‘Tentativa de golpe’: protesto pede para governo respeitar eleição da Ouvidoria das Polícias de SP

Com mandato encerrado em 6 de fevereiro, Elizeu Soares Lopes está ocupando cargo de forma indefinida após eleição ter sido travada novembro de 2021; mais de 100 entidades encaminharam carta à Secretaria de Justiça por continuidade do processo

Representantes de movimentos sociais se manifestaram no Pateo do Collegio, em frente à Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Grupos e organizações da sociedade civil se reuniram na manhã desta quinta-feira (17/2), no Pateo do Collegio, no centro da capital paulista, em frente à Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado, para cobrar uma resolução para o impasse na Ouvidoria das Polícias, cuja eleição para o biênio de 2022 a 2024 está travada desde novembro de 2021. O mandato do então ouvidor Elizeu Lopes Soares se encerrou no dia 6 deste mês e ele está ocupando o cargo de forma indefinida até que a situação seja resolvida.

O processo eleitoral foi suspenso após a Secretaria de Justiça e Cidadania receber representações sobre o resultado da votação, em 9 de novembro de 2021, que ocorreu de forma remota e foi transmitida pelo YouTube. Na ocasião, os mais votados para compor a lista tríplice foram Renato Simões, indicado pelo ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), com nove votos, e Alderon Pereira da Costa (ex-ouvidor de 2014 a 2016 da Defensoria Pública) e Claudio Aparecido da Silva, indicados respectivamente pela Associação Rede Rua e pela pela Sociedade Santos Mártires, ambos com oito votos cada. Elizeu recebeu quatro votos, ficando de fora da lista, e os votos em branco também foram quatro. Na publicação do resultado no Diário Oficial do Estado, porém, Elizeu apareceu com oito votos na tabela, a informação de quatro votos no texto de explicação do procedimento e com os votos em branco aparecendo como zerados.

De acordo com o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo), que é responsável pela organização do processo eleitoral, houve um erro na publicação dos votos da lista no Diário Oficial. Essa retificação foi solicitada, mas não foi feita. O presidente do conselho Dimitri Sales, em 7 de fevereiro, enviou uma notificação extrajudicial ao governo paulista solicitando a reabertura do processo eleitoral para dar continuidade à elaboração da lista tríplice ema té 15 dias, sob pena de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, já que, segundo ele, o estado não estava sendo transparente sobre a situação e ainda impedia a continuidade do serviço público prestado pela Ouvidoria.

O órgão, criado em 1997 em São Paulo e o primeiro do Brasil, é ligado à Secretaria da Segurança Pública e tem, dentre suas atribuições, o intuito de receber denúncias e reclamações sobre ações arbitrárias e abusivas cometidas por integrantes das polícias (militar, civil ou científica), verificá-las e cobrar respostas das autoridades competentes, seja no âmbito administrativo dentro da própria polícia e da pasta, como também do Ministério Público. Os próprios policiais podem recorrer ao órgão. A Ouvidoria também produz pesquisas e propõe melhorias no campo da segurança pública e direitos humanos. O mandato é de dois anos e o ouvidor ou ouvidora pode ser reconduzido ao cargo apenas uma vez – ou seja, pode ser reeleito(a).

Desde novembro do ano passado, a Ponte vem questionando a Secretaria de Justiça sobre o caso. A pasta tem dito que está analisando as representações protocoladas pelos deputados estaduais Coronel Telhada (PP) e Douglas Garcia (PTB), que entraram com pedidos de impugnação do processo eleitoral contestando essas divergências da publicação dos votos. Elizeu também entrou com recurso e questionou que o resultado foi mostrado em uma “planilha editável” e que não houve emissão de um “boletim de urna”. Os parlamentares, que são coautores de projeto de lei na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) que extingue a Ouvidoria das Polícias, alegaram que o resultado teria sido manipulado.

Elizeu foi nomeado em fevereiro de 2020 e assumiu o lugar do sociólogo Benedito Mariano, que disputava a recondução do cargo na época. Benedito tinha ficado em primeiro lugar na lista tríplice, ou seja, foi o mais votado, enquanto Elizeu estava em terceiro e acabou nomeado pelo governador João Doria (PSDB). Essa foi a primeira vez, em 25 anos desde a criação da Ouvidoria, que um ouvidor não foi reconduzido ao cargo.

Diante do imbróglio, mais de 100 entidades que atuam com direitos humanos assinaram uma carta solicitando que a pasta retifique a publicação para que o processo eleitoral prossiga. Enquanto representantes de movimentos faziam suas falas em frente à fachada da secretaria, uma comissão subiu no prédio para entregar o documento.

Para a membra da coordenação nacional do MNU (Movimento Negro Unificado) Simone Nascimento, essa indefinição enfraquece a Ouvidoria. “Não nomear um dos votados da lista tríplice é não ouvir a sociedade civil e dar uma brecha para uma intervenção do Estado em um órgão responsável por fiscalizar as forças de segurança publica”, declarou.

Integrante da Amparar (Associação de Amigos (as) e Familiares de Pessoas Presas), Fabio Pereira destaca que o órgão garante o controle externo das polícias. “O trabalho da Ouvidoria tem que ser combativo, não é como a Corregedoria, em que policiais investigam policiais. A Ouvidoria garante a nossa existência”, disse.

Simone Nascimento, membra da coordenação do Movimento Negro Unificado, ao lado de Maria Nazareth Cupertino, integrante do conselho de entidades do Condepe, que segura o microfone | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Também foram veiculados áudios de familiares e de vítimas de violência policial durante o protesto. No local, havia ao menos quatro viaturas da Polícia Militar e duas da Guarda Civil Metropolitana.

Duas horas depois do início do ato, a comissão que havia ido até a secretaria disse à reportagem que a pasta ainda estava analisando os recursos apresentados e que a plataforma onde foi realizada a votação, de responsabilidade da Prodesp (Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo), também seria analisada.

“Essa apuração não tem ligação com o que estamos pedindo, que é a publicação da ata retificada com a lista tríplice”, ponderou a integrante do conselho de entidades do Condepe, Maria Nazareth Cupertino. “Na minha leitura, isso mostra intervenção política, em um ano eleitoral, e uma tentativa de golpe”, criticou.

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A organização do ato e o vereador Eduardo Suplicy (PT) disseram que vão tentar agendar uma reunião com a presidência da Prodesp sobre o caso.

O que diz a Secretaria de Justiça

A Ponte procurou novamente a pasta e fez as seguintes questões, cujas respostas foram enviadas pela assessoria:

– Por que a Secretaria analisa desde novembro o recurso de deputados estaduais sobre a votação na eleição e ainda não publicou a errata pedida pelo Condepe?

A Secretaria aguarda a conclusão do processo que teve pedidos de erratas e representação de um deputado sobre a plataforma e sobre a condução do pleito. Levando-se em conta a importância da Ouvidoria e preocupada com a legalidade e lisura do processo, a Secretaria  abriu expediente para apuração dos fatos.

– No que a análise sobre a plataforma Prodesp se relaciona com a demora para a publicação da retificação da ata com os votos corretos?

No final da semana passada, a Secretaria encaminhou para a PRODESP pedido para expedição de laudo sobre o processo. O pedido foi feito em caráter de urgência. A publicação do pleito e a conclusão do processo se dará após expedição de laudo verificando a lisura ou se houve alguma irregularidade.

*A reportagem foi atualizada às 18h33, de 17/2/2022, após recebimento de resposta da Secretaria de Justiça e Cidadania.

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