Movimentos sociais exigem nomeação de ouvidor das Polícias de SP

Entidades cobraram de Rodrigo Garcia (PSDB) escolha de nome da lista tríplice eleita no ano passado pela sociedade civil. ‘Quem vai ouvir a população?’, reclama mãe de jovem morto pela PM

Maria Cristina Quirino, uma das mães dos jovens mortos no Massacre de Paraisópolis, e Débora Maria da Silva, das Mães de Maio | Foto: Alice Vergario/Instagram Mães de Maio.

Dezenas de familiares de vítimas da violência de Estado cobraram a nomeação de um novo ouvidor das Polícias de São Paulo, na última quinta-feira (8/12), durante um evento ocorrido na sede da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa, antiga Febem), no centro da cidade de São Paulo.

“Em nome de todas as mães de Paraisópolis estou exigindo para o governador, por favor, nomear o novo ouvidor das Polícias”, disse Maria Cristina Quirino, 43 anos, mãe de Denys Henrique, um dos nove jovens assassinados durante o Massacre de Paraisópolis, uma operação policial contra o baile funk da Dz7 na zona sul da capital, em dezembro de 2019.

O mandado do atual ouvidor, Elizeu Lopes Soares, se encerrou em fevereiro deste ano, mas ele continua ocupando indevidamente o cargo. “Não deixe o Estado sem o ouvidor. Quem vai ouvir a população? Nós estamos sem porta-voz e isso não pode acontecer”, criticou Maria Cristina, ao lado de outros familiares e movimentos de mães que tiveram seus filhos executados pela polícia.

Diversas organizações de defesa dos direitos humanos assinaram uma carta exigindo a nomeação do ouvidor eleito na lista tríplice do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe).

No documento, as entidades demonstram preocupação com a morosidade da indicação do novo ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, que deveria ser feita pelo governador Rodrigo Garcia (PSDB). O processo para a escolha do novo ouvidor está parado. A lista tríplice, da qual Garcia deveria selecionar um dos nomes, foi eleita em votação ocorrida em 9 de novembro de 2021 e homologada pelo Condepe em 26 de agosto deste ano.

“A nomeação do novo ouvidor das Polícias permitirá a efetiva volta do controle externo das atividades policiais, possibilitando que atos de violência, como o ocorrido em Paraisópolis há três anos, que resultou no massacre de nove jovens, possa ser apurado com rigor e acompanhado por órgão externo, democraticamente legitimado, contribuindo para que se faça Justiça”, diz um trecho da carta.

Ato reuniu mães de vítimas da violência policial | Foto: Alice Vergario/Instagram Mães de Maio.

Alderon Pereira da Costa, indicado pela Associação Rede Rua, Renato Simões, indicado pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e Claudio Aparecido da Silva, indicado pela Associação Santo Mártires, compõem a lista tríplice da qual deveria sair o nome do novo ouvidor. Diante do impasse, Elizeu Lopes Soares continua no cargo de forma indefinida.

Promovido pela Coordenadoria Geral de Direitos Humanos do governo do estado de SP em parceria com os Conselhos de Cidadania e o Fórum Inter-Religioso, o evento desta quinta deveria celebrar os 74 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas foi ocupado por falas sobre a urgência na nomeação de um novo ouvidor.

Estavam presentes Fernando José da Costa, secretário de Justiça e Cidadania do estado de São Paulo, representantes da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e do Condepe, além de movimentos sociais. Em fevereiro, movimentos ocuparam o prédio onde está sediada a Ouvidoria e enviaram uma notificação extrajudicial ao governador Rodrigo Garcia (PSDB).

Maria Nazareth Cupertino, 55 anos, integrante do conselho de entidades do Condepe, avalia que a demora na nomeação é uma decisão política de Garcia, que prefere continuar com um ouvidor ilegítimo, mas tido como conivente com a violência. “É um governo que não valoriza os espaços de participação social. O atual ouvidor tem uma relação bastante amistosa com os policiais e os três candidatos que a gente está indicando vão fazer o controle efetivo. A gente já notou o atual ouvidor elogiando a ação da polícia em detrimento do sofrimento de tanta gente que passa por violência”, afirma.

Para Maria Nazareth, é possível que haja um descontentamento do governo com os três nomes indicados pela sociedade civil, o que deve se tornar ainda mais delicado caso a nomeação venha a ocorrer somente com a posse do governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos). “Agora com o novo governo a gente acha que vai ser pior ainda, porque é um governo da extrema direita, de muito apoio às polícias”, aponta Nazareth.

A assistente social Francilene Gomes Fernandes, 42 anos, integrante do Movimento Independente Mães de Maio, diz que a violência de Estado ameaça piorar e que por isso a nomeação do novo ouvidor é essencial. “Apesar de o governo apresentar dados de uma queda significativa nas mortes por conta do uso das câmeras, a gente entende que isso não é suficiente para barrar a letalidade, sabemos que tem policiais dando sequência nas abordagens truculentas e eles têm tampado as câmeras pra não registrar a ação”, diz. 

Francilene lembra que a lista tríplice é resultado de um momento democrático de eleição dos indicados para a Ouvidoria. “É um absurdo o governador dar as costas para essa manifestação legítima e democrática da sociedade civil. Nós não aceitaremos mais que nenhum familiar viva essa dor e que mais nenhum jovem periférico negro, indígena, seja executado na mão da polícia”, conclui Francilene, que perdeu seu irmão durante os Crimes de Maio de 2006.

Entenda o caso

O processo eleitoral para a escolha do novo ouvidor para o biênio de 2022 a 2024 havia sido suspenso após a Secretaria de Justiça e Cidadania receber representações sobre o resultado da votação, realizada em 9 de novembro de 2021. O nome do atual ouvidor, que não recebeu votos suficientes para constar na lista tríplice, apareceu na lista sobre a votação que foi publicada no Diário Oficial, que continha uma série de erros.

Além disso, os deputados estaduais Coronel Telhada (PP) e Douglas Garcia (PTB) entraram com pedidos de impugnação do processo eleitoral contestando essas divergências da publicação dos votos. Os parlamentares, que são coautores de projeto de lei na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) que extingue a Ouvidoria das Polícias, alegaram que o resultado teria sido manipulado.

Em julho, o Condepe realizou uma nova eleição, que escolheu os mesmos três nomes, sem Elizeu. Em 26 de agosto, contudo, o Condepe homologou o resultado. Agora só resta ao governador Rodrigo Garcia escolher um dos três para ocupar a função.

A Ouvidoria das Polícias, criada em 1997 em São Paulo e a primeira do Brasil, é ligada à Secretaria da Segurança Pública e tem, dentre suas atribuições, o intuito de receber denúncias e reclamações sobre ações arbitrárias e abusivas cometidas por integrantes das polícias (militar, civil ou científica), verificá-las e cobrar respostas das autoridades competentes, seja no âmbito administrativo dentro da própria polícia e da pasta, como também do Ministério Público. Os próprios policiais podem recorrer ao órgão. A Ouvidoria também produz pesquisas e propõe melhorias no campo da segurança pública e direitos humanos. O mandato é de dois anos e o ouvidor ou ouvidora pode ser reconduzido ao cargo apenas uma vez.

O que diz o governo de SP

A reportagem questionou o governo do estado de São Paulo e a secretaria de Justiça e Cidadania sobre os motivos da morosidade para a nomeação do novo ouvidor e se há alguma previsão para que ela ocorra, mas ainda não obteve respostas.

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