Motorista de ônibus contou que não estava em casa quando policiais invadiram o local após quebrarem a fechadura; ações policiais tiveram início há duas semanas, após sumiço de duas amigas na favela, uma delas foi encontrada morta
Moradores da Favela Paraisópolis, na Vila Andrade, zona sudoeste da capital paulista, se queixam que, há cerca de 15 dias, as ações policiais na segunda maior comunidade do estado se tornaram mais violentas, com casas sendo invadidas e destruídas. Segundo eles, tais operações tinham o pretexto de encontrar duas mulheres que desapareceram enquanto estavam numa danceteria na região. A Secretaria da Segurança Pública confirma as incursões em Paraisópolis e diz que elas fazem parte da Operação Saturação, na qual 19 pessoas foram presas, quatro foragidos recapturadas e um adolescente apreendido.
A Ponte conversou com um motorista de ônibus, que preferiu não se identificar por medo de represálias, que contou ter tido prejuízos após a invasão de PMs a sua casa. No momento da invasão, por volta das 10 horas da sexta-feira (18/6), nem ele, nem a esposa e nem a filha pequena do casal estavam na residência. Mesmo assim, policiais do Choque, segundo os vizinhos, entraram no imóvel. O homem contou à reportagem que “arrebentaram a fechadura, quebraram a descarga do banheiro e reviraram a casa inteira. Uma covardia, uma falta de respeito, policiais sem preparo e sem treinamento. Não é só eu, muita gente está reclamando”.
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Uma das abordagens foi gravada pelos moradores. Nela, um jovem é parado por policiais militares do Choque em uma viela. Num primeiro momento, ele grita desesperado chamando por sua mãe. Já uma segunda imagem, essa mais aproximada, o homem está sentando conversando com uma mulher, que aparenta ser sua mãe, e um policial.
A página no Instagram Sobre Paraisópolis publicou um vídeo em que o suposto rapaz abordado comenta a ação. “Boa tarde. Eu sou o menino que os caras pegou. Os caras queriam jogar 2,5 kg de cocaína nas minhas costas. Queriam me levar preso, queriam rasgar meu RG. Minha sorte foi que minha mãe apareceu na hora, por que senão os caras iriam me levar. Eles queriam saber onde era o barraco bomba, eu não sabia de nada”.
Em um outro vídeo, na mesma página, uma mulher conta que policiais invadiram a casa da sua irmã. “Aqui na favela de Paraisópolis, na nossa comunidade, é o que a gente sofre: é agressão, é opressão, é polícia invadindo casa. Semana passada eles estavam aqui, eles invadiram a casa da minha irmã, trabalhadora”.
A permanência da polícia no local, segundo moradores, está relacionada ao sumiço de duas amigas, que desapareceram após irem até uma casa noturna no interior da favela no dia 3 de junho. O DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) investiga o encontro do corpo de duas mulheres no último dia 15, que estavam nas margens do trecho Sul do Rodoanel, em Itapecerica da Serra. Um dos cadáveres já foi identificado e se trata realmente de uma das moças. Ao serem localizadas, ambas estavam sujas de terra e em estado de decomposição, o que leva a polícia a crer que elas haviam sido enterradas num primeiro momento, mas que devem ter sido desenterradas para que pudessem ser encontradas por populares ou pela polícia.
Procurado pela reportagem, Gilson Rodrigues, líder comunitário de Paraisópolis e presidente do G10 Favelas, confirmou as queixas dos moradores. “Nas últimas semanas, recebemos diversas denúncias de abuso policial em Paraisópolis. Há relatos de invasões em casas e comércios e de jovens sendo agredidos nas ruas. Nós, moradores de favela, não devemos ser tratados de forma diferente de bairros nobres. Não somos contra o trabalho da polícia, mas repudiamos qualquer forma de agressão.”
Gilson também se mostrou chateado com o “sensacionalismo” que permeia a comunidade toda vez que um crime acontece no local. “Estamos cansados desse sensacionalismo todo em cima da comunidade. Chega de generalizar. As pessoas estão com medo, nossas crianças, que já tinham dificuldades de irem para a escola devido ao coronavírus, agora ficam em suas casas por medo de sofrerem alguma brutalidade por conta da ação de alguns policiais e não chegarem até o seu destino”.
O líder comunitário ainda fez um apelo, pedindo para que os moradores filmem as abordagens e encaminhem para os líderes comunitários para denunciar todos os abusos. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) também pontuou que “toda denúncia pode ser registrada na Corregedoria da PM”.
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Levantamento da reportagem tendo como base o blog da Polícia Militar apontou que, ao menos cinco ações foram realizadas pela corporação em Paraisópolis no período de dez dias, a mais recente delas em 21 de junho. Naquele dia, policiais do 2° Batalhão de Choque abordaram um homem em uma motocicleta que havia sido furtada. A pessoa foi detida e encaminhada para o 89° DP (Portal do Morumbi). Um dia antes, o 5° Batalhão de Choque (Canil), estava pela Rua Itamotinga quando o cão farejador Machi “indicou odor específico de drogas proveniente de um barraco inabitado”. Além de drogas, segundo a PM, foram localizados explosivos e balanças.
A polícia também pontuou o encontro de animais que estavam em cativeiro. “A Polícia Militar Ambiental resgatou e apreendeu 41 pássaros e dois ovos de Azulão durante a Operação Paraisópolis, deflagrada nesta quinta-feira (17) na zona sul da Capital. Durante a ação dois homens foram autuados pelo crime ambiental. Os pássaros foram localizados por policiais do Grupo Especial de Policiamento Ambiental em Área de Risco (GEPAAR), com apoio do Comando de Policiamento de Choque (CPChoque), em duas residências no interior da comunidade. No primeiro endereço foram resgatados quatro pássaros das espécies Coleirinho, Baiano e Canário da Terra. Já no segundo imóvel localizadas as outras 37 aves, sendo 13 Coleirinho, nove Trinca Ferro, quatro Azulão e dois ovos da mesma espécie, três Cardeal-do-nordeste, dois Baiano e dois Brejal, além de um exemplar das espécies Pássaro Preto, Bicudo, Sabia Laranjeira e Tiziu”.
Em nota, a SSP informou que “a Polícia Militar realiza, em Paraisópolis, a Operação Saturação, com o objetivo de intensificar o policiamento na região. Desde 15/6 até hoje (23), os policiais prenderam 19 criminosos em flagrante, recapturaram quatro procurados pela Justiça e apreenderam um adolescente infrator. Mais de 100 quilos de drogas foram apreendidos, 187 veículos vistoriados e três armas retiradas das ruas. As imagens serão analisadas pela instituição. Toda denúncia pode ser registrada na corregedoria da PM, que está à disposição para apurar os fatos”.
Em outra nota, a SSP explicou que “a Polícia Civil, por meio da Divisão de Homicídios, do DHPP, investiga o encontro de dois corpos, na região de Itapecerica da Serra, na manhã de terça-feira (15). Os corpos foram levados ao IML. Um deles foi identificado como sendo de uma das mulheres que estava desaparecida desde o começo do mês. Em relação ao segundo corpo, está em andamento a coleta de novos elementos que auxiliem na confirmação da identidade da vítima. As investigações seguem pelo DHPP que atua para esclarecer as circunstâncias do crime, assim como identificar os autores”.
[…] à violência policial na comunidade, na tarde desta terça-feira (29/6). Nos últimos 15 dias, eles têm denunciado invasões de casas, agressões e abordagens truculentas realizadas pela Políci… por causa do desaparecimento de duas mulheres, em de 3 junho, após terem ido a uma festa na […]