Mortes pela PM representaram 14% dos homicídios de SP em agosto

Apesar de queda na letalidade policial, de 49 no ano passado para 38, taxa ainda é considerada alta por pesquisadores

Em sequência: Clayton Abel de Lima, 19, e Lelis Henrique Gadioli dos Santos, 28. | Fotos: reproduções/Facebook

A morte do motoboy Lelis Henrique Gadioli dos Santos, 28, está a prestes de completar dois meses. Em 12 de agosto, ele foi baleado a caminho da casa de um amigo quando os soldados Felipe da Silva Della Rosa e Fábio Henrique Rivelo Simião o abordaram e alegaram que ele estava armado, o que a família nega. Uma semana após a morte do rapaz, a avó dele também faleceu, de tristeza, em São José dos Campos, no interior paulista. O jovem é uma das 26 pessoas mortas pela polícia durante o serviço, sob a alegação de confronto, em agosto deste ano.

Nos casos em que o policial estava de folga, esse número chegou a 12. Clayton Abel de Lima, 20, foi uma das vítimas. Recebeu um tiro no peito do cabo Silvio Pereira dos Santos Neto, 29, com quem estava em um bar zona norte da capital paulista, como a Ponte revelou em 7 de agosto. O policial disparou porque achou que Clayton tinha furtado seu celular, mas ele tinha esquecido no próprio carro, e ainda teria mentido de que reagiu a uma tentativa de roubo. Silvio está preso, foi acusado por homicídio qualificado, e está prevista uma audiência sobre o caso para 17 de novembro.

Ao todo, 38 pessoas foram mortas pela Polícia Militar no estado em agosto deste ano. No mesmo período do ano passado, foram 49. Ao compararmos os oito meses do ano, foram 402 mortes ou quase duas mortes por dia; em 2020, no mesmo intervalo, foram 598, uma diferença de 32,7%. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública divulgados no Diário Oficial do Estado.

Na reportagem sobre 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o pesquisador e cientista em Humanidades pela UFABC (Universidade Federal do ABC) Dennis Pacheco explicou que um dos indicadores usados para medir o uso excessivo da força é comparar homicídios dolosos e mortes praticadas pela polícia. Segundo estudos de Ignacio Cano, o ideal é a proporção de 10%, e Paul Chevigny sugere que índice maior de 7% é considerado abusivo. Em agosto deste ano, a porcentagem no Estado de São Paulo foi de 14%.

Para o gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz Felippe Angeli, a redução do índice em comparação com os recordes de violência atingidos no ano passado é considerada positiva, mas é preciso observar as complexidades do contexto e também pautar para que a letalidade continue caindo. “A gente precisa ver como isso evolui, se é de fato uma tendência ou só um suspiro que não vai se manter”, aponta. “Esse monitoramento a partir das câmeras [na farda] dos policiais em serviço tem demonstrado um efeito positivo, mas não há panaceia, é preciso ser discutido como o programa tem sido executado, e sem dúvidas há uma decisão institucional da polícia e da Secretaria da Segurança Pública em estar comprometidos com a queda da letalidade”.

Em relação aos homicídios dolosos, a diferença entre agosto deste ano e no ano passado foi pequena, subindo de 225 para 235. Para Angeli, São Paulo segue uma tendência que destoa do país ao conseguir reduzir o número de homicídios desde 2000 e que a dinâmica de conflitos entre o crime organizado pode ter sido afetado pela pandemia, já que houve uma redução em 2019, um aumento em 2020, e agora “parece caminhar para uma redução”. “Os nossos índices são bons, mas ainda seis vezes superiores aos europeus em geral porque a gente tem uma média seis homicídios a cada 100 mil habitantes, o que para o Brasil e para as Américas é fantástico, nem cidades dos Estados Unidos têm esse nível”, aponta. “Para conseguir continuar reduzindo, é necessário que se tenha mudanças estruturais na sociedade e eu acredito que São Paulo está em um ponto bom, que pode ser melhor, e cuidar para não reverter.”

Também no período houve aumento de 4,5% dos casos totais de estupro em agosto: de 953 para 998. De janeiro a agosto, o índice foi 9,2% superior ao mesmo intervalo de 2020: de 6945 para 7652 casos. Em relação aos crimes patrimoniais, os aumentos mais expressivos em agosto foram de roubo (19,9%) furto (30,6%) e furto de veículo (27,9%).

Para Angeli, uma hipótese em relação aos registros de estupro é a flexibilização do isolamento. “Vimos que no período mais restritivo da pandemia, as vítimas ficavam muitas vezes presas com seus agressores e a dificuldade de denunciar era maior. Considerando que já é um tipo de crime subnotificado, podem se tratar de ocorrências que não foram denunciadas antes”, analisa.

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Já sobre os crimes patrimoniais, o pesquisador avalia de decisões a nível federal também impactam os estados e que o aumento da inflação, por exemplo, que ficou em 0,87% em agosto, maior índice para o referido mês desde 2000, e 9,68% no acumulado de 12 meses, pode contribuir para os números. “A gente não pode esquecer que crime é um fenômeno social, então há dinâmicas do próprio contexto social, como a volta do sequestro relâmpago por causa do Pix, que é algo que a gente não via há um tempo em São Paulo, mas é difícil olhar o dado sozinho, é preciso ver a tendência”.

O que diz o governo

A Ponte procurou a assessoria da Secretaria da Segurança Pública a respeito dos índices e aguarda uma resposta.

Metodologia

As estatísticas usadas nesta reportagem foram retiradas dos comunicados publicados mensalmente pelo gabinete do secretário da Segurança Pública no Diário Oficial do Estado de São Paulo. Os dados de julho podem ser vistos aqui e os de agosto, aqui — os dos meses anteriores já haviam sido compilados pela reportagem da Ponte, sempre com base nos relatórios do Diário Oficial. Para chegar ao Número de mortos pela PM (primeiro gráfico da reportagem), somamos dois campos do relatório original: Pessoas mortas em confronto com a polícia militar em serviço e Pessoas mortas por policiais militares de folgaO número obtido por essa soma, em seguida é usado no cálculo da Porcentagem dos mortos pela PM sobre o total de homicídios (segundo gráfico). O item "total de homicídios" reúne tanto os homicídios dolosos no geral como as mortes cometidas pela polícia — embora o governo não chame os mortos pela PM de homicídios, os estudos sobre o tema, de Ignacio Cano e Paul Chevigny, apontam que, para efeitos de análise, essas mortes também devem ser incluídas quando se analisa o total de mortes violentas intencionais.

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