Câmera na farda: por que equipamento está longe de ser uma ‘revolução’ na letalidade policial

Promessa antiga em São Paulo, implantação de aparelhos retornou após diversos episódios de violência e causou alvoroço quando mortes praticadas pela PM de 15 batalhões caiu a zero; estudos e especialistas apontam que a tecnologia não deve ser vista como solução

Coletiva de imprensa do governo do estado em 10/02/2021, quando a compra das câmeras corporais foi anunciada | Foto: Governo do Estado de SP/Divulgação

Era 13 de maio de 2019 quando o governador João Doria (PSDB) postava em seu Twitter que tinha visitado o Departamento de Polícia de Nova York, nos Estados Unidos, para conhecer “novas tecnologias” com o objetivo de aplicar nas polícias Civil e Militar do estado de São Paulo. Uma delas, dizia, eram as body cams, ou seja, câmeras corporais a serem presas nas fardas de policiais, cuja promessa era que até o final daquele ano fossem implementadas no patrulhamento. Em 2021, quando esses equipamentos começaram a ser utilizados, o procurador-geral de Justiça de São Paulo Mário Luiz Sarrubbo chamou a tecnologia de “revolução”. Nem todo mundo concorda.

A Folha de S. Paulo havia antecipado em abril de 2019 que seriam contemplados os batalhões que atuam na Freguesia do Ó, Mooca, Heliópolis e Capão Redondo, na capital, Santos, no litoral, e Sorocaba, no interior. A justificativa eram reclamações de ações da tropa e casos de violência doméstica. Na ocasião, à Folha, o tenente-coronel Robson Cabanas Duque, que é autor de uma tese de doutorado sobre o assunto na Academia de Polícia Militar do Barro Branco, disse que o edital de licitação sairia nos próximos dias. Não saiu. Em agosto de 2019, o governo do estado abriu um chamamento público para receber, por doação, 200 câmeras corporais. As doações foram feitas pela Motorola, cujo convênio, sem recurso para empresa, foi estendido em abril de 2020 com validade de cinco anos, conforme publicação no Diário Oficial. A Ponte não encontrou contrato de convênio, mas o hotsite da PM, em que apenas os equipamentos da Motorola aparecem nas fotos, indica que podem ser ligados e desligados pelo policial, sendo que, quando acionada para gravar a ocorrência, a filmagem inicia pelo menos 60 segundos antes de apertado o botão.

Foram câmeras do modelo Motorola, inclusive, que não estavam ligadas quando acopladas nas fardas dos soldados André Luiz Ferreira de Santana e David Rodrigo Ribeiro, em 16 de maio de 2021, como revelou a Ponte no começo deste mês. O jovem Vitor Gomes Cleace, 21, morreu após perder o controle de sua moto ao ser atingido por um cassetete jogado por André enquanto dirigia na região do Capão Redondo, na zona sul da capital paulista. O caso só deixou de ser investigado como morte por acidente de trânsito quando moradores conseguiram imagens de câmera de segurança de um mercado que gravou o momento em que o PM joga o cassetete em direção ao rapaz. No ofício obtido pela reportagem, a corporação aponta que os aparelhos não estavam ligados porque naquele momento os PMs não estavam atuando em uma ocorrência, por estarem estacionados num posto de gasolina. A Polícia Civil indiciou André por homicídio por dolo eventual (assumiu o risco de provocar a morte), mas o Ministério Público Estadual e o Tribunal de Justiça entenderam que o soldado não teve culpa pois a intenção era atingir a moto. O caso deve ser remetido à Justiça Militar.

O recurso e o anúncio de Doria não eram necessariamente uma novidade. Em janeiro de 2017, quando seu antecessor, Geraldo Alckmin (PSDB), ainda estava no governo de São Paulo, a Ponte questionou sobre o projeto-piloto de aquisição de 120 aparelhos a serem testados num período de quatro meses nos comandos de quatro batalhões: Choque, Ambiental, Trânsito e Área de região central. As câmeras, assim como no anúncio de 2019, poderiam ser ligadas e desligadas pelos policiais militares. A reportagem foi ignorada pela Secretaria de Segurança Pública durante uma semana e depois o major Victor de Freitas Carvalho, então chefe da Divisão de Imagens da PM, deu entrevista à GloboNews sobre o assunto afirmando que a tecnologia iria “melhorar a segurança do policial, dar legalidade, transparência e legitimidade às ações que os policiais desenvolvem”. Porém, sobre a opção de liga-desliga, o major ressaltou ser um ponto “desfavorável”, mas que era preciso também resguardar a privacidade do policial.

Esses testes de 2017 e 2019 não foram mencionados mais. Na tese de Cabanas Duque de 2017, a que a Ponte teve acesso, é descrita que a primeira experiência não deu certo. As 120 câmeras foram compradas por R$ 280.800,00, vendidas pela AS Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ltda., conhecida como Grupo Alpha Secure. Foram distribuídos 34 kits para cada um dos quatro comandos de batalhões a serem avaliados entre 11 de janeiro e 10 de maio daquele ano. Ele cita o caso dos batalhões 7° BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), 11° BPM/M, 13° BPM/M e 45° BPM/M, do Comando de Policiamento da PM na área central da capital.

“A grande dificuldade encontrada pelos policiais se resume à obrigatoriedade de permanecer com as câmeras individuais ligadas ininterruptamente, o que por consequência, esgotou as baterias em poucas horas de serviço e sobrecarregou o sistema com uploads de longos vídeos”, escreveu. “Em virtude disso, muitas câmeras individuais não estavam prontas para a próxima escala. Assim, o experimento não seguiu nenhum tipo de padrão tornando impossível aferir qualquer resultado no que tange as potencialidades das câmeras individuais na redução de queixas e denúncias e redução do uso da força.”

Câmeras corporais do modelo Motorola. | Foto: PMESP/Divulgação

Em junho de 2020, Doria havia anunciado novamente que 500 câmeras passariam a ser incorporadas às fardas em agosto daquele ano, além de um retreinamento da corporação e a criação uma Comissão de Mitigação na PM para acompanhar os casos de violência policial. A declaração se deu após o abril mais violento da série histórica de mortes praticadas pela polícia, em plena pandemia, além de diversos casos de agressões que foram filmados em São Paulo. Maio daquele ano, no âmbito internacional, contou com diversos protestos contra a violência policial nos Estados Unidos que tiveram ampla repercussão, após George Floyd, 48, um homem negro, ter sido filmado por mais de nove minutos sendo asfixiado pelo então policial Derek Chauvin, que colocava o peso do seu joelho no pescoço dele, na cidade de Minneapolis. Floyd morreu. Chauvin usava body cam e não se sentiu intimidado enquanto era registrado pelo celular de uma testemunha – cujas imagens foram reproduzidas à exaustão pela imprensa e viralizaram nas redes sociais.

Além disso, em 12 de julho de 2020, o programa Fantástico, da TV Globo, mostrou filmagem chocante gravada por um celular em que um PM aparece pisando e colocando todo o peso do seu corpo em cima do pescoço de uma mulher negra já rendida no chão. O caso ocorreu em maio daquele ano em Parelheiros, no extremo sul da capital paulista. No boletim de ocorrência, o cabo Ricardo de Morais Lopes e o soldado João Paulo Servato ainda mentiram sobre terem sido agredidos com uma barra de ferro. Eles estão respondendo por falsidade ideológica, inobservância de lei, regulamento ou instrução e por constranger com violência na Justiça Militar. Com a divulgação do vídeo, o governador postou em suas redes sociais no mesmo dia informando que os PMs foram afastados, o que não havia ocorrido até então, e que as cenas “causam repulsa”. No dia seguinte, reforçou sobre a aquisição das câmeras corporais. Em nenhum momento repudiou a alta da letalidade policial ou tornou uma prioridade da gestão. Pelo contrário.

Durante a campanha de 2018, Doria dizia que a Polícia Militar iria “atirar para matar” e, já no cargo, afirmou que “bandido não vai para delegacia, nem para a prisão, vai para o cemitério“. O discurso mudou, na avaliação de especialistas, quando ocorreu o massacre de Paraisópolis, em que nove jovens foram mortos durante ação de dispersão da PM na comunidade da zona sul da cidade, em dezembro de 2019. No mês passado, o Ministério Público denunciou 12 policiais por homicídio qualificado, ao entender que assumiram o risco de provocar as mortes ao terem agido de forma truculenta no local. A denúncia foi aceita pela Justiça. “Ali foi um divisor de águas”, analisa Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutora em Administração Pública cuja tese trata das motivações que levam PMs a matarem.

Ela também aponta uma tentativa de descolamento da imagem BolsoDoria que o elegeu em 2018, tornando-se um opositor ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) – o qual tentou emplacar a ampliação do excludente de ilicitude e que tem na categoria policial diversos apoiadores – especialmente na condução da pandemia. “Reduzir a letalidade da polícia é uma decisão político-institucional”, pondera. “Se você tem um governador e um comandante da polícia comprometidos a reduzir a letalidade, ela cai. Mas se você tem um governador e um comandante que aderem a um discurso mais violento e estimulam a polícia a usar a força letal, esse índice tende a crescer.”

Em 2019, Doria prometeu os “melhores advogados” para defender policiais que matassem em serviço, nomeou um PM que atuou no massacre do Carandiru para comandar a Secretaria da Administração Penitenciária e vetou a criação de um órgão para o combate à tortura. Ainda naquele ano, impôs um decreto para limitar o direito à manifestação e viu sua polícia aumentar e letalidade policial sem criticar os números. Também elogiou publicamente policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa mais letal da corporação paulista, que matou 11 na cidade de Guararema em setembro daquele ano, homenageando os PMs antes de qualquer investigação. Na época, a Ouvidoria das Polícias fez um relatório em que indicava que quatro dos 11 mortos não reagiram à ação.

Em 11 meses de mandato, a gestão aumentou de 5 para 9 o número de Baeps (Batalhões de Ações Especiais de Polícia) presentes no estado, conhecidos como “mini-Rotas”, fazendo o número de municípios abrangidos por esses batalhões saltar de 117 para 382, como mostrou reportagem da Ponte publicada em dezembro de 2019. Naquele ano, levantamento da Ouvidoria das Polícias apontou que o Baep de Santos liderava o ranking de batalhões mais mortais entre janeiro e novembro.

Além disso, há também um decreto de Doria atrelado a uma interpretação do pacote anticrime que inviabiliza a investigações de mortes cometidas por PMs ao determinar que os policiais sejam ouvidos apenas na presença de um advogado. A Caixa Beneficente da corporação seria a responsável pelo custeio dos defensores. Segundo o UOL, ao menos 300 inquéritos ficaram parados por isso. A Ponte perguntou, em maio deste ano, via Lei de Acesso à Informação, quantos policiais foram atendidos por essa assistência jurídica e quanto foi desembolsado para advogados. A corporação respondeu que ainda não há PMs beneficiados pois falta a regularização via resolução da Secretaria de Segurança Pública bem como edital de credenciamento para advogados e portaria conjunta entre a Caixa Beneficente e a PM.

Depois do episódio em Parelheiros, parece que o processo das body cams ficou mais célere. Já em 22 de julho de 2020, ou seja, 12 dias depois da divulgação do vídeo, Doria anunciou em seu Twitter que incorporaria três mil aparelhos às fardas e que 585 já haviam sido entregues por doações da iniciativa privada – a Motorola – e começariam a ser testadas em agosto daquele ano. Foi também em julho de 2020 que o comando da PM proibiu o uso do golpe de enforcamento ou mata-leão para imobilizar pessoas em abordagens após diversos casos terem sido registrados nos quais as vítimas não ofereciam resistência. Para Debora Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, em entrevista à Ponte na época, a medida não era suficiente sem a discussão do racismo dentro da corporação. “Não adianta proibir essa tática se o Estado não tirar o dedo do gatilho, que é um vírus letal, não faz curva e só atinge a população negra, pobre e periférica”, criticou.

A Ponte chegou a enviar um pedido de Lei de Acesso à Informação em abril deste ano perguntando quais batalhões estavam usando os aparelhos e quais eram os critérios de seleção para o teste. A corporação respondeu que as 585 câmeras contemplavam 11º BPM/M (que atua na região da Avenida Paulista, bairro da Bela Vista, Paraíso, Chácara Klabin, Cambuci, Jardins, Belenzinho e Mooca), 13º BPM/M (que atua na região central, como nas regiões de Luz, Santa Cecília, Higienópolis) e 37º BPM/M (no Capão Redondo, onde o tenente-coronel Cabanas Duque foi comandante). Sobre os critérios, a PM disse, de forma vaga, que “são feitos estudos de inteligência com base na necessidade e estratégia de comando ante a análise da necessidade local (estudo de criminalidade), aliado ao fato do estudo de viabilidade técnica operacional para implementação do sistema de forma gradativa e geral”. Até então, a Rota não fazia parte.

Em 15 batalhões, mortes chegam a zero

O processo de licitação para a compra das câmeras corporais foi publicado em outubro de 2020 a fim de adquirir 2.500 aparelhos, já o de estrutura para armazenamento dos vídeos foi publicado em julho do mesmo ano. No edital, há o projeto de como devem ser os equipamentos, mas o acesso ao público é limitado na parte de emprego operacional dos aparelhos, ou seja, em quais batalhões serão empregados. Apenas as empresas participantes do pregão tinham acesso.

O consórcio formado pela brasileira Advanta e a norte-americana Axon, antes conhecida como Taser International, foi o vencedor da licitação em fevereiro deste ano, pelo total de R$ 36.540.00,00, com vigência de 30 meses. O custo mensal é de R$ 1.215.000,00. A Axon é uma das empresas mais conhecidas nos Estados Unidos pelo fornecimento desse tipo de equipamento.

Diferentemente da utilização da Motorola, com o liga-desliga opcional, o projeto previa que a gravação do aparelho fosse ininterrupta por turno de 12 horas, que é o tempo de trabalho de um PM, a partir do momento que a câmera fosse retirada da doca, ou seja, da estrutura de armazenamento. O tipo de registro, no entanto, acontece com recursos e qualidade diversas de quando o policial está atuando em uma ocorrência ou não. Durante o turno, as gravações de “rotina” consideradas “sem interesse policial” são gravadas com uma resolução menor, de 480 pp. Em entrevista à Associação Defenda PM, em julho, o coronel Robson Cabanas Duque disse que esse registro também não tem som com o objetivo de garantir a privacidade do policial.

Já quando o policial inicia uma abordagem, é chamado para atender uma ocorrência ou estabelece qualquer relação com o público, ele deve acionar o registro de gravação, o qual deve recuperar alguns minutos antes do acionamento manual. A resolução é maior, de 720 pp, e também registra som. Nessa entrevista, o coronel também afirma que são 90 segundos recuperados antes do acionamento intencional. Essas imagens são armazenadas em estruturas nas quais não são permitidas edição ou compartilhamento. À Defenda PM, o coronel disse que se um policial tentar filmar a tela ou fazer uma captura do frame das imagens disponíveis em um programa de celular, essas ações vão ser detectadas. O público também não pode solicitá-las via Lei de Acesso à Informação, cabendo apenas às partes envolvidas na gravação esse acesso, além de Ministério Público e Tribunal de Justiça. As imagens de “rotina” são guardadas por até 60 dias, as de gravação intencional por até um ano. A Ponte pediu entrevista ao coronel tanto por contato direto, que não respondeu, quanto via Secretaria de Segurança Pública, que negou. Cabanas Duque também é Chefe de Comunicação da PM.

Exemplo de diagrama do projeto de aquisição das câmeras corporais DTIC nº 2020183016 | Foto: Reprodução

Em abril deste ano, reportagem da Folha de S. Paulo revelou que a Rota e outros 14 batalhões passariam a usar o equipamento proveniente dessa licitação, com menção de três Baeps: de Santos, Campinas e Sorocaba.

Não foram detalhados os batalhões, mas a PM respondeu essa questão em março, a partir de um requerimento de informação (leia aqui) do deputado estadual Tenente Coimbra (PSL), explicando também que a expansão do projeto está prevista no Orçamento de 2022 – cuja meta é de aquisição de 7.500 aparelhos com desembolso de R$ 41.996.605,00.

  • 1º Batalhão de Choque (Rota)
  • 1º Baep de Campinas
  • 2º Baep de Santos
  • 3º Baep de São José dos Campos
  • 6º Baep que atua em São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul
  • 15º BPM/M de Guarulhos
  • 16º BPM/M de São Paulo
  • 18º BPM/M de São Paulo
  • 23º BPM/M de São Paulo
  • 28º BPM/M de São Paulo
  • 33º BPM/M que atua em Carapicuíba e Cotia
  • 38º BPM/M de São Paulo
  • 43º BPM/M de São Paulo
  • 46º BPM/M de São Paulo
  • 48º BPM/I que atua em Sumaré e Hortolândia

O Estado de S. Paulo apontou que a taxa de letalidade policial nessas 15 unidades caiu a zero em maio. Ao jornal, o procurador-geral de Justiça de São Paulo Mário Luiz Sarrubbo declarou que o equipamento é uma “revolução” porque seria apresentada a “realidade dos fatos” e os promotores e advogados teriam “provas contundentes” nos processos. O deputado estadual Coronel Telhada (PP), que já foi favorável ao projeto quando as câmeras poderiam ser ligadas e desligadas, já se mostrou contrário à gravação ininterrupta por “ferir a privacidade do PM” em entrevista ao jornal.

No começo de agosto, a Folha também indicou que agora com 18 batalhões, a taxa de letalidade policial se manteve no segundo mês de testes com os aparelhos, sendo que apenas um deles teve uma ocorrência que resultou em morte. No entanto, a PM não disponibiliza dados por batalhões. A Ponte já tentou solicitar via Lei de Acesso à Informação, até a última instância, e o pedido foi negado sob a justificativa que seria um trabalho adicional e que os números já divulgados de mortes decorrentes de intervenção policial eram suficientes. Na tese do coronel Cabanas Duque, há dados dos batalhões que tiveram o maior número de ocorrências envolvendo mortes, lesões corporais, reclamações e denúncias na Ouvidoria das Polícias e na Corregedoria da corporação, além de audiências de custódia, entre 2015 até agosto de 2017.

MDOIP – Morte decorrente de oposição à intervenção policial; RSLC – Resistência seguida de lesão corporal. Dados são de até agosto de 2017 | Foto: Reprodução

É partir desses dados que ele sugere as unidades que poderiam experimentar as câmeras corporais. Esses números podem ter mudado em relação a 2020, mas, como apontado acima, esses dados são negados por batalhão e não tivemos como comparar, mas vemos que alguns desses batalhões estão na lista de teste com a câmera da Axon neste ano. O 16º BPM/M, que atua no Morumbi, na zona sul da capital, por exemplo, atua em Paraisópolis, onde ocorreu o massacre em 2019. O Baep de São Bernardo, que está testando os equipamentos, no entanto, foi criado em 2019. O 13º BPM/M foi indicado nos testes do equipamento da Motorola, mas o desempenho desse batalhão não tem sido divulgado.

Desde maio de 2020, após o recorde nos índices, as mortes praticadas pela polícia também têm reduzido, mas a taxa ainda segue alta, na avaliação de especialistas.

À Ponte, o ouvidor das Polícias de São Paulo Elizeu Soares Lopes considera que as câmeras podem “propiciar um controle efetivo da atividade policial” e que é importante o aparelho gravar independentemente da vontade do policial que está usando. “Se os policiais em Santo Amaro estivessem usando as câmeras, com certeza a situação não teria terminado com a execução dos dois envolvidos”, disse ao se referir aos 30 tiros disparados por PMs contra dois jovens negros dentro de um carro em junho, na zona sul da capital – parte dos disparos foi registrada por uma testemunha. Para ele, a redução de letalidade desses 18 batalhões está associada também a uma “reação mais enérgica dos comandos sobre esses casos que resultam em morte, que passam a acompanhar esses casos” e a implantação de armas de incapacitação neuromuscular.

“O nosso GT (Grupo de Trabalho) também tem atuado para debater o racismo na instituição nesses últimos três meses e, ao final, vamos divulgar um conjunto de propostas”, pontuou o ouvidor, mas ainda sem indicar uma data para a divulgação.

Já a diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Samira Bueno ressalta que apesar dos resultados preliminares nesses batalhões serem positivos, é preciso que a implementação desses equipamentos sejam vistos com cautela. “Isso mostra que a ideia de um controle social, que esse policial está sendo filmado, observado, faz com que ele seja mais cauteloso com o uso da força, e mostra provavelmente que os homicídios praticados antes não eram necessários”, avalia. “Olhando para essas experiências internacionais de uso de body cams, a maior contribuição da câmera é a proteção do policial, inclusive contra denúncias falsas e casos que os policiais sejam vítimas, mais até do que redução da letalidade porque a gente não tem evidências científicas em outros países que mostrem que a câmera é efetiva a tal ponto de reduzir a letalidade da polícia de forma tão significativa”, pondera.

Revolução?

Essas discussões vêm sendo feitas com mais ênfase há pelo menos 10 anos em estudos em outros países que passaram a testar as body cams. O que costuma ser mais citado como experiência exitosa dos equipamentos é uma pesquisa de 2012 da Universidade de Cambridge feita na cidade de Rialto, no estado da Califórnia, Estados Unidos, em que foi testado o uso de 54 aparelhos por escalas de serviço. Vale destacar que a polícia nos EUA é municipal, sendo que, na época, eram 157 policiais para um total de cerca de 100 mil habitantes em Rialto. A tese de Cabanas Duque também cita esse estudo, apontando que foram 12 meses de análise (13/2/2012 a 13/2/2013) em 988 escalas, sendo que os policiais eram instruídos a gravar todas as interações com o público. Com relação ao uso da força, a redução foi de 67 para 25; as reclamações dos cidadãos foram de 24 para 3, comparando o período de análise com anterior.

Barak Ariel, um dos autores desse estudo e pesquisador do Instituto de Criminologia dessa universidade, também estudou outros distritos. Em 2016, estudou 2.122 policiais provenientes de oito unidades de seis jurisdições nos EUA cuja atuação cobre cerca de 2 milhões de pessoas. Não são identificados esses distritos. O relatório apontou que não houve diferença significativa sobre o uso da força em grupos que usaram as câmeras corporais dos que não usaram. A taxa de agressões contra policiais era 14% maior nos que usavam câmeras, mas esse índice foi puxado por apenas duas unidades policiais dos 10 grupos analisados. O dado, que é pontual, vai na contramão de estudos que relatam redução de investidas contra policiais que usam o equipamento. Já as demais unidades da pesquisa não tiveram esse efeito. O próprio pesquisador aponta como uma das questões é de como se define uso da força e de que forma é classificada em cada local. Ele também aponta que em geral a câmera na farda acaba gerando uma mudança de comportamento tanto do público quanto do policial, inibindo muitas vezes uma reação que poderia ocorrer sem a presença do equipamento.

Os pesquisadores Daniel S. Lawrence e Bryce Elling Peterson, do Instituto Urban, elencaram em um artigo de 2019 diversos estudos que tiveram resultados que demonstraram redução do uso da força pela polícia com o aparelho, como na polícia de Mesa, no Arizona, quando detectaram redução de 75% do uso da força ao monitorar 50 policiais que usavam câmeras e 50 que não usavam, em 2012. Mas também há outros que não indicaram uma diferença evidente, não só nos EUA, mas também no Canadá e no Reino Unido.

Dontre Hamilton foi baleado pelo policial Christopher Manney, em 2014, em Wisconsin | Fotos: reproduções/Youtube

Os dois realizaram uma pesquisa com a polícia de Milwaukee, no estado norte-americano de Wisconsin, de outubro de 2015 a dezembro de 2016, e monitoraram 504 dos 1100 policiais que usavam o aparelho. Eles apontam que não houve diferença significativa de casos de uso da força em ocorrências monitoradas pelo grupo que usava o aparelho e pelo grupo que não usava. A cidade passou a ter o equipamento após diversos protestos quando Dontre Hamilton, 31, foi baleado 14 vezes por um policial que alegou legítima defesa e disse que o jovem negro, que tinha transtorno mental, havia tentado pegar seu cassetete enquanto o revistava, em 2014. O policial Christopher Manney foi demitido da corporação, mas a promotoria de justiça não o acusou pela morte e as investigações também não prosseguiram.

Vale destacar que a expansão desses projetos se deu especialmente a partir de 2015, depois de diversos casos de violência policial. O Departamento de Justiça dos EUA, durante o governo Barack Obama, anunciou naquele ano mais de 23 milhões de dólares para financiar projetos-piloto de body cams em 32 estados. O movimento Black Lives Matter, fundado em 2013, se destacou por causa dos protestos envolvendo os casos de Eric Garner, 43, morto ao ter sido asfixiado por um policial e prensado por outros que ficavam em cima dele em Staten Island, em Nova York; e de Michael Brown, 18, que foi baleado seis vezes por um policial que alegou ter sido atacado, mas uma testemunha afirmou que o rapaz estava de mãos para cima quando da abordagem em Ferguson, no Missouri. As mortes aconteceram, respectivamente, em julho e agosto de 2014. Em ambas as situações, os policiais não foram responsabilizados. “Eu não consigo respirar” foi a frase de Garner em um vídeo gravado por uma testemunha. A fala foi repetida por George Floyd em 2021 quando foi sufocado, tornando-se novamente uma frase estampada em cartazes e em palavras de ordem nos protestos.

Pesquisa de 2017 do LAB DC, vinculado ao governo do Distrito de Columbia, onde fica a capital estadunidense, analisou 2.224 policiais daquele distrito, sendo que 1.189 usaram câmeras e 1.085 não, entre junho de 2015 e dezembro de 2016. Os pesquisadores também não identificaram diferença expressiva sobre o uso da força nem em relação a reclamações do público e, ainda, sobre impacto em processos judiciais. Por outro lado, indicam que a polícia de Washington tem uma atribuição diferente de outras jurisdições por ser empregada geralmente em eventos de grande escala e que o próprio distrito havia implementando uma série de reformas para coibir abusos policiais, além de que o público tem registrado mais, por celular, ações policiais, o que também pode influenciar a reação da polícia. Há também o fator de que os policiais podem acionar os aparelhos manualmente. Os pesquisadores destacam que é preciso ter cautela sobre a implementação desses equipamentos e não depositar expectativas grandes como solução única para redução do uso da força.

Gráfico da pesquisa de 2017 do Lab DC aponta o uso da força entre os grupos que usavam câmeras (officer assigned BWC) e os que não usavam (control), em 90 dias antes e depois do emprego do equipamento no estudo. | Foto: Reprodução

Samira Bueno também ressalta alguns pontos trazidos por pesquisadores, como a diferença do padrão de classificação de uso da força e a própria estrutura das polícias, já que um efetivo de uma cidade norte-americana pode representar praticamente a quantidade de policiais de um batalhão em São Paulo. “Os resultados desses países também são muito limitados ao que a body cam pode significar sobre a letalidade porque as ocorrências com resultado morte não acontecem como no Brasil, que tem taxas maiores do que os EUA”, pontua. “As body cams são instrumentos importantes, mas não são uma panaceia, e até mesmo entre os estados no Brasil é difícil fazer comparações porque as polícias também são diferentes”. Em um dos estudos de Birmingham, no Reino Unido, por exemplo, havia a questão se o uso da força deveria abarcar ou não o uso de algemas na abordagem.

O Instituto Urban também havia monitorado que até 2017 18 estados norte-americanos haviam aprovado legislações que tratam do uso das câmeras corporais. Alguns limitam o momento que devem ser acionadas, a quem essas imagens podem ser disponibilizadas e afins. Essa questão é uma das levantadas pelo promotor Eduardo Ferreira Valério, do Ministério Público do estado de São Paulo, já que não há ainda diretrizes públicas que tratem do assunto.

“A preocupação é de que esse processo não seja perene, ou seja, de que não sejam medidas adotadas agora para produzir índices positivos e que depois isso [uso das câmeras] passe e seja de momento, sujeita a contratos comerciais, sem uma política implementada que seja irreversível”, analisa.

Ele é um dos autores de uma ação civil pública impetrada em 2019 na qual a Promotoria de Direitos Humanos elencou 37 itens para reduzir a letalidade policial e as mortes de policiais. Dentre eles, as body cams já eram indicadas por causa da divulgação do projeto em 2017. Além da PM, ele sugere que grupos especiais da Polícia Civil, como o GOE (Gerência de Operações Especiais), usem em operações, os vídeos não sejam passíveis de edição, policiais sejam proibidos de atuar em locais públicos sem o devido funcionamento da câmera e que o Ministério Público e a Ouvidoria das Polícias sejam comunicadas e tenham acesso aos registros.

De acordo com ele, essa redução da letalidade nos batalhões que estão testando os aparelhos se deve ao cumprimento de fato dos POP (Procedimentos Operacionais Padrão) e que a intenção é solicitar informações a respeito da implementação. “A gente imagina que pelo fato de o policial militar estar sendo vigiado, ele atua com mais rigor os POPs”, avalia. “O resultado é exatamente aquele que é esperado no procedimento porque quando os POPs são feitos, lamentavelmente são sigilosos e esse é outro pedido da ação civil, para que deixem de ser sigilosos, em uma das seções dele constam os resultados esperados. Isso quer dizer que se o policial adotar aquele procedimento descrito, o resultado esperado é x, ou no caso, a não morte”, explica.

É justamente pelos POPs serem sigilosos desde 2013, após determinação do governador Geraldo Alckmin na época, que o coronel Robson Cabanas Duque explica na sua tese o fato de as imagens não poderem ser disponibilizadas ao público. Ao final do trabalho, há um apêndice com sugestão de POP redigido por ele para a aplicação das câmeras corporais. A Ponte solicitou as diretrizes de aplicação das câmeras à Secretaria de Segurança Pública, mas a pasta não respondeu a esse pedido.

Em entrevista à Ponte no começo do mês, a diretora da plataforma Justa e autora do livro Justiça e Letalidade Policial Poliana Ferreira destacou que a tecnologia é bem-vinda e pode qualificar provas em investigações, mas a sociedade, na visão dela, precisa ter acesso aos registros. “Se o acesso às imagens for facilitado para a sociedade civil, não só para pessoa que está envolvida na abordagem, que é fundamental, mas para a sociedade civil de maneira mais ampla, para pesquisadores, pesquisadoras, pensando na academia, para os movimentos sociais, a sociedade passa produzir também meios de controlar a atuação policial”, declarou na ocasião.

Para Samira Bueno, também falta uma discussão estrutural que não se reduza apenas a dispositivos isolados. Ela cita como exemplo a resolução nº 5 de 2013, na qual determina que os policiais são proibidos de prestar socorro à vítimas em casos de lesões e mortes decorrentes de intervenção policial e devem chamar o SAMU para realizar o atendimento. Esse, inclusive, foi um dos problemas apontados pelo jornalista Caco Barcellos no livro Rota 66, no qual descrevia que em vários casos ou os policiais já levavam a vítima morta ao hospital ou demorava muito mais tempo para encaminhá-la a um atendimento médico e acabava morrendo no trajeto, o que prejudicava a realização de perícia. “A letalidade policial em serviço, com a resolução, caiu quase 50% de 2012 para 2013, é impressionante, mas os casos fora de serviço, dispararam”, exemplifica. “Essas medidas por si só não vão resolver o problema a longo prazo porque, com o tempo, os policiais vão encontrar mecanismos para lidar com essas câmeras”.

Em SC, uma câmera por dupla ou trio de PMs

Os resultados em São Paulo fizeram com que outros estados voltassem seu olhar para as câmeras corporais. Em junho, o governador do Rio de Janeiro Claudio Castro (PL) sancionou lei para implementação dos aparelhos, embora o estado não cumpra desde 2009 a instalação de câmeras nas viaturas, que já são previstas. O governo da Bahia, que já fez testes em 2018 e 2020, quer retornar a experiência em um projeto-piloto. O Amapá está avaliando a implantação dos aparelhos. Romeu Zema (Novo), que prometeu a tecnologia em 2019, ainda não colocou em prática em Minas Gerais.

Em fevereiro deste ano, o site The Intercept Brasil denunciou um caso em que uma dona de padaria é estrangulada por um PM por 38 segundos, já imobilizada, e espirra spray de pimenta no rosto dela em Santa Catarina. Ele usava câmera na farda e o equipamento registrou toda a agressão, ocorrida em dezembro de 2019, mas ainda tentou mascarar a truculência quando da realização do boletim de ocorrência.

O estado incorporou os equipamentos em 2018, quando o Tribunal de Justiça emitiu uma resolução para que projetos pudessem ser beneficiados com os valores obtidos por prestações pecuniárias, que são penas que substituem a prisão para crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, com pena inferior a quatro anos, de acordo com o artigo 45 do Código Penal. É diferente da multa – que pode ser aplicada mesmo com prisão.

Coronel Araujo Gomes acopla câmera em farda de policial em inauguração do projeto em agosto de 2019 | Foto: PMSC/Divulgação

O Comando Geral da PM de Santa Catarina foi uma das instituições que enviaram propostas, uma delas sobre a aquisição de 1940 câmeras corporais, 152 estações de armazenamento e contratação de 90 pontos de desenvolvimento de software para integração com o aparelho, sendo que pelo menos um policial por guarnição usaria o equipamento. O investimento seria de R$ 6.307.616,00 e ainda foi encaminhada uma lista de quantos equipamentos por batalhão seriam utilizados, sendo que a capital Florianópolis e a cidade de Joinville são as que mais receberiam os equipamentos.

Dentre as justificativas estavam: qualificar o conjunto probatório de provas; proteger os policiais militares de falsas acusações; aumentar a transparência e fiscalização do uso da força; e “mitigar a reação das pessoas em conflito com a lei, pela percepção de que estão sendo filmadas e, consequentemente, reduzir a necessidade de uso da força por parte dos policiais militares”. O período de execução seria de maio a novembro de 2018 e a Justiça teria acesso às imagens.

A Comissão de Apoio ao Conselho de Gestão do TJ-SC, responsável por avaliar os projetos, destacou que o da PM merece ser beneficiado porque “a utilização das câmeras corporais é uma providência que promove a transparência e a confiança da população na Polícia Militar, na medida em que possibilita a investigação de casos de abuso e a captação de provas, fica evidenciado o relevante interesse social do projeto demandante”. E também porque “os resultados pretendidos com o projeto serão impactantes e repercutirão sobremaneira na segurança pública do Estado”.

O convênio foi assinado em 4 de maio de 2018 pelo desembargador e presidente do Conselho Gestor Rodrigo Collaço e o então comandante-geral da PM coronel Carlos Alberto de Araújo Gomes Júnior. A implantação se estendeu até julho e a inauguração se deu em agosto de 2019. O número de câmeras também aumentou para 2425, que foram vendidas pela empresa Directa Telecomunicaçoes Ltda. a um total de R$ 1.785.226,80, conforme contrato que pode ser acessado aqui. A mesma empresa também forneceu as estações de armazenamento por R$ 1.238.512,64. O total ficou em mais de R$ 3 milhões gastos.

Já a parte de software mobile, a PM fez um convênio com o Instituto Igarapé com o fornecimento de um aplicativo de celular que monitora áudio, vídeo e localização GPS. A organização fez junto com a Universidade de Warwick, da Inglaterra, um estudo (que pode ser lido aqui) com grupos de policiais da corporação catarinense durante três meses a partir de setembro de 2018. Determinaram que 150 policiais usassem câmera e 303 não usassem, tendo sido avaliadas 9259 ocorrências que atuaram no total. O protocolo é de que a câmera fosse ativada assim que tivesse uma interação com o público.

Um dos dados que chamou a atenção dos pesquisadores é que os registros de violência doméstica foram 66% maiores em relação às ocorrências atendidas pelo grupo com câmera do que sem. O grupo com o equipamento também realizava mais relatórios que poderiam fundamentar uma investigação para a Polícia Civil apurar os casos. Sobre o uso da força, detectaram que o uso de armas letais e não letais reduziu 56%, o uso de algemas 12% e que casos de desacato ou desobediência contra policiais diminuíram 48% com o uso das câmeras. De acordo com a diretora de Finanças e Tecnologia do Instituto Igarapé Barbara Fernandes, “os resultados foram mais significativos nas ocorrências de baixo risco”.

À Ponte, ela também aponta que a metodologia se deu para verificar o comportamento do policial e oferecer insumos para a criação de protocolos, já que o acionamento manual do aparelho tem dois problemas. “O ideal são os padrões [de acionamento] automático ou híbrido, porque reduz a discricionariedade do policial. Dessa forma, os momentos importantes são monitorados sem discriminação. No caso do acionamento automático, ele raramente é adotado devido a preocupações registradas por sindicatos e associações de policiais, especialmente fora do Brasil. A maioria adota o acionamento manual. A desvantagem dessa abordagem é que o policial pode, intencionalmente ou não, omitir o acionamento de suas câmeras em determinados ambientes. Isso pode ocasionar um resultado distorcido ou enviesado”, explica.

Em 30 de junho de 2020, o Poder Judiciário acordou com a PM que o acionamento das câmeras deve ser automático, assim que o policial é chamado para a ocorrência, além da criação de um comitê em conjunto com o Ministério Público para avaliar a necessidade de ajustes. Essa determinação tem sido criticada por membros da própria corporação, já que o acionamento automático acontece quando o caso é imediatamente enviado ao tablet do policial e que isso feriria a privacidade. O pedido que ainda será analisado nesse comitê, segundo reportagens locais, é de que o acionamento se dê quando o policial estiver a pelo menos um quilômetro do local da ocorrência.

À Ponte, a PM informou que de janeiro até 16 de julho (quando entramos em contato), ocorreram 42 mortes praticadas pela polícia em 2021. No mesmo período do ano passado, foram 63. No entanto, a corporação afirma que “não há como vincular a queda da letalidade policial ao uso das câmeras corporais. A criminalidade em Santa Catarina apresenta queda em todos os crimes nos últimos 12 meses”.

A diretora do Igarapé ressalta que “as câmeras corporais nem sempre levam a reduções no uso da força pela polícia” ao mencionar um teste no Reino Unido que não detectou diferença no emprego de uso da força. Ela enfatiza que “os resultados variaram em função da decisão dos  policiais em ligarem ou não as câmeras. Quando tinham a discricionariedade de ligar e desligar, o uso da força aumentou”.

Questionada sobre as diretrizes, a PM respondeu que há um POP, que não é de acesso público, e determina que cada guarnição tenha uma câmera. “Segundo o Procedimento Operacional Padrão (POP) nº 201.1.8, a distribuição de câmeras nas guarnições policiais militares sempre obedecerá, primordialmente, a precedência hierárquica dos integrantes de uma mesma guarnição, onde o Policial Militar mais antigo, comandante da guarnição, decidirá quem será o policial a utilizar a câmera. Havendo mais de uma câmera em uma mesma guarnição, o segundo equipamento deverá ficar com o policial responsável pela busca pessoal”, respondeu a corporação em nota.

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Para Barbara Fernandes, casos de violência policial mesmo com uso de câmeras podem ocorrer porque “existem fatores institucionais e culturais importantes que impactam no uso da força pela polícia e na redução do uso excessivo da força”, já que dependeria também de criação e implementação de políticas públicas, categorizar a forma como as imagens são armazenadas e os fins que têm, além de uma atuação dos órgãos de controle. “Porém, vale destacar que  o uso de câmeras corporais está gerando uma mudança na opinião pública sobre o uso excessivo da força pela polícia, com crescente rechaço. Também está contribuindo para reflexões internas sobre controle da polícia, medidas disciplinares, bem como sobre as relações mais amplas entre polícia e comunidade”, pontua. “O uso de imagens de vídeo é cada vez mais rotineiro em processos judiciais, assim como as demandas por maior transparência por parte das polícias na forma como respondem a ações policiais inaceitáveis. O uso de câmeras corporais em todo o mundo ainda é relativamente novo, tendo apenas começado a ser introduzido há uma década. As lições ainda estão sendo aprendidas”.

O que diz a polícia de SP

A Ponte questionou sobre dados dos batalhões, diretrizes de uso das câmeras, atuação da Comissão de Mitigação, além de pedir entrevista com o coronel Robson Cabanas Duque. A In Press, assessoria terceirizada da SSP, encaminhou a seguinte nota:

O compromisso das forças de segurança no Estado de São Paulo é com a vida, razão pela qual medidas para a redução de mortes são permanentemente estudadas e implementadas pela SSP. A quantidade de pessoas mortas em confronto com policiais em serviço vem caindo de maneira consistente no Estado. Junho de 2021 completou 13 meses de queda consecutiva neste índice. A redução nos seis primeiros meses deste ano foi de 36,88%, nas polícias Civil e Militar, se comparado a igual período do ano passado.

Todas as ocorrências de morte decorrente de intervenção policial são analisadas pelas instituições policiais, rigorosamente investigadas e comunicadas ao Ministério Público. Também são implementadas medidas visando a aprimorar os protocolos e procedimentos operacionais e administrativos. Além do trabalho de gestão interna, as forças de segurança investiram em meios tecnológicos para mitigar as ocorrências com resultado morte, como a implementação das câmeras corporais nos uniformes dos policiais militares e o uso de equipamentos de menor potencial ofensivo.

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