Leonardo Godoy Silva, 19, foi atingido por três tiros dos sete disparados por policiais contra ele. O pai do jovem quer justiça: “morreu metade de mim”
A noite de 15 de setembro do ano passado invade a memória do gestor pedagógico Eliél Alexandre da Silva, 50 anos, com frequência. A data marca a morte do filho mais velho, Leonardo Godoy Silva, 19. O motorista de aplicativo foi morto por policiais militares em Limeira, no interior de São Paulo. Os PMs atiraram onze vezes alegando legítima defesa contra o jovem que, segundo testemunhas, estava rendido e desarmado. O inquérito policial que investiga a morte segue sem conclusão. Estilhaçado, Eliél quer justiça. “Morreu metade de mim”, diz.
A morte é investigada pela Delegacia de Limeira e também há um inquérito policial militar em andamento. As circunstâncias da morte levaram o pai a procurar a Corregedoria da Polícia. “Ele estava rendido. Eles [policiais] tinham que ter prendido e depois saber o que cada um fez”, fala Eliél.
Mais cedo, naquele 15 de setembro, um grupo assaltou uma transportadora na cidade de Mogi Guaçu, também no interior paulista. Imagens das câmeras de segurança do local, às quais a Ponte teve acesso, mostram três homens na empresa. Apenas um deles tinha uma arma aparente — uma espingarda. Leonardo dirigia o carro que partiu dali após o roubo.
O grupo passou a ser perseguido por uma viatura da Força Tática ao passar pelo quilômetro 96 da SP-147. Em depoimento, o sargento Wellington dos Santos Silva disse que o carro andava em zigue-zague pela rodovia estadual, o que motivou a perseguição acompanhada por pelo menos outras duas equipes. O PM fala que deu ordem de parada, mas o motorista acelerou. Os passageiros começaram a jogar notas de dinheiro pelas janelas durante o trajeto.
Já em Limeira, o carro dirigido por Leonardo parou. Já era noite e a área era de mato, próxima a um rio. A versão dos policiais é de que os quatro ocupantes do veículo desceram atirando. Os agentes revidaram e acabaram ferindo um deles, que acabou preso.
Leonardo correu. O subtenente Ivan Dias de Jesus e o cabo Edirlei Aparecido Narcizo partiram na direção do jovem. Os dois afirmam que o motorista estava armado e fez menção de atirar. Narcizo e Ivan atiraram, mas o jovem seguiu correndo até se aproximar de um córrego.
Nos depoimentos, os agentes dizem que conseguiram alcançar e pediram que ele largasse a arma. Sem sucesso, atiraram. Narcizo por sete vezes e Ivan quatro. Leonardo foi atingido por três tiros, um deles na cabeça, e morreu ali.
A versão difere do que contam duas testemunhas. Em depoimento à Polícia Civil, ao qual a Ponte teve acesso, ambas disseram que o jovem estava desarmado. Quando os policiais o encontraram, Leonardo ergue os braços em sinal de rendição. Um dos policiais teria dito “perdeu, perdeu” e em seguida começaram os disparos.
Brecha na investigação
A ação policial também matou Wilson Augusto, 52 anos. Ele foi morto com tiros nas costas. As testemunhas também disseram que ele corria quando foi atingido e também não estava armado, segundo seus depoimentos.
Os policiais contaram terem apreendido dois revólveres com Leonardo e Wilson. Um de calibre 22 — com quatro cartuchos íntegros e um deflagrado perto do motorista de aplicativo — e o outro calibre 38 com três cartuchos íntegros, um picotado e dois deflagrados. Ambas tinham a numeração raspada.
Não há menção na investigação até aqui sobre a espingarda vista com o grupo durante o assalto em Mogi Guaçu. Ela é apenas citada nos depoimentos da vítima do roubo e de Eliél, que apontou essa inconsistência. Com oito meses de apuração, o delegado Assis José Cristofoletti ainda não respondeu sobre o armamento.
“Os policiais executaram meu filho e fraudaram a situação ao enfiar uma arma que não estava com ele”, diz o gestor educacional.
Eliél passa os dias tentando reunir provas sobre o caso. Foi ele quem levou o delegado às imagens do assalto e chegou às testemunhas do crime. O custo disso, para além da dor da perda, é o medo. O gestor prestou queixa a namorada de Leonardo receber uma ligação pedindo os contatos das testemunhas. O número que ligou teria sido da Força Tática, companhia em que trabalham os policiais que mataram Leonardo.
Em abril deste ano, o juiz Rafael da Cruz Gouveia Linardi indeferiu a decisão de um pedido da Polícia Militar para qualificar as testemunhas, que estão protegidas. “Entendo não ser possível atender a solicitação, vez que as testemunhas temem por suas integridades físicas, pois testemunharam toda a ação que culminou com a morte de duas pessoas durante abordagem/perseguição policial”, escreveu o magistrado.
Educação Física
Leonardo era estudante de Educação Física. Estava no quarto período do curso. Quando completou 18 anos, ganhou do pai uma motocicleta. O jovem usava o veículo para o transporte de passageiros, conta o pai: “era o trabalho dele”. Quando precisa levar mais de um cliente, o motorista pegava o carro da família, o mesmo em que estava na noite em que foi morto.
No último sábado (11/5), amigos e familiares se reuniram em Limeira para pedir justiça pelo jovem. Um comboio seguiu pelas ruas da cidade onde Leonardo nasceu, cresceu e foi morto.
O que dizem as autoridades
A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) questionando sobre os pontos trazidos ao longo da reportagem e solicitando entrevista com os agentes públicos citados ou com um porta-voz da instituição.
O MP-SP respondeu dizendo que dará parecer quando o inquérito for concluído. A SSP-SP não retornou até a publicação do texto. O espaço segue aberto.