Ruan Ribeiro Araújo, de 28 anos, foi abordado por estar de pochete, enquanto prestava serviço para a prefeitura de São Vicente (SP). Vídeo registra ação em que policial chega a empurrar o pai do jovem
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) não viu crime na ação de um policial militar que atirou duas vezes contra um funcionário terceirizado da prefeitura de São Vicente, no litoral de São Paulo. Ruan Ribeiro Araújo, de 28 anos, estava trabalhando quando foi abordado por estar usando uma pochete.
O promotor Manoel Torralbo Gimenez Júnior, da 1ª Vara Criminal de São Vicente, analisou o pedido de arquivamento do inquérito policial militar (IPM) e argumentou estar diante “da coisa julgada”. Assim, Manoel não avaliou as provas produzidas pela Polícia Civil de São Vicente e apenas pediu o arquivamento em 8 de janeiro.
Até a publicação desta reportagem, a Justiça de São Paulo não tinha se manifestado.
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No âmbito militar, a promotoria também pediu o arquivamento em junho do ano passado, com o entendimento de que o policial agiu em legítima defesa. O arquivamento foi efetivado pela Justiça Militar.
O caso ocorreu no Parque Bitaru, em fevereiro do ano passado, época em que a região da Baixada Santista vivia a Operação Verão — ação policial que deixou 56 mortos no ano passado. Ruan estava junto do pai, Ricardo Antônio Gonçalves, 68, que também prestava serviços de zeladoria para a prefeitura.
Um vídeo registrou parte da ação [veja acima]. Na imagem, é possível ver o policial Lucas Porfírio de Souza atirando na perna de Ruan. Após o disparo, o mesmo agente empurra Ricardo no chão. O pai do jovem usa uma bengala para se locomover.
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A abordagem, acompanhada por várias pessoas, continua. Ferido, Ruan anda com dificuldade, enquanto o policial Lucas segue cercando-o armado. É possível ver o jovem tirando as mãos do PM de si e que o pai acompanha a situação próximo aos dois. Testemunhas gritam de desespero. O PM Lucas tenta então dar um soco em Ruan, não consegue e aponta a arma. O jovem vai para cima do policial, dá um soco na cabeça e então é baleado.
Pai implorou pela vida do filho
O relatório final da investigação da Polícia Civil foi entregue pelo delegado Daniel Pereira de Souza em 20 de junho do ano passado. No relógio consta que os policiais que participaram da ação não usavam câmera corporal. O documento aponta que Ruan sofreu lesões corporais graves — o jovem foi atingido na perna e no tórax, o que o levou a ficar hospitalizado por dias na UTI.
Em depoimento, Ricardo, pai de Ruan, contou que era supervisor de um projeto da prefeitura de São Vicente destinado à zeladoria da cidade. O filho era o chefe de gabinete do projeto e coordenador de equipe nesse empreendimento.
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Naquele dia, pai e filho estavam no local prestando o serviço, contou Ricardo em depoimento. Ainda conforme o relato, ambos usavam crachás de identificação.
Ricardo relata que uma viatura passou pelo local enquanto o grupo trabalhava. Ele diz ter havido uma troca de olhares com os PMs. Dez minutos depois, os policiais voltaram. Porfirio teria descido com a arma em punho e a apontando para o rosto de Ruan, ordenando que ele colocasse as mãos na cabeça. O jovem se negou e respondeu: “Estou trabalhando.”
O pai conta que o policial ficou nervoso e deu um soco em Ruan que, para se desvencilhar, deu tapas no braço do PM. Ricardo diz que se apresentou ao policial como chefe da equipe de zeladoria e pai de Ruan. “Porfirio, pelo amor de Deus, sou o responsável pela equipe e pai do rapaz, se quiser atirar nele, atira em mim, mas não atira no rapaz”, implorou ele.
Foi então que Ricardo se colocou na frente do filho, momento em que levou um soco no peito e caiu no chão. Em seguida, o policial deu o primeiro tiro, na perna de Ruan.
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O pai narra que a população se inflamou pedindo para o policial parar, mas que ninguém o ameaçou. Ele afirma que o policial continuou avançando contra Ruan e teria tentado dar mais um soco no jovem. Ruan foi se defender quando levou o segundo tiro, desta vez no peito.
O pai também conta que, enquanto Ruan estava internado na UTI do Hospital Vicentino, um policial militar fardado entrou no local, tirou uma foto e ameaçou: “[Esse] ainda não subiu, era para ter subido, pois gosta de bater em polícia.”
Abordado por usar pochete
O policial Porfírio disse ter abordado Ruan porque este usava uma pochete e estava em uma região conhecida pelo tráfico de drogas. O PM contou ainda que, durante a abordagem, teria sido cercado por populares. Porfirio disse ter levado um tapa no rosto e que houve uma tentativa de tirar sua arma. Por isso, ele teria disparado em direção ao chão, mas acabou ferindo Ruan.
O PM disse que disparou uma segunda vez contra Ruan porque este teria tentado tirar a arma de sua mão. O IPM foi concluído afirmando que o policial Porfirio agiu “a fim de defender sua integridade física”. Para Paulo Barbosa Siqueira Filho, Capitão da PM encarregado pelo documento, o policial seguiu os procedimentos operacionais da corporação.
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O relatório final fala apenas em transgressão disciplinar do outro PM, Matheus Queiroz Veres, “por ter abandonado” o colega diante de uma “situação hostil”. No âmbito da investigação policial militar, nenhuma testemunha civil foi ouvida e apenas os policiais que participaram da ação apresentaram suas versões.
Para o promotor Issac César Coelho Argolo, da 3ª Auditoria de Justiça Militar, a ação está acobertada pelo excludente de ilicitude da legítima defesa. “Ao efetuar os disparos, o averiguado repeliu uma injusta agressão contra si, usando moderadamente dos meios necessários e disponíveis na oportunidade”, escreveu Coelho Argolo.
A juíza Maria Elisa Terra Alves acolheu o pedido do MP e arquivou a investigação.
O que dizem as autoridades
A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) solicitando entrevista com os agentes públicos citados e uma posição sobre o caso.
Em nota, o MP-SP disse que “se manifesta nos autos, como também os fundamentos do arquivamento”. Não houve retorno da SSP até a publicação desta matéria. Caso haja, o texto será atualizado.