Nigerianos agredidos por seguranças do metrô entram com ação por danos morais

    Defensoria Pública de São Paulo, que cuida do caso, explicou que pedido de indenização se baseia na humilhação que as vítimas sofreram, além da motivação xenófoba e racista contida nas agressões

    Shakiru Akanbi e Owolabi Mustapha | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    Injustiçados. Assim se sentem os amigos nigerianos Shakiru Akanbi e Owolabi Mustapha, agredidos com cassetetes e humilhados por seguranças do Metrô de São Paulo, na estação República, da linha 3-Vermelha, no dia 28 de setembro de 2018. As agressões foram gravadas por passageiros, que ficaram chocados com a cena. Na ocasião, segundo as vítimas, o bilhete de um amigo não passou na catraca por falta de saldo e um dos seguranças tentou impedir que Shakiru passasse o seu bilhete para pagar a passagem. Começou uma discussão, que terminou com golpes de cassetete nas cabeças dos dois.

    A cabeleireira Judith Caielle, de origem camaronesa, acabou se aproximando para entender o que estava acontecendo e apanhou também, conforme relatou em reportagem da Ponte publicada na época. “Parei para ver o que estava acontecendo. Esse daqui [Shakiru] saiu já com sangue. Falei: ‘nossa!’. Tomei um susto. Na hora, o segurança veio direto na minha direção e me acertou”, contou Judite. Segundo ela, o funcionário do Metrô parecia fora de si. “O cara saiu igual um bicho”, conta. Houve protesto na mesma estação República por conta das agressões e pedido de punição aos funcionários.

    Passados quase quatro meses, Owolabi ainda tem na testa a cicatriz resultado dos três pontos que levou. “Eu não pude contar para minha mãe o que havia ocorrido, porque ela tem a saúde debilitada e não ia suportar saber o que houve. Disse que havia caído”, lembra o vendedor. “Assim que eu caí no chão, eu dizia ‘por favor, não bata em mim’ e eles continuavam batendo. Minha roupa ficou toda rasgada, as pernas doíam e eu não sabia onde estava minha carteira. E ele [um dos seguranças] disse: ‘sai daqui, seu lugar não é aqui, africano folgado'”, relatou. “Nesse momento, as pessoas que estavam em volta começaram a gritar ‘racista’, porque o que ele fazia naquele momento contra mim era racismo. Nunca pensei passar por isso”.

    Shakiru, que durante a conversa com a Ponte na quinta-feira (10/1) chegou a conter a emoção, disse que se sentiu impotente no momento das agressões. “Nunca ninguém havia falado assim com a gente. Vamos dizer que a gente estivesse errado, ele deveria ter chamado a polícia então, retido nosso cartão. Mas não pode ir soltando o cassetete na cara dos outros. Eu fiquei sem reação, não tive nem tempo de pensar em reagir, só apanhei”, desabafou.

    Na delegacia, os dois lembram que continuaram sendo humilhados. “A delegada disse que daria um ‘chá de cadeira’ na gente. Como nosso português não é tão bom, não entendemos a expressão. Uma pessoa que nos acompanhava é que contou”, lembra Shakiru.

    O pedido de indenização formalizado pela Defensoria é de 100 salários mínimos para cada uma das vítimas e a tutela específica, ou seja, o pedido de desculpas formais por parte do metrô. “Esse pedido deve ser divulgado em redes sociais para que tenha o mesmo alcance da notícia das agressões, a humilhação pública que eles passaram. Essa prática é bastante comum e segue orientação de protocolos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não só o pedido pecuniário, o dinheiro, mas a restauração do direito violado, no caso a imagem exposta, que feriu a honra deles”, explica o defensor público Vinicius Silva, coordenador auxiliar do Núcleo de Diversidade e Igualdade Racial da Defensoria Pública de São Paulo.

    Para o defensor, a conduta teve motivação racista. “A conduta foi desproporcional por conta desse estereótipo racista, pelo fato de eles serem migrantes africanos e terem a fenotipia negra. É isso que sustentamos na ação. O pano de fundo da ação é a xenofobia e o racismo”, afirma Silva, que é quem cuida do caso.

    Embora os agressores sejam pessoas, são funcionários do Metrô e, portanto, a companhia é quem foi acionada judicialmente na ação, explica o defensor. “É em nome da pessoa jurídica, o que significa que é independente da configuração de culpa. Até porque o Metrô tem também a responsabilidade por ele ser transportador. No código civil existe essa previsão de que o transportador tem que garantir a segurança dos passageiros. E na ação a gente defende que houve uma conduta desproporcional. E essa desproporcionalidade não decorre apenas do fato de eles serem imigrantes mas também pelo fato de serem imigrantes provenientes da África”, ressalta o defensor público.

    “O estereótipo racista orienta essa abordagem, além de se referir expressamente ‘africano folgado’ em face do Shakiru, há também a identificação de que eles seriam pessoas perigosas só por estarem em grupo. No boletim de ocorrência, inclusive, havia menção de que o fato de estarem em grupo seria um elemento para fundada suspeita”, sustenta Vinícius, antes de elencar os vídeos como prova para a ação, inclusive imagens feitas pelo próprio Metrô.

    “Os vídeos que eles mesmos mandaram mostram que outros passageiros se assustaram pela desproporcionalidade e despreparo da ação. Em um deles, tem um agente de segurança girando o cassetete sendo que qualquer pessoa que pudesse estar passando poderia ser agredida. E também houve muito pânico na estação. Várias pessoas que estavam passando se mobilizaram porque ficou evidente que a conduta era inadequada”, aponta o defensor. “A função deles é garantir a segurança das pessoas, não agredir. Não cumpriram minimamente o protocolo correto. Digamos que houvesse ali uma irregularidade, teria que ser respeitado o protocolo: retirada do cartão, o bloqueio, não agredir”, conclui Vinicius Silva.

    A Ponte questionou a assessoria de imprensa do Metrô sobre a ação dos imigrantes e espera um posicionamento da companhia.

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