Relatório da Rede de Observatórios da Segurança mostra que estado do Nordeste registrou 1.465 mortes em intervenções policiais em 2022; 94,76%,das vítimas eram negras
A Bahia ultrapassou o Rio de Janeiro e se tornou o estado em que a polícia mais mata no Brasil. O dado é do relatório “Pele Alvo: a bala não erra o negro” produzido pela Rede Observatórios da Segurança, divulgado nesta quinta-feira (16). Das 1.465 vítimas, 94,76% eram negras, considerando somente as que tiveram cor ou raça identificadas.
O monitoramento constatou que, em 2022, 4.219 pessoas foram mortas por intervenção policial em 8 estados do país — 65,66% eram pessoas negras, totalizando 2.770. O número considera dados da Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação.
O pódio da letalidade é completado por Rio de Janeiro (1.330) e Pará (631). São Paulo ocupa a quarta posição com 419 mortes (veja números por estado abaixo).
Em todos os estados checados são negros os que mais morrem. Na Bahia, onde 80% da população é negra segundo o IBGE, 94,76% dos óbitos são de pretos.
O pesquisador Pablo Nunes, doutor em Ciência Política pelo Iesp/Uerj e coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e um dos responsáveis pelo estudo, fala que o relatório aponta para manutenção das altas taxas de letalidade da atividade policial associada a um perfil de vítimas bem conhecido: jovens negros.
“Nesses quatro anos pouca coisa mudou. Na verdade, nós podemos dizer que em muitos dos estados analisados e monitorados pela rede, os problemas de segurança pública se aprofundaram, pioraram, cresceram e se multiplicaram, tanto do ponto de vista da intensidade quanto de tipos de crime”, diz Nunes.
No caso da Bahia, o pesquisador analisa que a situação vem se agravando desde os anos de Rui Costa (PT) à frente do Estado. Hoje ministro-chefe da Casa Civil, Costa foi governador por dois mandatos entre os anos de 2015 e 2022.
“Ele [Rui Costa] chegou no governo da Bahia e as cifras de letalidade policial foram aumentando ano a ano, de maneira sistemática, sem nenhum tipo de respiro. Isso nada mais é do que, não só o fomento, mas uma falta de política pública para lidar com essa situação”, comenta Nunes.
Sob comando de Jerônimo Rodrigues (PT), o estado baiano enfrenta neste ano uma crise na segurança pública. Mais de 80 pessoas foram mortas em intervenções policiais apenas no mês de setembro na Bahia. A resposta foi a continuidade da polícia ostensiva e o apoio federal para essas incursões.
“Bahia fez o impensável: superar o Rio de Janeiro em termos de letalidade policial. Há cinco anos, se alguém falasse isso, eu falaria que não é possível e a Bahia foi lá e mostrou que era possível sim”, fala o pesquisador.
Na segunda posição, o Rio de Janeiro se consolidou com altos números de letalidade. Vitrine nacional na área da segurança, o estado está hoje sob decreto de Garantia e Ordem (GLO), a primeira do governo Lula 3. Restrita neste momento a atuação em portos e aeroportos, a presença dos militares ocorre ao mesmo tempo que as polícias de Cláudio Castro repetem operações em favelas.
“Cada Estado tem seus dilemas com a segurança pública, mas, sem sombra de dúvida, o Rio de Janeiro serve como uma vitrine nacional para projetos de segurança pública. Infelizmente, neste momento, para o que pode existir de pior na segurança pública, que é esse investimento em confronto, em combate e um total desapreço com ações de inteligência e de investigação, fundamentais para que se desvende e responsabilize os autores de crimes e que a impunidade não seja uma realidade que motiva e que não tem essa roda de criminalidade”, afirma Pablo Nunes.
Falta de dados
Uma outra face da máquina da letalidade, coloca Nunes, é que os estados não produzem dados completos sobre violência. A situação mais extrema é a do Maranhão, no Norte do país. Dados sobre cor não são publicizados e informações sobre a idade são incompletos.
Durante o ano passado, o Maranhão teve uma vítima a cada quatro dias morta em intervenção policial. Das 92 mortes, 90 são de homens.
“Quem são essas pessoas? Qual é a cor dessas pessoas? A idade? A gente tem algumas informações, mas no campo da cor no formulário de registro é simplesmente ignorado. Uma postura que demonstra e que diz muito ao não dizer, ao não produzir informação. Esse silenciamento, esse apagamento, diz muito sobre exatamente o tipo de importância que o programa do Estado dá para a questão racial, principalmente na questão racial quando pensamos nas políticas públicas de segurança”, questiona Nunes.
Outro lado
A Ponte procurou a SSP-BA sobre os dados apresentados e o que vem sendo feito para diminuir as mortes em intervenções policiais. Não houve retorno até a publicação deste texto.