Multinacional e ex-presidente são condenadas a pagar multa por discriminação racial a empresária negra

Em processo administrativo, Secretaria de Justiça de SP determinou que PR Newswire pague R$ 87,2 mil e Thais Antoniolli R$ 14,5 mil à pasta após Luanna Teófilo ser demitida e constrangida quando chefe disse ‘tira isso’ ao ver suas tranças

Luanna (à esq.) relembra caso vivido na empresa e detalha processos | Foto: Divulgação/Montagem

A Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo condenou a multinacional PR Newswire Brasil e a sua ex-presidente Thais Antoniolli ao pagamento de multa à pasta por discriminação à empresária Luanna Teófilo, que foi demitida da empresa após denunciar ser vítima de racismo quando a então chefe disse ‘tira isso’ ao ver suas tranças no cabelo, em 2016.

Com base na Lei estadual 14.187/2010, que pune de forma administrativa empresas e pessoas físicas por discriminação racial, o colegiado da Comissão Especial de Discriminação Racial da pasta acolheu a denúncia de Luanna por unanimidade e determinou que Thais pague 500 UFESPs e a PR Newswire pague 3 mil UFESPs à secretaria por discriminação, coação e demissão contra Luanna. Cabe recurso à decisão.

UFESPs são Unidade Fiscal do Estado de São Paulo, cujo valor muda todos os anos. Em 2021, cada unidade equivale R$ 29,09, o que corresponde a R$ 14.545 a serem pagos por Antoniolli e R$ 87.270 pela empresa. Esse valor vai para o Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos, destinado a projetos da secretaria. A Ponte questionou a assessoria da pasta sobre para quais ações o valor é destinado, porém a secretaria não deu detalhes específicos e declarou que a Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena acolhe denúncias de discriminação e “promove palestras, capacitações para servidores públicos e de empresas privadas, polícias civis e militares, lives” a fim de divulgar a lei estadual.

Na decisão, a comissão entendeu que no caso “verifica-se que a Denunciante [Luanna], além de ter sido demitida, foi constrangida, coagida e sofreu uma grande humilhação na frente de seus colegas de trabalho, teve que contratar advogado para se defender de ações judiciais propostas pelas Denunciadas, que almejaram responsabilizá-la pela reação aos acontecimentos, e permaneceu abalada psiquicamente por um longo período, até conseguir se restabelecer e exercer uma nova atividade profissional”.

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Luanna relata que na época trabalhava executiva comercial da empresa e, em outubro de 2016, decidiu ir ao trabalho com tranças no cabelo. A reação imediata de Thais, que era sua então chefe, foi dizer três vezes “tira isso” na frente dos demais funcionários. Ela também contou que colegas também costumavam chamá-la de “nega”, “globeleza”, “negra gata” sem ter nenhum intimidade.

Tanto Thais quanto outros funcionários ouvidos nesse processo administrativo alegaram que o comentário não tinha conotação racial e era meramente estético. Colegas de trabalho disseram que a chefe poderia ter falado com Luanna em sala reservada e não na frente de todos, afirmando que a abordagem foi “inadequada”.

Segundo Luanna, a empresa fez reuniões sobre o episódio, mas sem discutir o comportamento racista da presidente, como define. “Depois do fato ela começou a me perseguir em situações absurdas e vexatórias. Eu denunciei para a área de recursos humanos da empresa e disseram que não aconteceu nada”, explicou à Ponte.

No mesmo mês, a empresária acabou demitida. Ela estava em período de experiência, válido por três meses. A argumentação da empresa é de que o motivo seria baixa produtividade, o que ela contesta. Afirma que foi demitida por não se calar diante do racismo.

Luanna tentou abrir uma queixa crime na Polícia Civil, mas o inquérito foi arquivado antes de chegar no Ministério Público. Além disso, foi processada pela empresa duas vezes no juízo trabalhista e uma vez na esfera civil. A empresa solicitou indenização por dano moral, mas o Tribunal de Justiça negou, evocando liberdade de expressão. Por outro lado, a empresária perdeu na primeira e na segunda instâncias na Justiça trabalhista e teve de pagar R$ 15 mil, incluindo danos morais e custos advocatícios, à PR Newswire por imputar uma prática preconceituosa à empresa nas redes sociais, em razão de uma postagem feita em 2019 no LinkedIn e que foi rapidamente excluída. Na época, ela também criou uma página na rede social Facebook, chamada #TiraIsso, para denunciar crimes de racismo em ambientes de trabalho. Nenhum nome de empresa era divulgado.

Leia também: Ministro do STF derruba censura a entrevista da Ponte com empresária negra

A Ponte, ao contar a história de Luanna em setembro do ano passado, também foi alvo de censura junto com os sites Alma Preta e Yahoo Notícias, em dezembro de 2020. Dentro do processo de indenização de danos morais contra Luanna, a ex-presidente da PR Newswire conseguiu uma ordem judicial, proferida pelo desembargador Piva Rodrigues, que determinava que as reportagens fossem tiradas do ar por causa das entrevistas que a empresária deu, Nos autos do processo, Thais afirma que processou Luanna por considerar que as denúncias de racismo feitas por ela eram “ofensivas à sua honra e imagem pessoal e profissional”.

A ordem acabou derrubada no STF (Supremo Tribunal Federal), em março deste ano, e as reportagens voltaram ao ar. O ministro Luís Roberto Barroso argumentou que se trata de publicação de interesse público, tendo em vista a gravidade do fato.

Para Luanna, que promove discussões sobre questões raciais em diversas esferas, a decisão do processo na Secretaria de Justiça mostra que sua voz está sendo ouvida. “Eu adoraria falar que é uma vitória, mas na verdade é nada mais do que a justiça sendo feita. Eu não vou ser reembolsada porque esse dinheiro vai para o Executivo, mas fico bem de saber que vai poder reverberar positivamente em outras ações e que isso também serve de exemplo para outras empresas e que outros trabalhadores se sintam motivados a denunciar”, declarou. “Fico infeliz de saber que em pleno 2021, o Poder Judiciário e a Secretaria de Justiça têm que ficar debatendo se a pessoa pode ou não ter o cabelo natural dela”.

Atualmente, a empresária escreve no blog Efigenias, onde se dedica à divulgação de textos com a temática racial. Atua também em mídias sociais para desenvolver negócios digitais e culturais na empresa Doorbell Ventures, onde é criadora, e é diretora-executiva do Painel Bap, plataforma onde pessoas participam de pesquisas de mercado online e são recompensadas com dinheiro, produtos e serviços fornecido por empreendedores negros.

Outro lado

A Ponte procurou a assessoria de imprensa da PR Newswire, mas não teve resposta.

Também não conseguimos localizar a defesa de Thais. Enviamos mensagem pelo LinkedIn, no entanto, não houve retorno.

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