sequestro e assassinato de Guilherme Guedes, 15 anos, ocorrido na zona sul da cidade de São Paulo, no domingo (14/6). Na quebrada, a população tem se mobilizado para que o caso não seja esquecido.
São mais de duas décadas vivendo no entorno de Americanópolis. Larissa reconhece que a violência policial é uma constante, longe de ser um fato isolado a morte de Guilherme. Um dos suspeitos de cometer o crime é Adriano Campos, um policial militar, preso desde quarta-feira (17/6). Ele é dono de uma empresa irregular de segurança particular.
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Para a arte-educadora, é necessário se mobilizar. Tanto que ela esteve presente em atos para cobrar respostas do Estado pela morte do adolescente. “Temos que nos sensibilizar pela família, pela comunidade, porque não é uma coisa individual, é uma questão coletiva. Protestamos, nos manifestamos para não acontecer mais”, explica.
“Tem essa coisa de sempre falar que a periferia não sabe se impor, não sabe protestar”, avalia Larissa. “Então qualquer lixeira queimada vira motivo de notícia maior. O que importa é mostrar nós, pretos da periferia, como vândalos, não como pessoas ativistas, atuantes na comunidade”, critica.
Articulador cultural e morador da região de Vila Clara e Americanópolis, Vinícius Cruz, 33 anos, conta que há um foco da polícia nos jovens pretos na quebrada. Ele diz que ficou marcado, aos 32, pela primeira agressão policial que sofreu. Os ataques racistas sofridos enquanto era agredido nunca mais saíram da memória dele.
Ele saía do trabalho, no Céu Caminho do Mar, quando foi abordado por cinco policiais. “Um estava com a pupila dilatada e pediu meu RG. No que fui pegar, demorei 5 segundos e ele me deu um tapa no rosto”, relembra.
Enquanto era agredido, outro PM apontava uma escopeta para sua cabeça. “Por que eu apanhei? ‘Porque você é preto, macaco filho da puta’, falaram isso. ‘Sai fora para você não morrer. Reage!’. Como você reage com uma escopeta na cabeça?”, afirma.
Vinícius conta que, na hora, sua vontade era reagir. “Mas aí você morre e sua mãe não te tem no outro dia. E essa é a dor do Guilherme. Não pôde reagir. Foi se defender e tomou um tiro na mão. Bateram, torturaram, deram tiro na cabeça”, diz.
Não é só por Guilherme. É por toda a quebrada
Coletivamente também há uma espécie de alvo comum quando se vive na quebrada. A Ponte conversou com um morador da Vila Clara, onde Guilherme vivia com a avó, sob condição de anonimato. Segundo ele, as violências da Polícia Militar filmadas na segunda-feira (15/6), com pessoas socadas e chutadas em abordagens, são normais por ali.
“É fácil para caramba você morar em Moema. Você morar na periferia o atendimento é outro”, diz. “Aqui os caras já chegam esculachando, pisando no pescoço. Eu já fui agredido e esculachado na frente de minha família”, relembra.
O jovem relembrou do episódio em que o empresário Ivan Storel, 49 anos, morador de Alphaville, xingou PMs que chegaram em sua casa para atender um chamado de violência doméstica. “Você é um bosta. É um merda de um PM que ganha mil reais por mês, eu ganho 300 mil reais por mês. Quero que você se foda, seu lixo do caralho”, disse o empresário, à época. O Ministério Público o denunciou por desacato e resistência.
“Você vê, aconteceu aquele caso do cara lá de Alphaville e ninguém pôs a mão nele. Vai fazer isso aqui na periferia para você ver”, afirma. “Você está na porta da sua casa os caras passam e acham que você é marginal”.
Ele explica que as manifestações pelo sequestro e assassinato de Guilherme são motivadas pela revolta. “A causa é justa, o moleque morreu, mas a gente sabe que tem um monte de moleque aproveitador. É fácil para caralho para quem está de fora falar [criticar], mas vem para o gueto, o baguio é louco”, diz.
Há outros casos de violência vividos por jovens negros nesse pedaço da zona sul paulistana. Em 2019, dois funcionários do supermercado Ricoy amarraram um adolescente de 17 anos e o torturaram quando ele foi pego tentando sair do estabelecimento com barras de chocolate sem pagar. Eles eram funcionários terceirizados de uma empresa de segurança que tinha entre os sócios um PM.
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O supermercado fica na avenida Yervant Kissijikian, na Vila Missionária, vizinha da Vila Clara. A violência foi cometida por Valdir Bispo dos Santos e David Oliveira Fernandes, vigias terceirizados do supermercado, e teve como reação protestos de moradores da região contra violações de direitos humanos.
Movimentos negros protestaram em frente ao supermercado, cobrando responsabilização dos seguranças. Dali para frente, grupos se mobilizaram na área da zona sul para denunciar violações, que estão muito longe de representarem casos isolados.
Anderson John, comunicador que mora na Vila Clara, conta que atua na comunidade para colocar a garotada na faculdade. O foco é na educação. Com a pandemia de coronavírus, o trabalho aumentou para assistência social.
Com tanta demanda, viu outras pessoas se mobilizando e decidiram unir forças. Foi quando surgiu o Atitude, coletivo que presta assistência com alimentação, ajuda jurídica e também auxilia em protestos, como o ato de terça-feira feito pela família de Guilherme.
“A morte do Guilherme nos atingiu diretamente. É constante na periferia que policiais matem. Quando acontece, a revolta aumenta”, diz. “Foi importante para despertar a mídia, a juventude, o bairro, o que aconteceu com a gente”, explica, sobre a queima dos ônibus. “O Guilherme deu a vida dele para a gente gritar Justiça, para gritar basta”.
Na terça, tentaram evitar ações como esta por conta do aparato policial. Como havia muitos jovens, ele considerou perigoso. “Qualquer coisa que saísse do controle colocaria a vida dessas pessoas em risco. Sabemos a forma com que a polícia estava chegando, com o Choque… Tudo ali ao redor era muito grande, muito forte”, diz.